Que País é esse?

(Ponto de Vista)

Por: Rui Jorge  da Conceição Gomes Semedo *

rjogos18@yahoo.com.br

Rui Jorge Semedo

28.07.2008

Si Garandi di kaça ta tchami fidjus tudu tá nórnori.

“José Carlos”

Há seis anos dexei a Guiné-Bissau, meus familiares e amigos como tem feito uma “minoria considerável” de jovens à procura de melhores condições de vida. E, ao voltar recentemente encontrei o País numa situação pior do que o havia deixado, em estado de Coma. Uma grande parte da nossa população entrou em processo de morte lenta, as dificuldades evoluíram a uma fase degeneradora de forma que é quase impossível encontrar na rua um guineense, com a excepção dos traficantes e corruptos ligados ao poder, satisfeitos com a actual realidade. Pois, tanto a situação socio-econômica quanto a das infraestruturas públicas regrediram de forma violenta e assustadora.  Hoje não vale a pena usar o nosso tradicional “ki noba di curpu”, pois nos olhos das pessoas expressam-se a profundidade da tragédia social. E, de acordo com a sabedoria popular, não precisamos percorrer uma casa inteira para saber se ela é organizada ou não, basta ser atencioso logo na entrada como fez o presidente Iayah Jammeh, na sua recente visita ao nosso País, para termos uma visão real e geral do que nos espera no seu interior. Entretanto, essa foi igualmente a percepção que tive ao desembarcar no Aeroporto Internacional Osvaldo Vieira.

Todavia, apesar da elevada consideração que estimo pelos servidores públicos do País, dadas as péssimas condições do trabalho que enfrentam, além do salário miserável que não é pago regularmente, preciso expressar sobre a desordem burocrática e tentativa de extorsão aos passageiros que pude constatar ao desembarcar. Aliás, passei antes por quatro serviços de fronteiras (São Paulo, Fortaleza, Cabo-Verde e Senegal) e a minha única decepção pela ousadia da corrupção foi em Bissau. Pela experiência e acredito que também pela norma, a sala do desembarque dos passageiros é um espaço exclusivamente reservado aos mesmos. Não obstante, no Osvaldo Vieira, a presença e a acção dos servidores locais e pessoas alheias  àquele espaço é assustadora. É do nosso conhecimento que hoje no contexto internacional, existe uma preocupação reforçada por parte dos governos relativamente aos problemas da crescente onda do terrorismo e do tráfico de drogas. Situações que passam a exigir dos serviços de segurança maiores controles de suas fronteiras, tanto a aérea, quanto a marítima e terrestre. Contrariamente, no aeroporto Internacional de Bissau o aparelho detector de metais e de outras substâncias de circulação proibida e\ou restrita não está operacional. Para fazer entrar e sair as bagagens do aeroporto basta ter um conhecido ou dinheiro para subornar o servidor e fazer a sua carga chegar ao destino pretendido. Aliás, no momento estamos a referir o caso do Osvaldo Vieira, mas essa desorganização ou “luta pela sobrevivência” dos servidores públicos, infelizmente, é extensiva a todas as instituições do Estado, nos hospitais, nas escolas, na identificação civil, nos serviços portuários, no judiciário, etc.

