PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA: UM ANO PARA ESQUECER

 

 

Alai Sidibé

konghabumidjeha@yahoo.co.uk

13.11.2010

Alai SidibéO leitor já terá reparado no facto de o título comportar algo de sarcástico ou até mesmo de utópico. Quem assim pensa terá toda a razão. Na verdade, chamar de “República” a um país onde responsáveis político-administrativos mal se revelam capazes de controlar o seu próprio território, não deixa de ser ambicioso demais. Contudo, tal como vem insistindo o incansável Didinho e os demais participantes desta causa que a todos nos une: deixem-me ao menos sonhar para que um dia a tão almejada ‘República’ se materialize.

O tema que hoje traz de volta, apesar de sempre presente, ao escrevente destas linhas a este incontornável espaço, CONTRIBUTO, tem a ver com a forma com que a actual presidência de Malam Bacai Sanhá tem insistentemente defraudado os que nele apostaram, um lote no qual manifestamente não se inclui o autor deste título. Diga-se, até de passagem que nem tenho problemas em referir que a figura em que apostei e apoiei, o senhor Henrique Rosa, cujo eco foi ignorado pela maioria dos guineenses, foi uma oportunidade perdida que nos irá perseguir nos próximos tempos, a não ser que se inverta a forma de pensar do nosso povo.

Voltando ao nosso Presidente da República, o primeiro ano de mandato não podia ter sido pior do que foi, dado o seu desempenho durante estes primeiros 365 dias ter sido tão desastroso que nem os mais pessimistas em relação à sua habilidade política - como é o meu caso, volto a insistir – julgavam possível em tão pouco tempo! Tanta inabilidade tem inquietado sobremaneira...

Lembre-se que o senhor Malam Bacai chegou ao poder numa conjuntura ímpar, pese embora a endémica turbulência, da vida guineense, a saber: uma situação macroeconómica nefasta, a obedecer as últimas décadas; um quadro económico penosamente letárgico; uma ausência quase absoluta de agentes comerciais que pudessem reabilitar o mercado nacional; falta de investimento público e privado; clivagens profundas no tecido étnico-social que ainda persiste; nos últimos anos, a transformação do país num autêntico supermercado de droga proveniente da América latina, no qual, políticos, chefias militares, conselheiros presidenciais; cidadãos civis, empresários durante o dia e barões narcóticos na calada da noite, não hesitam em participar.

Foi neste ambiente que o Presidente Malam Bacai, na altura recém-eleito ocupou a cadeira de magistrado-mor da nação, assentando as suas materializações eleitorais em três pilares fundamentais, que pressupunham a reconciliação nacional, o combate “incansável e implacável” ao tráfico de droga, colaboração mais eficiente entre as instituições do Estado de forma a acabar com o clima de suspeição recorrente, restituição à justiça do seu papel equilibrante na sociedade, a consolidação duma cultura de paz num país que quase nunca a teve, de forma a atrair o investimento estrangeiro, etc...

Por conseguinte, o que se veio a verificar é que, o senhor Bacai Sanhá, além de não ter conseguido minimamente quaisquer progressos nos campos supra expostos, já provou, nos dias que correm, ser o principal propiciador do ambiente de instabilidade que asfixia o nosso país, a ponto de hoje ser visto pela Comunidade Internacional como parte (não a solução) dos problemas com que a Guiné-Bissau enfrenta, numa clara semelhança dos últimos dias de Yasser Arafat à frente dos destinos da Autoridade Palestiniana.

De referir que não se trata aqui duma defesa ao actual governo, muito menos ao Primeiro-Ministro, mas urge defender a estabilidade governativa. Como tal, torna-se imperativo frisar que a Presidência parece ter adoptado a máxima colonialista de dividir para melhor – pior, neste caso - reinar. A animosidade e a falta de colaboração reinantes entre as instituições do Estado, em que Presidência versus Governo da República constitui o caso mais flagrante, nada de bom auguram para o nosso almejado progresso. Os últimos episódios têm, igualmente revelado um Procurador da Republica, em colaboração com a entourage Presidencial, claramente tendencioso, parecendo desconhecer as regras mais elementares de direito ao bom nome; cego no seu ódio visceral ao Primeiro-Ministro, Carlos Gomes Júnior, a quem constantemente tenta descredibilizar com insinuações que só cabem em países sem lei como é a Guiné-Bissau.

