PAIGC E A CRISE POLÍTICA NA GUINÉ-BISSAU

 

Por: Ricardino Jacinto Dumas Teixeira

Mestre em Sociologia Política – Brasil     

Ricardino Dumas Teixeira

ricardino_teixeira@hotmail.com 

29.07.2008

        Vivemos no momento mais uma nova crise política no país. Trata-se da retirada do PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde) do pacto governativo sob o qual fazia parte e dirigia o país com a coligação do PRS (Partido da Renovação Social) e PUSD (Partido da Convergência Democrática).

        A justificativa dada pelo Vice-Presidente do PAIGC - Raimundo Pereira – era de que o instrumento político que norteava e justificava o pacto já não satisfazia os interesses anteriormente acordados, somada a retirada da confiança política e falta de diálogo entre a cúpula do partido PAIGC com o Engenheiro Martinho Cabi - indicado ao cargo do Primeiro-Ministro pelo PAIGC.

        Trata-se de um momento em que, por um lado, a ilusão de muitos analistas se fazia acreditar que o VII Congresso do PAIGC, realizado em Gabú, de 26 de Junho a 03 Julho consolidou a força do partido na sua relação com a sociedade e restabeleceu o diálogo político interno como contraponto a falta de dialogo e luta pelos cargos chaves no interior do PAIGC, e, por outro lado, a ilusão de que, com a vitória do Cadogo Filho, nesse Congresso, os perdedores facilmente se juntarão aos vencedores para a eleição legislativa marcada para 16 de Novembro de 2008.

        Ao mesmo tempo em que nos indignamos com as sucessivas retiradas da confiança política e golpes estatutários ou “legais”, típica das democracias “controladas”, pretende-se aqui, modestamente, lançar algumas questões que possam contribuir de alguma forma para maior (ou menor) compreensão da atual crise política guineense. Procura-se, assim, mostras as diversas visões de analistas sobre a crise e quais são as estratégias políticas que estão por trás desse acontecimento. Em seguida, apresentaremos a nossa visão.

Visões da Crise

        A primeira visão da crise do governo é a que tem a mão do Presidente da República (João B. Viera), como principal mentor da instabilidade política desde a sua derrubada em 1998 - através de um golpe de Estado liderado por Ansumane Mané, líder fundador da Junta Militar. Trata-se de uma visão de partidos da oposição que lutam para maximizar suas chances nas eleições seguintes. Essa visão também é compartilhada por muitos intelectuais, líderes da sociedade civil e ativistas de direitos humanos. Isto porque o Vieira sempre foi acusado durante o seu governo de confundir o Estado com o PAIGC, como normalmente acontece nos países com forte legado autoritário herdados durante a luta contra o domínio colonialista nos seus territórios e mantida em outras formas durante a transição de autoritarismo para a democracia.

        Essa forma de conceber o Estado e a sociedade como propriedade do PAIGC abriu espaço para corrupção em todos os níveis, uma vez que instituiu muitos cargos de confiança política e muita liberdade dentro e fora de governo para cada aliado, simpatizante e dirigente mandar como bem quer.

        Na visão de muitos analistas guineenses a eleição de Cadogo Filho como chefe de governo na eleição legislativa anterior foi uma tentativa para inibir essa prática de governo, assim como todo o pecado cometido por seu chefe durante o governo sob comando do PAIGC, entre eles, o de permitir os aliados a corrupção e acesso a altos cargos no governo. Porém muitos não acreditam no discurso reformador defendido pelo governo de Carlos Gomes (Cadogo) e achavam que o Cadogo tinha muitas encarnações: ele é encarnação do povo guineense (República da Guiné-Bissau) e da sociedade portuguesa (PETROMAR).

