VII

REFLEXÕES DE UM NACIONALISTA

 

OS SIGNOS DA NAÇÃO

E A EMERGÊNCIA DA SUA MUDANÇA

 OU A QUESTÃO GUINEENSE III

 

INTRODUÇÃO OU

FUNESTOS DESÍGNIOS

 

 

Não lutamos por uma Bandeira e Hino.

 

Amílcar Cabral

 

 

 

 

Fernando Jorge Pereira Teixeira *

teixeira_ferjor@hotmail.com

Amadora, 21 de Agosto de 2010

Partes deste texto que agora tem nas suas mãos já foi publicado há mais de um ano atrás num Semanário Guineense; alguns amigos e conhecidos meus também já o leram através de e-mail enviados por mim. Ela chama-se no original “UM NOVO NOME UMA NOVA BANDEIRA UM NOVO HINO PARA O PAIS”. Hoje volto a ele, acrescentando partes que tinha cortado propositadamente na altura (por ser artigo dirigido a publicação num jornal de venda pública e consequentemente com preocupação quanto ao espaço e a maneira como os leitores desse meio de informação apropriam-se das noticias e artigos de opinião. Mas existe também o farto de nunca ter sido publicado no siteGuiné-Bissau Contributo”, onde outros leitores, que não vivem na Guiné, também o poderão ler e analisar se assim o entenderem. Alem de que já tinha prometido, num dos meus primeiros textos publicados neste site, falar deste assunto no futuro, o que por si só me obrigaria. Pois a partir do respeito que temos para com os nossos leitores é que se dignifica qualquer empreendimento de cariz intelectual, cultural ou apenas jornalístico.  

Mas o mais importante para mim é o facto de através deste texto simples expor um dos pilares mestres do meu Pensamento Politico em relação a minha Pátria. Pois embora não sendo filósofo, politólogo ou político no activo, entendo que qualquer doutrina ou pensamento político consequente com algum valor - mesmo dentro da dimensão da intervenção cívica apenas - deve ter a sua teorização e sistematização prática (de forma inteligível para a maioria das pessoas) na vertente política, social e económica, para além da dimensão filosófica-ideológica. Pois de outra forma correrá o risco de vir a ser considerado no futuro de simples palavreado inútil.

E nessa teorização - com o propósito de mudar o País para melhor -, devem ser tratadas todas as componentes que formam o edifício da Nação. Toda a infra-estrutura e a superstrutura (simplificando) da nossa sociedade devem ser analisadas e tratadas a luz dessa doutrina, de forma clara - mesmo que concisamente -, pois como sabemos é a sua interdependência que segura as relações que sustentam o próprio paradigma societal;

 

Independentemente de nesta Sociedade as relações entre a Base e a Infra-estrutura serem ainda indefinidas de certa forma ou de se estar ainda a procura de um modelo mais viável ou mais justo e coeso.

 

É de um modo geral, baseado neste pressuposto, que no meu pensamento político advogo uma mudança baseada em certos imperativos de ordem histórica, cultural e social que advêm do tempo do nascimento da nossa Nação. Dito isto, nesta parte pretendo de forma sucinta desenvolver estas ideias de forma a transitar, por assim dizer, da “teoria à prática”, apresentando, de forma mais sucinta possível, as minhas razões que são consubstanciadas na História e na necessidade prática formal.

 

Antes do nascimento formal desses símbolos e independentemente deles, existiu e existe uma categoria na alma guineense, a que chamei de “espírito guineense”, mas que por uma questão de semântica dou neste momento o nome de “Proto-Guinendade”. Mas aqui o termo Guinendade é emprestado à sua definição clássica (aqui por falta de outras fontes tenho que recorrer a minha própria classificação) que etiquetei antes como o “conjunto de crenças, valores e aspirações comuns” que estão na consciência colectiva do povo Guineense, antes de se transformarem em símbolos máximos de identificação como a Bandeira, o Hino e o próprio Nome do País.

Sendo assim a criação desta tríade deveria ter sido feita de uma maneira totalmente diversa do que aconteceu realmente. A maneira como surgiram e a forma que têm actualmente são errados. Provarei esta tese mais a frente.

