O TEMPO, ESSE ETERNO JUIZ

 

 

 

Por: Flaviano Mindela dos Santos

 

 

10.02.2008

 

Na passada semana recebi na caixa do correio electrónico um conteúdo muito bem estruturado, duma campanha para angariação de mais membros de, e para o Movimento UBUNTU.

Para quem não conhece, foi fundado em Bissau por Jorge Lopes Queta, um dos elementos da minha geração dos quais me orgulho bastante, para promover actividades de natureza cultural.

Os já incontáveis eventos organizados, e com sucesso, por esse movimento, num país como o nosso, e nos tempos do neo-liberalismo, em que a pura cultura é um fenómeno marginalizado, só pode estar ao alcance de pessoas com um grande sentido de iniciativa, determinação e progresso.

Corria os anos noventa, quando motivados por uma vontade característica de ainda jovens estudantes, decidimos congregar todos os colegas da nossa geração numa lista única, com claros objectivos de provocar, candidatar e vencer uma eventual eleição para a direcção da Associação dos Estudantes Guineenses em Lisboa, movidos pela gritante necessidade de dinamizar quase tudo, porque quase tudo não funcionava.

Entre sobressaltos, inclusive uma espécie de primárias dentro da lista, acabamos por escolher Jorge Lopes Queta como cabeça de lista, com os argumentos que a maioria defendia, que era o facto de ele, então estudante de relações internacionais, já vinha experimentando os labirintos do associativismo estudantil na sua faculdade, e com lugar de algum destaque entre os seus pares.

O seu conhecido voluntarismo, só acabou por reforçar ainda mais a sua ascensão à cabeça de lista.

Passado alguns dias, apareceu uma lista como alternativa, constituída por elementos com os quais contávamos, sendo eles da nossa geração. Hesitei um bocado, mas acabei por aceitar as regras do jogo democrático em causa.

Para espanto meu, vim a saber que, as motivações, ou a mais forte motivação dessa lista que se dizia alternativa, tinha que ver com o simples facto de Jorge Lopes Queta, ser filho de Adelino Mano Queta, então a desempenhar as funções de Embaixador da Guiné-Bissau em Portugal, com o ruído de fundo a lembrar que: os pais já mandam, logo não podem os filhos mandar.

Tomado pelo cúmulo de tal aberração, optei por confrontar os colegas dessa lista alternativa de caras, já que partilhávamos o mesmo espaço para estudos. No esgrimir de argumentos com um deles, às tantas esse afirmou que, o automóvel que o Jorge Lopes Queta possuía, tinha sido comprado com o dinheiro do povo guineense. E eu, de forma irónica, disse-lhe:

- Pois então lá estava mais um bom motivo para a eleição do Jorge Lopes Queta, porque assim, poderíamos todos usufruir dos serviços que ele inevitavelmente teria que prestar, usando esse mesmo automóvel.

Depois de alguns bláblás, decidi acabar com a infrutífera discussão.

Volvidos uns anos, um colega, que até chegou a pertencer à referida lista alternativa, acabando por passar para a nossa, decidiu juntar-nos na sua casa, com o propósito de estreitarmos os laços de camaradagem. Entre tantos, estava também o colega que fora meu interlocutor na mencionada discussão no CUPAV.

Depois de um bom almoço da terra, que lembro ter agradecido com elogios à habilidade culinária da anfitriã, vieram naturalmente as conversas. Não é que o meu interlocutor do CUPAV, de maneira deselegante, foi atirar para a mesa o assunto sobre eleição do Jorge Lopes Queta para à presidência da Associação dos Estudantes Guineenses em Lisboa!? E timidamente, tentava insinuar que fui um bajulador na época, porque queria o Jorge Lopes Queta na presidência só devido ao cargo do pai e do carro que possuía e, coadjuvado por um outro colega crónico militante de kakrindadi, apercebi-me que o fulano, dominado pelas consequências de tantos complexos que o enfermam, não chegou a perceber a minha tirada irónica na altura.

Pois claro, o incidente acabou por atrofiar todo um ambiente que os anfitriões pretendiam saudável.

Eu, para tentar remediar, decidi abandonar mais cedo o djumbai, e no dia seguinte, telefonei ao colega anfitrião pedindo desculpas por involuntariamente acabar por estragar o convívio, pedindo também os números de telefone dos dois militantes do kakrindadi.

Telefonei lhes um após outro, propondo um encontro separado a dois, para falarmos sobre o sucedido. Primeiro, o militante ajudante durante o incidente. Esse preferiu que a conversa ficasse pelo telefone, desculpando-se com a falta de tempo, mesmo quando sugeri que podia ser a qualquer altura. Lá tive que tratar o assunto por telefone, coisa que não é o meu estilo nesse particular. Depois foi a vez do meu interlocutor do CUPAV. Esse também, para não variar, desdobrou-se em desculpas de que não teria tempo, que iria viajar para não sei aonde…

Um dia desses fui à embaixada da Guiné-Bissau, lá estava ele. Mal me viu, saiu a fugir para o obscuro dum buraco qualquer, com as patas todas em acção, fazendo honra ao animal que deu nome ao seu culto favorito. Porque é lá em baixo, nas profundezas é que se sentem à vontade, para a partir daí actuarem, de preferência sob anonimato.

Eu prefiro níveis cada vez mais altos, e confrontar quando tem que ser, olhos nos olhos.

Se não tivermos disponibilidade e meios para fazermos algo de bom, juntarmos a alguém que, por mérito próprio consegue a sua realização, não é de forma nenhuma bajulação, nem submissão.

Se não tivermos a sorte de alguém que produziu e implantou uma boa ideia, contribuir positivamente para engrandecer a sua realização, não é de forma nenhuma bajulação, nem submissão.

 

Ser, Conhecer, Compreender e Partilhar 

 

 

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