Ao não ter sido nem apartidário nem honesto no diferendo que levaria ao trágico 1 de Abril deste ano, o nosso Presidente viria a perder toda a credibilidade como árbitro, de garante da estabilidade e boa articulação entre os diferentes órgãos de soberania. Escusado será dizer que o imperativo em situações como o ocorrido no dia 1 de Abril era que um Presidente, que se quer de todos os guineenses, se pronunciasse, condenando sem reticências qualquer acto atentatório ao normal funcionamento da autoridade do Estado, cujo órgão máximo reside na sua figura. Ao não ter sido capaz de condenar um acto tão retardador das aspirações do nosso povo (em que um Primeiro-Ministro é preso e humilhado, até mesmo fisicamente agredido) Malam Bacai Sanhá revelou-se um homem minúsculo e um político mesquinho; na mesma do PRS. Este partido, ao não ter sido capaz de condenar um acto tão grave, também viria perder uma última grande oportunidade de se credibilizar junto do seu eleitorado.

Um Presidente que parece desconhecer os limites que a Constituição lhe confere, age sinistramente: as declarações proferidas numa entrevista a um órgão de comunicação social estrangeiro, em que insinua um alegado envolvimento de figuras políticas e militares na morte do malogrado ex-Presidente Nino Vieira, mas que não consegue substanciar até à data presente, não deixa de constituir, por outro lado, um inquietante sinal revelador da falta de sentido de Estado do ainda Presidente da República, cujos limites estabelecidos na Constituição, repito, não permitem que se imiscua numa área de exclusiva competência dos tribunais. Afinal para que serve o princípio da separação de poderes? Ao ser confrontado pelos jornalistas à chegada ao aeroporto da capital, Malam Bacai afirmaria que tinha o dever para com o seu povo de dizer a verdade, dado “não ser um Presidente zigue-zague.” Contudo, “zigue-zague” tem sido o mote...!

Um dos grandes pontos que dominaram a agenda político-militar pós-1 de Abril foi o de se saber qual seria o futuro das duas principais figuras protagonistas do golpe que, a Comunidade Internacional não só condenou, assim como cedo fez saber que não aceitaria a inclusão dos dois protagonistas da tragédia de Abril em futuras chefias militares. Apesar disso a nossa classe política em geral, e o Presidente, em particular, decidem fazer ‘orelhas moucas’ acabando por reconduzir os dois aos lugares, "narcoticamente" estratégicos da hierarquia castrense, numa clara afronta à Ordem Internacional e ao esforço particular da UNIOGBIS no combate ao tráfico de droga, em que toda a gente sabe, tanto Bubo Na Tchuto como António Injai estão activamente envolvidos.

O nosso Presidente, ao ser, mais uma vez interpelado pela decisão de nomear António Injai, tentou-se justificar insistindo no facto de a decisão ser “necessária,” para apaziguar os crónicos focos de tensão no seio das Forças Armadas, e que, caso não fosse observada poderia ter graves implicações sociais. Malam Bacai ainda teve a insensatez de afirmar bem alto para que a Comunidade Internacional não deixasse de bem ouvir de que a decisão de conduzir um golpista se inseria no âmbito da “soberania” que o Direito Internacional confere a um país chamado Guiné-Bissau, mesmo que este país nao seja capaz de suportar o seu próprio Orçamento de Estado sem ajuda Internacional; mesmo sabendo que esse país “soberano e independente” como se apregoa, não é capaz de custear eleições realizadas no seu próprio território nacional sem a caridosa intervenção de parceiros amigos. Apesar destas deselegantes tiradas, não tardou para que a amnésia se fizesse manifestar no já de si frágil estado de saúde do nosso Presidente da República: “Vocês [os jornalistas] têm de entender que uma coisa é querer e outra coisa é, efectivamente poder” atirou, sem se aperceber na contradição em que se deixava enrolar. Para um país soberano, para um Presidente que diz tomar decisões livres de coação - de militares - tal afirmação (finalmente, justificando a sua atitude de nomear António Injai como resultante da pressão dos mesmos) é, no mínimo, descuidada... Onde andam os conselheiros? 