Por agora só direi que já no seu tempo, atendendo a importância deste sujeito, o imortal Amílcar disse que não lutamos só para ter “uma bandeira e um hino”, querendo com tal significar que “só isso”– basicamente sermos independentes - não bastava. Mas agora volvidos trinta e sete anos, em que estamos “exactamente” no mesmo sítio, no mesmo momento da “Proclamação”, no que diz respeito ao desenvolvimento social, económico e técnico, eu diria que na verdade não lutamos só por isso, mas “também” para isso. Querendo com isto, pela minha parte, significar que no fundo, na verdade - neste momento - só temos a Bandeira, o Hino e o Nome do País.

- O Nome para poder-mos acreditar, contra todas as evidências, que existe no mundo um País assim chamado onde de facto nascemos e esperamos vir a morrer.

 

- A Bandeira para cobrirmos e esconder dos olhos de Deus e dos homens a nossa imensa vergonha como Nação e Povo.

 

- O Hino para acalentar as nossas almas sofridas, quebradas e maltratadas, prenhes de dor e impotência, olhando o horizonte da Historia onde teimosamente foge de nós o nosso destino.

 

São estes funestos desígnios que me fazem escrever, sofrer e sentir que só tenho (temos) uma razão válida para viver: a existência do meu (nosso) povo, a sua razão e seu porvir. E como o nosso Povo, neste momento, na verdade só tem o Nome do seu País, a Bandeira e o Hino, vamos começar por eles que o resto vira por acréscimo.

 

 

 

I

 

UM NOVO NOME PARA O PAIS

 

Não é por acaso que se, ainda no começo do século XIX, esta Guiné extremamente reduzida se chama oficialmente Guiné de Cabo verde. Esta não é então mais que uma parte da grande Guiné «portuguesa» que ia até Angola.

 

René Pelissier

 

A mudança que advogo é baseada em certos imperativos de ordem histórica e social que advêm do tempo do nascimento da nossa Nação. Este processo de nascimento, de que falarei num próximo texto, foi fruto de uma serie de acontecimentos externos e internos; acontecimentos, esses, muitas vezes alheios a vontade ou participação imediata do nosso povo. Sem esquecer que o nascimento da nação - o acto fundador – foi apenas o inicio do processo que se consolidará ou não, com o decorrer do tempo e capacidade dos governantes.

Sendo realista, sei que mudar os símbolos da Nação não se faz de ânimo leve. Nem se devem fazer apenas porque é certo e útil. Mas na arquitectura do nosso edifício Nacional é preciso fazer os reajustes necessários, para que as paredes-mestras da nossa casa comum sejam fortes e suficientes para aguentarem as tormentas da vida. Alem de que, o que é certo e útil para uma Nação, muitas vezes não o é pelos contemporâneos dessas mudanças. Pois a geração do “tempo das mudanças” consegue ver apenas o seu efeito imediato nas suas vidas presentes. Um pensador -um criador da Nação -, pelo contrário deve ter a capacidade de olhar através dos tempos e vislumbrar o futuro e nunca esquecer que o tempo dos homens é medido em anos e o das Nações em Séculos.

Por isso tenho que falar destes símbolos, Bandeira, Hino, Nome do País, numa perspectiva prenunciadoras da necessidade histórica da sua mudança urgente. A História tem o propósito de aprofundar e fundamentar a necessidade prática, simbólica, agregadora no pedestal da Nação destes símbolos. Pois entendo são estes símbolos e categorias permanentes que legitimam perenemente - estruturando a ligando os conceitos Território e Povo numa a simbiose chamada Pátria - a existência da Nação.

No texto em que falei de Honório Pereira Barreto (a “Questão Guineense” anteriormente publicado), existe uma passagem que retomo aqui para dar continuidade as minhas ideias. Originalmente, esta parte era continuação daquela; mas por imperativos vários, acabei adiando a sua publicação neste site. Nesse primeiro texto eu dizia a dado passo que “… hoje “sei” que é com a fundação da cidade de Ziguinchor juntamente com a de Farim por volta de 1642 (cinquenta e quatro anos depois da Fundação de Cacheu) - com pioneiros, nascidos em Cacheu e Geba, portanto já naturais da Guiné - é que a nossa futura Nação “começou a estruturar-se”, a se definir, a se preparar geográfica e humanamente para esta que agora herdamos”.