        As suspeitas em torno do Cadogo decorrem de sua participação como grande acionista do maior investimento português na Guiné-Bissau, que acabou por substituir a empresa nacional de combustíveis, a DICOL, da qual era administrador. Também o Cadogo é visto como a encarnação do atual presidente, apesar de aparente idéia de que existe uma conspiração do presidente contra a pessoa do Cadogo. Que conspiração? Não acreditamos que existe realmente conspiração do presidente contra Cadogo, pois se existisse o presidente não teria deixado de lado queixa-crime que apresentou na Procuradoria Geral da República por suposto envolvimento na morte do Comodoro Lamine Sanha, conforme afirmou publicamente o Cadogo. Para acabar de vez com as dúvidas se existe ou não um complô entre dois, o Cadogo fez questão de endereçar publicamente um convite para o presidente assumir a presidência honorária do PAIGC, função que deixou de exercer em 1999, cinco anos após a realização das primeiras eleições democráticas. 

        A segunda análise diz respeito à luta pelo poder dentro do PAIGC, e caso não mantivesse em nível razoável teria conseqüências para eleição seqüente. Por isso, a realização do VII Congresso do partido seria uma forma para discutir as diferenças, restabelecer o diálogo interno e redefinir a relação entre o Partido sociedade.  E como o momento não era adequado para a realização do Congresso, o partido decidiu arrastá-lo para os meses de Junho e Julho de 2008 – onde o Cadogo, mais uma vez, foi reeleito via eleitoral com um total de 578 votos dos delegados do partido (que não deve ser confundidos com a sociedade). E como não podia deixar de ser, o Cadogo viu no seu desempenho eleitoral no Congresso uma forma de prosseguir a luta contra a figura de Martinho Cabi, que era homem da sua confiança dentro do partido e que fora derrotado nesse Congresso. Daí aparece uma solução: substituir o Martinho Cabi e desgastar politicamente sua imagem dentro do partido e eleger para o governo uma figura do PAIGC ou figuras próximas ao Presidente da República, caso este último decidir formar um governo de iniciativa presidencial.

Nossa Visão

        Todas essas visões sobre a atual crise política apontam para a “conspiração” do PAIGC, suas estratégias e vícios negativos de suas elites dirigentes. Mas, nenhuma delas faz uma análise mais profunda e conseqüências para a institucionalização da nossa democracia.

        A crise de governabilidade que afeta o país é um tiro na nossa democracia e demonstra a dificuldade que o PAIGC tem de aprender com os erros do passado. Não é verdade afirmar, na véspera de eleições, que o pacto governativo deixou de fazer sentido ou que o Martinho Cabi deixou de merecer confiança da cúpula do partido. Se o pacto deixou de fazer sentido quem é o mentor do sentido do pacto? Que confiança o governo de Martinho deixou de merecer a cúpula do PAIGC? A corrupção? As propinas das grandes empresas que não pagam impostos? Os interesses nacionais para manter algumas figuras consideradas ineficazes por Martinho Cabi - sendo as principais, Diretor das Contribuições e Impostos, Diretor da Alfândega e o próprio Ministro das Finanças? Todas essas questões não foram geradas pelo governo de Martinho Cabi, pelo contrário, tenta inibi-las na medida do possível.

        Este Primeiro-Ministro tentou e ainda tenta, a duras custas (salvo algumas exceções) lutar contra esses males que afetam o Estado guineense e coloca em causa a legitimidade dos políticos. Desde os mais antigos políticos guineenses, até os mais jovens, a corrupção e troca de favores entre principais líderes políticos sempre foram praticadas para defender interesses obscuros utilizando-se de discursos como “incompatibilidade” e “falta de confiança”. O PAIGC do Cadogo não fez diferente ao retirar a “confiança política” ao Primeiro-Ministro escolhido por ele.

        Não existe incompatibilidade ou falta de confiança entre o Martinho Cabi e líder do PAIGC. O que existe é incompatibilidade de poder, um conflito pelo poder. A crise de incompatibilidade de poder entre o PAIGC e seu governo de base alargada é sinal evidente que o PAIGC não conseguiu uma transformação profunda no seu VII Congresso. O partido que se propõem vencer o divisionismo interno e o tribalismo para transformar atual paralisia societal acaba por repetir os mesmo erros políticos cometidos no decorrer da sua história: a luta pelo poder.