É do conhecimento público a falta de qualidades comunicativas de Malam Bacai, mas nem a presença de conselheiros de comunicação lhe tem valido nas sucessivas ‘bacuradas’. As reincidentes intervenções em assuntos que, num ambiente político normal deviam ser da exclusiva competência do Governo, não têm tido limites. Quem não se lembra daquela viagem efectuada pelo obscuro conselheiro Soares Sambu a Angola, onde, entre outras coisas, se assinaram múltiplos acordos chamados “bilaterais” que depois se veio a revelar terem sido em benefício de poucos mas que nada têm a ver com os interesses de nós todos, reforço, sem que se tenha tido em conta o Primeiro-Ministro, e cujos contornos até hoje não foram devidamente explanados?!

Esta diplomacia paralela, que tem sido insistentemente reforçada através do próprio Presidente (não me canso de repetir - sem qualquer coordenação com o Gabinete do Primeiro Ministro -) com insistentes viagens a países hoje vistos como párias pela ordem mundial, são outros exemplos que reforçam os insistentes desvios do papel que não deve caber a um Presidente num contexto de regime parlamentar. Ainda em relação aos laços a países rebeldes como o Irão e a Líbia (apesar do reagrupamento de Kadafi ao resto do mundo nos últimos anos), permitam-me referir que a nossa aproximação a tais dirigentes políticos não constitui grandes problemas ao nosso país desde que o bilateralismo se fizesse numa esfera mais discreta e fosse inequivocamente benéfico para o nosso país mas evitando a sua excessiva mediatização, de modo a não provocar mal-estar junto dos nossos parceiros internacionais que tanto nos têm apoiado, como aliás o realismo moderno aconselha. Mas encetar laços à luz do dia e de forma tão aberta com nações que têm claramente desafiado o Direito Internacional e que me parece por demais inconveniente.

O último episódio da deriva Presidencial tem a ver com o recente encontro com líderes religiosos, que, manifestando alguma inquietação em relação ao hostil ambiente político que se vive, preocupação aliás partilhada pela União Africana, na qual Malam Bacai, insistindo nas provocações ao Primeiro-Ministro, Carlos Gomes Júnior, se faz de professor de Direito Constitucional: “O poder do Presidente não pode ser comparado com o do chefe do Governo.” No nosso sistema, “o Presidente é eleito de forma unipessoal,” ou per si, insinuando com isto que a legitimidade do Presidente reside unicamente na pessoa que foi eleita por sufrágio universal, enquanto a legitimidade do chefe do Governo é sempre dependente da maioria parlamentar saída das eleições. (Não há outra conclusão a tirar desta atitude a não ser que se tem procurado, a todo o custo, demitir o actual Governo para o substituir com um outro, de arranjo Presidencial, que não mereceu a confiança dos guineenses, no qual se incluiriam figuras directamente ligadas ao tráfico de droga, com sérias implicações para o nosso povo - o que significaria um virar de costas definitivo da Comunidade Internacional).

Esta leitura constitucional, embora seja incontestável, ocorre que Malam Bacai parece descuidar-se de um aspecto fundamental da democracia dos nossos tempos. Se é verdade que um um chefe de Governo não se elege directamente pelo povo, não é menos verdade que na democracia actual vem-se verificando uma espécie de ‘personalização’ cada vez mais crescente da figura de Primeiro-Ministro. Querendo isto dizer que o eleitor, ao votar num partido, fá-lo em função da confiança, tácita, que deposita na figura que, a priori, se desponta no seio do partido como potencial para ocupar o cargo de chefia do Governo. No nosso caso particular, os guineenses, ao terem depositado a sua inequívoca confiança no PAIGC, fizeram-no na convicção de que Carlos Gomes Júnior se apontava como o potencial Primeiro-Ministro, em caso de vitória, como aliás se veio a verificar. Esta convicção do eleitorado baseia-se na premissa de, não só porque é norma o Presidente do partido ser sempre (ou quase sempre) aquele que é proposto ao Chefe de Estado para a chefia administrativa do país, mas também, e ainda no nosso caso particular, em função do trabalho desenvolvido pelo actual chefe do executivo durante o tempo em que ocupou o lugar, entre 2004 e 2005. Em suma, se houve uma aposta dos guineenses para que uma particular figura esteja à frente dos destinos do país, não vejo nenhuma razão para se defraudar as ambições de estabilidade governativa porque tanto se vem ansiando como povo. Daí que qualquer tentativa de subverter a vontade do povo não será aceite, nem pela Comunidade Internacional, muito menos pela população do nosso país.

 

Nota: Alai Sidibé escreve de acordo com a antiga ortografia.


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