Posto isto, antes de continuar, devo precisar que a minha interpretação da História da Guiné difere da de outros, que posso até respeitar (e respeito), mas é aquela que eu acredito ser ”justa e necessária”. Pois a história não deve ser apenas verdadeira, feita de factos e datas. Ela deve ser também justa para com o Povo que é historiado. Entendo que não existe “História verdadeira” ou “genuína História” e nem podemos usar com ela, aquele famoso “contra factos não há argumentos”; pois se há ciência onde “contra factos argumentos” é a ciência histórica.

Aqui falo da Historia como ciência legitimadora de um processo social qualquer que seja ela. Por isso nesta parte pretendo, sucintamente, desenvolver estas ideias de forma a transitar, por assim dizer, da “teoria à prática”, apresentando, de forma mais sucinta possível, as minhas razões que são consubstanciadas na História e na necessidade prática. Por isso nesta parte pretendo de forma sucinta desenvolver estas ideias de forma a transitar, por assim dizer, da “teoria à prática”, apresentando, de forma mais sucinta possível, as minhas razões que são consubstanciadas na História e na necessidade prática.

E aqui devo relembrar que o certo, o útil, o necessário para a Nação “deve ser feito”, independentemente das circunstâncias presentes ou de seus efeitos económicos e impactos sociais nas gerações actuais. Exemplifico: Eu sei que é Historicamente certo, útil e necessário unir a Casamance (que é um território nosso) a Guiné, mas também sei que isso só poderá ser feito mediante uma guerra ou mediante uma mudança radical das condições económicas e sociais da Guiné (e do Senegal claro). Mas não é por conhecer estes handicaps e contrants que retira a justeza deste facto. Mas mesmo que esta união fosse economicamente prejudicial aos dois territórios e socialmente problemática para as gerações actuais das duas margens do Rio S. Domingos (Casamance) ela devia ser feita; pois esse desiderato histórico ultrapassa pela sua grandeza, qualquer análise pecuniária ou quaisquer outros considerandos morais ou de boa vizinhança. E mesmo que se para isso acontecer tivermos que destruir o Estado Senegalês tal como ela existe actualmente, que seja. Mas disto falarei depois, isto é apenas um exemplo.

 

Historicamente, há centenas de anos, este território foi primeiramente conhecido como Rios da Guiné. Já as crónicas antigas nos falam deste míticos “Rios da Guine”. A questão dos Rios da Guine sempre confundiu estudiosos, pois por onde viravam apenas encontrava Rios. Como se não houve-se mais nada nesta terra alem de Rios. Rio Geba, Rio Corubal, Rio Cacine , Rio Bulola? Rio Grande de Buba (a região do actual Quinara era a Região do Rio Grande), Rio Cacheu, Rio Casamança, Rio Colufi, Rio Tombali, Rio Bassarel, ou actualmente Rio Costa (ou Rio Pulundo) Rio Impernal (ou canal) Rio Pobreza (afluente do Rio Tombali?) Rio São Domingos (é agora Rio Casamansa).

 

 Ou como nos diz o sábio e incansável Historiador René Pelissier: “Em 1642, os portugueses fundam Farim e Ziguinchor, a partir da deslocação de habitantes de Geba, dando início a uma ocupação das margens dos rios Casamança, Cacheu, Geba e Buba, a qual se torna efectiva em 1700, passando então a zona a ser designada por “Rios da Guiné”.

 

Sabemos hoje que “os autores e cartógrafos portugueses levaram muito tempo a porem-se de acordo quanto a cartografia da região; alguns, na época considerada, chamavam indistintamente Rio Grande propriamente dito, o rio [de] Geba e Rio Grande de Bolola, o Rio [Grande] de Buba; o que gera certa confusão na consulta cartográfica.”

 

 Estas palavras de um estudioso nos confirmam a origem desse nome. Mas mesmo hoje, olhando o nosso País do ar, o que é no fundo a essência da Guiné? Qual é o elemento dominante da paisagem? O que é que geograficamente é mais determinante? Não temos altas montanhas e cordilheiras, nem grandes florestas ou imensas faunas de animais selvagens? Somos apenas Rios. Como o nosso antigo nome indicava. Rios e Rios. Mais nada alem de Rios. Somos na verdade uma República de Rios.

