Peace enforcement

Via de combate ao narcotráfico

 e

da

 imposição da Paz na Guiné-Bissau

 

 

Fernando Casimiro (Didinho)

didinho@sapo.pt

01.06.2010

Fernando Casimiro (Didinho)Artigo enviado para publicação e assinado por "Candjura Panta". Por saber quem se trata e por me ter sido solicitado, assumo total responsabilidade pelo artigo em questão, por razões que se prendem com a salvaguarda da integridade física do autor, que reside em Bissau, onde exerce a sua actividade profissional.

 

Peace enforcement

Via de combate ao narcotráfico

 e

da

 imposição da Paz na Guiné-Bissau


Estou a escrever sob o pseudónimo Candjura Panta, por não ter condições de livre expressão e ter a minha vida sob risco por alegada traição aos poderes constituídos ilegitimamente na Guiné-Bissau.

Mas o que se segue tem de ser dito e escrito!

 

S

ão já decorridos 65 anos que, com hombridade, os povos das Nações Unidas decidiram pela paz e pela segurança internacionais e, para esse fim, tomar medidas colectivas eficazes para prevenir e afastar ameaças à paz. Como e também, há 62 anos, em prol da dignidade humana, proclamava-se universalmente que “Toda pessoa tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e  liberdades estabelecidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos possam ser plenamente realizados”.

No mundo e em África, criaram-se novas expectativas sobre as questões de paz e segurança internacional, aquando a assunção de Ban Ki-moon, em Janeiro de 2007, se comprometeu em fortalecer o trabalho da ONU e o papel das missões de paz no mundo.

Ora, na Guiné-Bissau, fundamentadamente, a ONU actua no sentido de administrar as incessantes crises e solucionar problemas específicos e adstritos.

M

as, aqui chegados, é caso para se perguntar se, num país de mais de uma década em permanente convulsão, desejoso de Paz e Segurança, qual o objectivo dum Escritório Integrado das Nações Unidas, supostamente concebido para um mandato de “Apoio à Consolidação da Paz na Guiné-Bissau (UNIOGBIS)”, no momento em que o país não oferece condições propícias para receber acções de reconstrução institucional (peace building) e, ao invés, dever-se-ia promover tentativas de governabilidade básica do país?

Ou será que para se consolidar a Paz não será necessário accioná-la em primeiro lugar?

Não bastaria aos Guineenses os Programas, Fundos e Agências das Nações Unidas que têm actuado activamente na promoção do desenvolvimento económico e social?

Sim, porque, de facto, tal como se apregoa por toda a mídia, a Guiné-Bissau é um narco-estado a consolidar.

Um narco-estado já indiciado pela Autoridade Internacional de Controlo de Estupefacientes como uma “grande plataforma para o narcotráfico” na região; local paradisíaco e ponto de passagem das redes de cocaína entre a América Latina e o continente europeu; onde 635 kg de cocaína merecem as honras de guarda no Tesouro Público; e onde se desembarca, à vista de todos e no Aeroporto principal, mais outros 670 kg do produto eleito, eclipsando-o…

Um narco-estado, onde narcotraficantes se movimentam livremente, exibindo-se, dando cartas, infiltrando-se na política e nos assuntos políticos, adulterando a incipiente economia, ludibriando a sua descomprometida justiça, implantando as suas estruturas, gerindo regozijados o “negócio” como donos da terra.

Um narco-estado, onde, paralelamente, se assiste a uma luta fratricida pelo poder e pelo controlo, numa espiral incontrolável de violência, com mortes e assassinatos lúgubres das mais altas individualidades nacionais e em praça pública.

De 2005 a esta data, nem as dúvidas metódicas já subsistem na mente dos mais cépticos!

E é a própria ONU que estima que a cocaína que entra em cada mês no país corresponda a todo o PIB anual (304 milhões de dólares), sendo que, 25% de toda a cocaína consumida na Europa tem já hoje origem na Guiné-Bissau.

Mas também é a própria ONU a alojar no seu seio e sob a sua tutela um suspeito ligado a um golpe de Estado e a partilhar, a posteriori, a visão do Departamento do Tesouro norte-americano. Quid iuris?

Os guineenses continuam a observar e aguardam expectantes!

Um povo, uma Nação, aspirante às verdades, sonhando com os Direitos Humanos, com pouca escolaridade, sem estradas, sem água, nem luz, nem tão pouco uma prisão e entregue à violência e desmandos…

Eles, os guineenses, que saíram à rua para manifestar a sua indignação e repúdio, dando um sinal claro que a situação da Guiné-Bissau não pode já ser resolvida por dentro, provando que as armas falam mais alto, que o poder que democraticamente elegeram está refém e nada pode fazer, e, sobretudo, demonstrando que são os únicos e verdadeiros interlocutores da Guiné-Bissau perante as Nações Unidas, a sua Organização Internacional.

Contudo, nem aos menos afamados, esta premente resposta se satisfaz com discursos de diplomacia preventiva em relação à dimensão assumida pelo narcotráfico no país. Ainda estão recordados de Ban Ki-moon, num dos seus relatórios, que os “desafios” a enfrentar pelo povo guineense, alguns dos quais só poderão ser superados com a ajuda internacional, e pedindo “uma cultura positiva de paz em vez da polarização e divisionismo”.