Entretanto, não é segredo para nenhum guineense a relação que o País tem com a rede internacional do tráfico de substâncias entorpecentes, e dado o alto nível de oficialização da corrupção, nos leva a crer que a avaria deste aparelho detector pode ter influência da rede narcótica que opera impunemente com a conivência de personalidades políticas, militares e da sociedade civil.  Ao sair do aeroporto e percorrer a distância que o separa da minha casa, não me vem nada à mente a não ser um sentimento de profunda melancolia, eivado de decepção do que estava a ver. Mas, como era  noite resolvi conter a indignação e esperar o amanhecer para tirar as ilações sobre o caos que inacreditavelmente observava. Nos dias seguintes durante caminhadas a alguns bairros e a parte central de Bissau fiquei abismado pelo elevado estado de degradação físico-social do País. O nosso País vive hoje num pleno e profundo estado de paralisia funcional do poder público, porém, não existe por parte do Estado o princípio da responsabilidade público-social. Detesto a tautologia, tendo em conta que outras vezes não só eu como inúmeras pessoas escreveram sobre a falta da energia e água, do salário sempre em atraso, do desemprego, de infraestruturas públicas e privadas em estado degradante e da falta de assistência médica e medicamentosa, e todos esses problemas hoje chegaram ao ápice de caos social. Como se isso não bastasse, no momento, as mesas dos guineenses estão vazias devido à crise alimentar mundial. É óbvio que a crise alimentar é um problema mundial, mas a mesma poderia não ter um impacto devastador se houvesse por parte dos sucessivos administradores públicos uma política agrária responsável e coerente, dado a enorme potencialidade do nosso solo à prática agrícola. E, em qualquer parte do mundo onde tem pessoas com escrúpulo a governar, a preocupação é desencadear uma acção emergencial para controlar a situação e reduzir, principalmente, a especulação sobre bens de primeira necessidade. Mas, dada a irresponsabilidade e falta de “savoir faire” não foi criado o mínimo adequado para controlar o mercado. De tal forma que assiste-se um autêntico roubo por parte dos operadores econômicos com a subida excessiva de preços de géneros de primeira necessidade, nomeadamente o arroz, considerado a base da nossa alimentação. O que nos resta é indagar sobre a obrigação do poder público perante o bem-estar dos cidadãos considerados politicamente iguais? Onde está a responsabilidade pública dos operadores econômicos?

Comparativamente, e sem nenhuma pretensão difamatória ou exagero, ouço afirmar que a actual realidade dos guineenses é três ou mais vezes pior do que a de presidiários de países do “primeiro mundo”. A única diferença, talvez, é que aqui o presídio é maior e as pessoas têm mais possibilidades de deslocamento, no entanto, desprovidas de direitos e de necessidades básicas, conforme garante a Carta Universal dos Direitos Humanos ou a nossa própria Constituição. Guiné-Bissau que outrora fora caracterizada como uma das mais belas e limpas cidades da Costa Ocidental da África, hoje está reduzida à mais nojenta e desestruturada cidade da sub-região. Praticamente, na área urbana de Bissau e nas de outras capitais, não existe uma única rua em boas condições de trânsito. Os buracos são assustadores e os pedestres correm sérios riscos de serem atropelados pelas viaturas. Se vê de tudo na parte central de Bissau, como pessoas a urinar em plena luz do dia na via pública, barracas de “krintim” em vários lugares, inclusive na Avenida Domingos Ramos (que passa à frente do Mercado Central), venda de vinho de cajú numa casa em frente ao Liceu Kwame N' Krumah (ambiente que coloca em risco o aprendizado dos jovens), carros a serem lavados nas margens das ruas, cidadãos a roubar cabos de fornecimento de energia eléctrica, o que fez com que cidades como Gabú, Bolama, Cacheu e outras a ficassem condenadas por tempo indeterminado sob escuridão. Nessa situação desesperadora, tanto nas áreas urbanas, quanto nas periféricas ou nas rurais está em voga, principalmente, por parte dos cidadãos com poder de compra, o uso de geradores para colmatar a ausência prolongada do fornecimento de energia elétrica. Dentro de uma lógica de raciocínio, ou mesmo, por questões de sensatez, não pretendemos condenar os usuários de geradores, dado as necessidades que têm, mas precisamos chamar a responsabilidade do Estado perante os efeitos nefastos que esse festival de barulheira e emissão de gazes tóxicos causam à saúde pública, como problemas respiratórios e auditivos.  

Apenas quem te viu ontem Guiné-Bissau e te vê hoje pode ter a consciência de quanto as coisas mudaram para pior.

*Mestrando em Ciência Política na Universidade Federal de São Carlos, SP, Brasil


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