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Por: Samuel Reis*

10.07.2008

Mahatma Ghandi disse sabiamente: “Eu renuncio à violência porque quando ela parece ser boa, o bem é apenas temporário; o mal que faz é permanente”

 

 A Guiné-Bissau já sofreu demasiadas mortes e golpes de estado, já sangrou rios indomáveis, já chorou lágrimas que encheriam mares e oceanos, já viu os seus piores pesadelos tornarem-se realidade e ainda piores. Por estas razões, a violência não me parece ser o caminho acertado para a mudança da Guiné-Bissau. Admito e acredito que a violência tenha sido o caminho para o fim da tirania colonial, às vezes os tiranos não compreendem outra linguagem (mas lembrem-se que o objectivo do movimento de libertação era obrigar Portugal a negociar a independência, não expulsar os colonialistas aos tiros). Da mesma forma acredito que a sugestão de Ghandi de usar a não-violência para derrotar a Alemanha Nazi era simplesmente utópica e ingénua (para não utilizar outras palavras, que penso não se aplicarem a uma personalidade tão distinta e sábia). Contudo, no ponto a que chegámos, a violência seria um desrespeito para com os nossos irmãos que tombaram para que hoje fossemos uma nação independente, seria um desrespeito para com os que foram torturados e assassinados devido à coragem de expressarem os seus ideais, seria um desrespeito pelas mães que choraram a morte dos seus filhos ceifados pela brutal selvajaria que agora nos parece cercar e asfixiar novamente, acima de tudo, seria um desrespeito para com o nosso herói Amílcar Cabral, que sonhou com uma Guiné-Bissau justa e pacífica. Mas não se enganem, a não-violência não é sinónimo de apatia, na verdade, não-violência é combater o verdadeiro inimigo, a maldade, não o maldoso. Ora, isto de “combater a maldade e não o maldoso” não é só falar, também envolve suor.

 Muitos são os que, perante uma crise social, ou política, (ou ambas, como acontece na Guiné-Bissau) apontam as causas, por vezes até vão mais longe e apontam os culpados, depois seguem choramingando a situação em que se encontram. O número decresce (e a dificuldade cresce) quando apontar os culpados pode resultar em assassinatos ou desaparecimentos “misteriosos” que “misteriosamente” não deixam “testemunhas”. Aqui apenas um punhado de corajosos se levanta para falar pelo povo, alguns ousando quebrar o anonimato. Mas, principalmente quando os autores estão à distância, as vozes de protesto são omnipresentes, audíveis até através de protestos silenciosos.

 Isto é bom, protestar é fulcral, mas é apenas a base para actividades mais significativas. Não podemos esperar que governantes corruptos, que não se incomodam com a morte e miséria da maioria dos seus conterrâneos, se incomodem com o simples incómodo de uns poucos dos seus conterrâneos, que muitas vezes até são diáspora (como eu e a minha família). O Nino está-se nas tintas para o que dizemos ou achamos, ele ainda vive à sombra fresca dos seus capangas armados, em ostentação, pensando-se realizado e completamente esquecido daquele vazio onde deveria estar o seu sentido de dignidade, ou talvez daquele outro onde devia estar o coração... O verdadeiro medo dele é o que pode partir das palavras, o verdadeiro medo dele é um movimento populista, é a actividade organizada, é o alastrar da consciência nas mentes das massas. É por isso que há toda uma máquina de repressão e intimidação muito bem montada e oleada. Nós até estamos treinados para nos atacar uns aos outros em guerrinhas étnicas e derivados, cooperando com os opressores, sem nunca nos darmos conta da estupidez que demonstramos ao fazê-lo.

 Portanto não, não me sinto muito revolucionário confortavelmente sentado ao computador, escrevendo estes textos e bebendo um chá a ouvir música ambiente, se é isso que alguns pensavam. E todos vocês também não deviam sentir-se. Por mais tinta (ou electricidade) que se gaste, palavras nunca vão retirar o poder aos cleptocratas, palavras nunca vão transformar-se em pão e alimentar o povo, nunca vão dar emprego aos desempregados, construir escolas para os analfabetos ou sarar os doentes. É a realidade, no fundo todos nós sabemos disto.

 É preciso agir, mas se vamos agir, então devemos estar em conformidade com o objectivo que queremos atingir. Precisamos de nos tornar o que gostaríamos que todos os guineenses se tornassem. Caso contrário, estaríamos a ser tão hipócritas quanto os governantes! Sendo assim, se pretendemos obter a paz, devemos agir pacificamente, porque, ainda pra mais, ao utilizar a violência estamos a começar um ciclo vicioso que, quando menos esperarmos, pode atingir-nos de novo pelas costas.

 Mais uma vez, como fiz noutro texto, apelo à necessidade de nos organizarmos e nos dedicarmos a manifestações e boicotes, precisamos de ser criativos, há mais oportunidades do que imaginamos. A esmagadora maioria de nós está descontente, por isso temos todo o apoio necessário! Reúnam-se, discutam, expressem-se, cheguem a conclusões, organizem-se, informem os vossos irmãos e depois ajam. Lembrem-se que se cumprirem todos os outros passos mas não agirem, não serviu de nada!

 Tenham sempre em mente que depois de os nossos seres serem preenchidos com amor ao povo e à liberdade, não restará espaço para o medo. E eu estaria a mentir se dissesse que acho seguro fazer manifestações, mesmo sendo não-violentas... Não é seguro, pelo menos na Guiné-Bissau, penso que todos estamos conscientes disso, até mais conscientes do que gostávamos de estar. Contudo, neste momento, nem sequer é seguro viver, simplesmente viver, na Guiné-Bissau, não há sistema de saúde decente para o caso de haver algum acidente grave, não há policiamento decente para o caso de se ser vítima de crime, além disso os criminosos são muitas das vezes os próprios membros das forças armadas e da polícia! Faço minhas as palavras do Sr. Bubacar Turé, é o “Reino da Selvajaria”. Mas vamos manter-nos focados, não é na segurança das manifestações que devemos concentrar-nos, mas sim na necessidade de levá-las a cabo! Elas são necessárias, é única e somente isso que nos importa. Quando os poderosos virem o povo unido e organizado, vão temer e tremer e, se não nos derem a liberdade que queremos, se não nos derem eleições justas, se não nos derem liberdade de expressão, se não nos servirem garantindo a nossa segurança e estabilidade económica, se não criarem postos de trabalho, se não criarem escolas seguras e onde as nossas crianças aprendam sobre a história do país, se não criarem hospitais e centros de saúde, se não utilizarem a riqueza do país para aumentar a qualidade de vida do seu povo, então poderemos e iremos considerar o uso de violência como alternativa… Porque quando fecham as portas à revolução pacífica, abrem-nas à revolução violenta, é inevitável. A não-violência é só uma das armas que temos, porque o arsenal é vasto e alcançaremos a nossa liberdade por todos os meios necessários.

* 16 anos de idade, estudante na área de Línguas e Humanidades do 10º ano com aspiração de vir a ser jornalista


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