Depois dos trágicos acontecimentos do dia 1º. de Abril, não basta pedir a quem não pode. Porque, da sua diversidade étnica, sua riqueza, fazem os militares a sua desunião, dando-lhes exemplos de favoritismos e de obsoleta fidelidade idólatra, ainda que possam estar a ser instrumentalizados por forças políticas na sombra, ao ponto de nem o Porta-Voz se tresmalhar… Porque, na sucessão contra natura, não se vêem outros que não os célebres candidatos operacionais, oriundos ancestralmente duma sociedade horizontal, sem a cultura do respeito da chefia ou da liderança, num total desprezo às restantes etnias que compõem o seu mosaico, todas pagando pela marginalização passada. E porque, erroneamente, este ano de 2010 foi declarado ano internacional para a aproximação das culturas pela Assembleia Geral das Nações Unidas.

É evidente que a Guiné-Bissau lança um desafio às estruturas mundiais, conforme defendeu o diplomata japonês Yukio Takasu, junto do Conselho de Segurança, deve-se “repensar a estratégia” de segurança a ser seguida no país lusófono, cito; e em conformidade ao dito e sustentado por Joseph Mutaboba, representante do Secretário-Geral em Bissau, de que as perspectivas de estabilidade política na Guiné-Bissau estão ameaçadas pelo tráfico de droga e o crime organizado.

Assim é, que, em relação à Guiné-Bissau, o caminho é a assunção pela ONU das suas obrigações de carácter político e moral.

Concomitantemente, numa leitura ética, a ONU tem que expiar a sua responsabilidade e fazer face ao actual status quo do país, criado pelos recentes acontecimentos, que se iniciaram com a invasão da sua sede em Bissau, IMPONDO A PAZ.

A ONU deve e pode, querendo, enfrentar este dilema moral, o que, só por si, obriga a uma perspectiva diferenciada de “soberania como uma questão de responsabilidade, e não somente de poder”, numa operação de paz pós-westphaliana, derrogando-se racionalmente o princípio de “não intervenção nos assuntos internos”.

O Conselho de Segurança da ONU, órgão dotado de poderes coercitivos e autoridade, tem agora e actualmente reunidas as condições e a legitimidade inquestionável para invocar o Capítulo VII da Carta, mudando a filosofia da missão na Guiné-Bissau, decidindo sobre outro tipo de missão e adoptando uma resolução urgente e de emergência, configurada num mandato igualmente compressor e claro, que preveja passos concretos para o combate ao narcotráfico e a restauração da paz e da segurança na Guiné-Bissau.

 Uma missão de imposição da paz (peace enforcement), segundo a ordem internacional, baseada na Carta da ONU, que, ao contrário de outros tipos de missões, não exige o desejável consentimento das partes.

Uma missão integrada por uma força multinacional militar e policial, com componente naval, cometida a coligações de países, com a criação dum comando militar unificado ou a designação de uma “nação líder” (lead nation) ou “nação enquadrante” (framework nation) de toda a operação.

Uma missão de estabilização para a Guiné-Bissau, uma operação de paz, composta e definida nos termos do artigo 43.º da Carta da ONU, de acordo com o qual os Estados-membros se comprometem a proporcionar ao Conselho de Segurança “forças armadas, assistências e facilidades, necessárias para a manutenção da paz e da segurança”. Optimizando-se, para esse efeito, os recursos destinados pelos parceiros internacionais e bilaterais da Guiné-Bissau, num combate cooperativo ao narcotráfico, tanto a nível interno como a nível internacional, e com custos repartidos.

Uma força constituída no âmbito das Nações Unidas, dimensionada às valências necessárias, numa acção coordenada, comprometida com o combate ao narcotráfico, mas também com a paz e segurança, com a salvaguarda das instituições da República e com a almejada reforma da Defesa e Segurança.

Uma força inadiável e inevitável, porque o ciclo da violência está longe de terminar, não se devendo esperar por um Ruanda. Posto que, das contemplações, já lhes saiu o Noriega.

Peace enforcement para auxiliar o Estado guineense em relação à ameaça do narcotráfico que questiona a sua própria existência, evitando-se o colapso do Estado, consolidando a democracia, fomentando a reconciliação nacional, combatendo a impunidade. Enfim: garantindo uma paz sustentada na Guiné-Bissau!

Esta é a opção do povo para por cobro ao narcotráfico e para que não seja posta em causa toda a segurança regional. Ou seja, entrar na via da estabilização e de construção de um estado democrático, para que se evite o isolamento do país e o desaparecimento do Estado, para que se possa divulgar a lista dos restantes narcotraficantes e para que não se permita a criação no seio da Nação de um ninho de terroristas, sem controlo.

Esta a opção do povo de Amílcar Cabral, um envolvimento mais amplo dos parceiros da Guiné-Bissau, junto ao Conselho de Segurança da ONU, quebrando-se o sacralizado princípio da soberania nacional, enquanto paradigma, em auxílio à Nação guineense. Porquanto, não seria o primeiro caso.

Uma solução de consciência! Consciência que não se vê, apenas se sente, e que é essencial para a convivência pacífica em sociedade e à mundividência.

Que, cada um, assuma a sua responsabilidade!

Nós, os guineenses, já assumimos a nossa responsabilidade, manifestando, apelando e, em calvário, expiando as nossas culpas.

Eu, também assumo, aqui, as minhas responsabilidades.

Agora, mais do que nunca, espera-se que já seja chegada a hora e o momento de a ONU se assumir. Definitivamente!

Amanhã, já poderá ser tarde. Muito tarde!...

 

 


 

Bissau

27 de Maio de 2010

Candjura Panta     


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