        Enganam-se aqueles que ainda acreditam que o PAIGC é um partido descentralizado, um partido histórico. A sua organização interna é altamente centralizada (tendo no topo da cúpula o seu presidente). Quem sobe ao poder controla a base. E quem está na base da hierarquia passa conviver com o chefe do partido, a ganhar maior confiança, a ter um conjunto de regalias e a viver no conforto. Mesmo sendo de origem camponesa (base que mais apoiou a luta de libertação), há muito tempo que os dirigentes do PAIGC deixaram de ser agricultores. Quando entraram na cidade, o PAIGC deixou de ser trabalhador de campo e passa a ter uma vida de luxo. Portanto, não é de estranhar que essa mudança de posição gerou também uma mudança de perspectiva do partido: ao invés de servir de canal entre Estado e sociedade, o PAIGC não convive mais com o povo (salvo em época de lutas eleitorais) e muito menos de canal de demandas da sociedade civil[1], portanto, deixou de ser um partido de inspiração nacional.

        O PAIGC olha o povo guineense na perspectiva de poder e não mais dos que estão de baixo, os camponeses. Essa forma de fazer política também se aplica a nova elite política do partido. Agora eleito presidente do PAIGC, o Cadogo cresceu dentro do partido e torna-se a figura central. Para manter o seu poder e prerrogativas que o estatuto lhe confere, manter o seu privilégio político, conservar o seu poder, o presidente do PAIGC e sua base de apoio se tornaram capazes das mais baixas atitudes como essa que assistimos. Mas será só uma questão interna ao partido ou ela tem dimensões política eleitoreira maior?

        Não podemos esquecer que estamos na época eleitoral. O partido, a partir do momento em que chega ao poder e começa a ter um conjunto de cargos a sua disposição, vira fonte de atenção. Passa a controlar a maquina política. O recurso oriundo da maquina - em especial nos países com alto nível de pobreza e desigualdade social - assume um papel importante na reeleição ou não do partido para o controle do Estado e da política. E os políticos que conseguiram eleger maior número de cadeiras na casa legislativa passam a ter no seu seio um grande número de colaboradores com capacidade de influenciar as decisões do Estado. É nesse contexto que surgiu a coligação entre o PAIGC, o PRS e PUSD, com objetivo de dividir cargos no governo e lutar contra a tentativa de monopolização do poder político por parte do Presidente da República.

        Quando alcançaram o governo, a relação entre os coligados degrada. A crise do governo Martinho Cabi colocou em evidencia a ineficiência de coligação num país sem cultura democrática, onde emperra o desrespeito às regras de jogo democrático como via para a mudança. Resta saber se o objetivo do PAIGC é enfraquecer politicamente o Martinho ou uma tentativa de concentrar a maquina política para fins eleitorais. Isto porque, com a retirada da confiança política deixa de existir o governo. PRS e PUSD sozinhos não asseguram a maioria. Assim, só restaria uma solução: formar um governo de iniciativa presidencial com elementos do PAIGC. Com isso, excluiria os elementos do PRS e PUSD do governo da iniciativa presidencial de forma concentrar a máquina política no PAIGC, o que garantiria a sua vitória na eleição de Novembro.   

Ncatene partido, Nca kunssi Martinho Cabi i nin Cadogo.

Bardadi na corson.


[1] Sobre a relação entre o PAIGC e sociedade civil consultar: TEIXEIRA, Ricardino. Sociedade civil e democratização na Guiné-Bissau. Dissertação de mestrado apresentado no Programa de Pós-Graduação em sociologia da Universidade Federal de Roraima (2008). Disponível também em: http//didinho.org

 


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