QUE POVO É ESTE?

 

Djodji (o primeiro)

08.02.2007

 

Foto de Ernst Schade

Foto de Ernst Schade

Olhando para a história política e criminal do meu país, Guiné-Bissau, não posso deixar de continuar a estranhar o comportamento ora heróico e ora passivo do meu povo!

Este texto não pretende trazer nada de novo aos guineenses, mas apenas perguntar directamente aos guineenses – porquê? Porque permitimos que tudo aconteça na Guiné-Bissau, sem que o dono e senhor da terra, o povo, nada faça para mudar o rumo do seu destino?

O meu povo saiu à rua para aplaudir os nossos libertadores do jugo colonial, vindos da então intitulada zonas libertadas. Esse mesmo povo saiu à rua para aplaudir um general de boca espumada, que nos viria libertar do domínio cabo-verdiano que se viveu logo após a independência e que ceifou a vida a muitos guineenses que haviam participado do outro lado da barricada na luta da libertação do jugo colonial português.

Anestesiado com a valentia do General espumoso, o povo ficou imediatamente amnésico!!! Esquecemos que o próprio General era um dos principais representantes do regime contra qual havia acabado de revoltar-se e, portanto, era muito difícil e até impossível, que esse cínico herói que se apresentava como salvador da pátria não tivesse tido conhecimento das execuções de irmãos guineenses, que ele nomeou um a um, entre as bolhas de espuma no canto da boca.

Como era possível, o seu imediato superior hierárquico, o Presidente da República, tivesse tido conhecimento desses actos bárbaros, como ele fez querer ao povo, sem que a informação tivesse passado pelas mãos dele, que coordenava os comissários? Mas, na altura, o povo guineense engoliu essa estória, aplaudiu e apoiou o “general-espumoso”, sem no entanto ter tido qualquer ganho (muito pelo contrário!!!), com a mudança de regime.

O nosso “general-espumoso”, mal se apanhou no poder absoluto disse que não matou ninguém, nem era contra ninguém e, ainda, anunciou a “concórdia nacional”. Desses anúncios ao engordar as suas contas bancárias, coleccionar amantes e enriquecer alguns amigos, foi uma questão de menos de meia-dúzia de anos. Segundo consta, alguns desses amigos trocavam esse estatuto de privilegiado com cedências periódicas dos seus leitos matrimoniais ao “general-espumoso”, porque contrariar esse desejo do general podia significar desgraça pessoal com acusação no envolvimento de alguma trama contra o todo o poderoso e eventual morte. Alguns até terão dado o próprio apelido aos filhos do general espumoso.

O povo assistiu impávido e sereno esses abusos do poder e os ditos “amigos” oportunistas, que terão chegado ao ponto de “alugarem” os seus leitos matrimoniais, não devem ter ouvido nunca pronunciar o nome de Ernesto Che Guevarra, que disse uma vez que “mais vale morrer de pé, que viver de joelhos”. Preferiram viver de joelhos, para hoje tentarem fazer a diferenciação de “gentes no sistema, com gentes do sistema”!!!

Essa gentinha aceitou viver de joelhos, comendo as migalhas do general-espumoso”, enquanto o povo já se encontrava deitado e prostrado, comendo as migalhas desses oportunistas. Nessa altura, o general já havia deixado de ser espumoso e até contratara um professor de português para lhe dar aulas particulares e já partilhava os seus instintos hormonais com algumas “senhoras” da sociedade Bissau-guineense e até conhecia uns empresários portugueses que também lhe davam algumas aulas sobre o tratamento especial das finanças públicas.

Também foi nessa altura que conheceu outros ditadores com os quais foi aprendendo as tácticas para a eternização no poder. Nessa luta para a manutenção no poder, eliminou e mandou eliminar fisicamente muitos dos guineenses que haviam apostado nele naquele fatídico dia de 14 de Novembro, data essa que hoje, até o próprio general-ditador tem vergonha de comemorar.

Dos nomes dos assassinados no regime de Luís Cabral, o regime do general sanguinário conseguiu ultrapassar, de longe.

A tudo isso, o meu povo assistiu sem reagir de forma convincente e com repulsa desses actos e seus actores, até que apareceu um Brigadeiro acusado de tráfico de armas, que viveu quase duas décadas à custa do regime, que resolveu salvar a sua própria pele e mobilizou muitos militares para a sua causa. O general pediu ajuda aos amigos ditadores, sem pedir consentimento ao povo, que ele julgava prostrado e sem reacção, mas esqueceu-se que estar prostrado não é o mesmo que estar caquético e agonizante.

O povo acreditou mais uma vez numa mão salvadora e levantou-se e foi buscar forças onde já não havia, para correr com o ditador sanguinário. Só que o povo esqueceu-se das verdadeiras razões do brigadeiro e dos abutres intelectualóides que estavam por trás das estratégias do Brigadeiro. A “vassourada” não foi completa, nem eficaz!!! Aí que aparece de Bissorã, um intelectualóide que havia tentado concluir um curso de direito numa faculdade pública portuguesa e fracassou e tinha-se dedicado ao comércio, que era pouco para as suas aspirações megalómanas.

Esse mesmo intelectualóide foi o mentor e principal responsável pela saída do general sanguinário para o exílio, sem qualquer responsabilização pelos seus actos no passado. O mesmo intelectualóide não tardou a ser nomeado como primeiro-ministro de transição. Da transição até os guineenses “enfiarem um barrete vermelho”, foi pouco tempo. E, o povo estava convicto que o intelectual louco e populista era a solução que a pátria mais ansiava. Mas, continuou a assistir impávido e sereno, acusações públicas de corrupção, prisões sem acusações oficiais, perseguições de órgãos de comunicação social, tentativa de etnização do poder, etc.

Desesperado e bem acomodado no poder, o louco intelectual declarou ao próprio povo que lhe havia colocado no poder, como incapaz de escolher por escrutínio livre os seus próprios representantes no aparelho do Estado.

Estranhamente, começaram a acontecer alguns encontros em Portugal, inclusive com almoços, entre o louco intelectual e o general-sanguinário. Pouco tempo antes, o governo português havia assumido desconhecer o paradeiro do general-sanguinário, que vivia as expensas do contribuinte português, tendo sido apenas admoestado, após o regresso à sua residência.

Estranhamente, no período de tempo em que o general-sanguinário esteve ausente de Portugal e sem paradeiro certo, houve deslocações de alguns militares guineenses para tratamento e férias no Senegal e na Guiné-Conakri, entre os quais Tagmé na Waie. Não é que nesse período de tempo, houve desentendimento entre o Brigadeiro e o louco intelectual, que levou à perseguição e a morte em circunstâncias estranhas do primeiro.

Após a morte do brigadeiro, não tardou a aparecer o General Veríssimo Correia Seabra que derrubou o regime eleito democraticamente e que agia de forma ditatorial. O mesmo General afirmara publicamente, que o general-sanguinário só regressaria à Guiné-Bissau de forma livre e impune, por cima do seu cadáver. É caso para dizer, foi ele quem pediu!!! Da sua morte, até a invasão do espaço aéreo guineense por um aparelho militar de outro Estado, também comandado por um professor do general sanguinário na arte da ditadura e do absolutismo, foi pouco tempo.

Eis que o meu povo mergulhou outra vez na amnésia e aplaudiu a chegada de um mercenário, movido pela sede do poder e de vingança. O meu povo mais uma vez esqueceu todo o sofrimento impingido pelo general sanguinário e aplaudiu, aquele que foi, é e esperemos que não continue a ser por muito tempo, a razão da desgraça do Estado guineense.

Dessa amnésia e desse apoio a um acto ilegal e de vandalismo, até sermos hoje presididos pelo maior criminoso da história da Guiné-Bissau, apenas foi preciso que aqueles “amigos” que no passado alugavam os seus leitos matrimoniais em nome de um estatuto trabalhassem um pouco mais…

Desde o regresso do ditador sanguinário, temos um país “de pernas para o ar”, com uma Assembleia Nacional Popular que mal funciona e com deputados que mal conhecem a letra “A”, facilmente corrompidos, de costas viradas com o Presidente da mesma Assembleia e este, juntamente com o maior sindicato nacional, de costas voltadas com o governo e a Presidência.

 Governo esse, não escolhido pelo povo, através do sufrágio, arrogante e prepotente, defendido até à exaustão pelo ditador sanguinário, desde que execute ou tente executar na perfeição as vontades do todo-poderoso. Esse mesmo governo nega-se a dialogar com outros representantes do Estado, desde que estes não acartem as suas directrizes de forma silenciosa. Ainda assistimos à violação dos direitos mais básicos do homem e de um Estado de direito, como ameaças, intimidações, espancamentos e assassinatos de figuras públicas. Como é possível, o presidente do maior partido guineense ter medo de voltar a casa?

Vão dizer-me que o medo é individual e que ninguém tem culpa dos medos dele.

E, aí pergunto, se não é para se ter medo, quando um governo, de forma ilegal assina um mandado de captura e envia uma brigada de intervenção para a detenção de um político, munido de imunidade parlamentar? A verdade é que as investigações sobre a morte do Comodoro Lamine Sanhá e da agressão do Dr. Silvestre Alves interessam pouco ao governo e ao Ministério Público Guineense.

 Desde que aconteceram esses actos bárbaros e cobardes, ainda não foi conhecido qualquer suspeito e nem tão pouco foi convocado aquele que, ainda em vida, o Comodoro acusou de o perseguir e ameaçar. Para quando a audiência do General Tagmé na Waie, sobre a morte do Comodoro? O meu povo vai continuar a fechar os olhos e a divertir-se com o caso de disputa de bens roubados, entre Nino e Cadogo?

O que me estranha é que o povo continua a assistir impávido e sereno e quiçá prostrado!!! Continuo a achar que nós guineenses somos responsáveis pelo actual estado da nossa pátria e pouco ou nada fazemos para a sua mudança.

Cabral e muitos outros deram a vida, acreditando dar-nos uma vida melhor e nós, pouco ou nada estamos a fazer para melhorar o futuro daqueles que virão.

Djarama Guiné-Bissau.

PROJECTO GUINÉ-BISSAU: CONTRIBUTO - LOGOTIPO

VAMOS CONTINUAR A TRABALHAR!

Projecto Guiné-Bissau: CONTRIBUTO

www.didinho.org