 

As crónicas antigas atestam e testemunham os Rios de Sangue que correram neste pequeno território. Pequeno demais para caber tanto heroísmo. Mas eu, não sendo cronista, já vós disse, que a nossa Terra é feita de Rios; e o Rio maior não é o “Rio Grande” de Buba, nem o Rio de “Bolola” ou de “Nuno” ou de “Guinalda”, nem a magnifica correnteza do Rio Geba. O Rio Maior é o Rio de “Sangue Derramado”, pela dignidade deste Povo. E esse Rio, na verdade vós digo, ainda não se estancou…

 

Esta nossa terra que durante séculos chamou-se Rios da Guiné, durante 72 anos chamou-se Colónia da Guiné, e apenas 22 anos Província Portuguesa da Guiné, Trinta e sete anos foi Republica da Guiné-Bissau. Deve agora recuperar o seu nome original.

 

Aqui preciso mais uma vez de socorrer-me do meu texto anterior, de que já falei, onde vou buscar a asserção em que já afirmava:  “ … nossos antepassados, que já fundavam cidades no sertão (…) com o seu esforço titânico, a custa de imensos sacrifícios, conseguiram por volta do fim do século XVII, que toda esta ocupação se tornasse definitiva e completa. E a partir dessa altura então toda esta região passou a ser designada por Rios da Guiné. E são estes “Rios da Guiné” o embrião da nossa Pátria hoje conhecida erradamente como a “Guiné-Bissau”.

 

Tudo isto para vos dizer que o Nome “Guiné-Bissau” não é o indicado para nossa Nação. Não tem significado nenhum para tanto heroísmo que o gerou. Amo muito o meu País para um dia pensar sequer o apequenar de qualquer maneira. Mas esse nome, a “Guiné-Bissau” é um contra senso para não dizer a palavra “ridículo”. Era como chamar a Republica Portuguesa de “Portugal-Lisboa”, o Senegal de “Senegal-Dacar” ou a República Popular de Angola de “Republica de Angola-Luanda, por exemplo. Pode ser que o nome “Guiné-Bissau” foi “atribuído as pressas”, numa tentativa de diferenciação com as outras “Guinés” deste mundo, e em especial da Guiné, nossa vizinha de Língua Francesa. Mas não deixa de ser uma péssima escolha. Uma escolha infeliz. Triste.

Nós, os Guineenses, durante anos chamamos a República da Guiné, de “Guiné-Conacri” para a diferenciar da nossa Guiné, mas na verdade ela nunca se chamou assim e nem podia nunca assim se chamar. Os próprios naturais dessa terra nunca a chamariam assim, pois seria ridículo, para não dizer outra coisa.

 

O nome de qualquer coisa tem uma importância vital; seja de um ser humano, planta ou até mesmo das estrelas. A sua importância não tem explicação só no domínio da lógica formal ou de um entendimento profano ou místico. Ela tem implicações tão diferentes e vastos que até, arriscaria, de ordem sobrenatural ou esotérica.

O “nome” tem um poder fantástico na agregação seja em seres humanos, animais, empresas ou projectos de qualquer índole. Um recém-nascido a quem, por exemplo, tenham dado um nome “errado” por incúria ou maldade, pode ter todo o seu percurso de vida destruído por esse mesmo nome. E isso é igual para qualquer outra coisa ou ideia.

Com o tempo, a coisa e o seu nome acabam moldando um ao outro numa dialéctica de conteúdo e forma permanente. E com o tempo o nome transforma-se na coisa e a coisa no seu nome, até que a coisa e o nome não mais se diferenciam. E passem a ser uma e mesma coisa. E com um País é exactamente a mesma coisa. Um País cujo até o próprio nome não tem significado ou tem um significado duvidoso, já apriori esta em desvantagem em relação a todos os outros que têm uma denominação mais consensual com o seu carácter nacional, história e cultura.  

 

O nome que quero para o meu País é na verdade, apenas e nada mais, o verdadeiro nome dele. Se quisermos ser recordados pela história e pelas gerações futuras, devemos fazer esta mudança. Pois independentemente de nós ela será feita um dia. Sendo apenas uma questão de tempo. Aqui trata-se apenas de repor a justiça histórica, para por fim a História, esta nossa história feita de tanto heroísmo, nos “absolver” de tanta incúria e incompetência e desleixo para com o nosso povo e Nação.

Esta Nação que para mim nada, absolutamente nada, é mais precioso. E para que se perceba porque é que entendo que a Republica da Guiné-Bissau deve passar a chamar-se República dos Rios da Guiné.   

Alem de ser uma homenagem aos nossos antepassados é apenas algo de elementar justiça histórica. Estes nossos avós, que tombaram, nas margens desses “Rios da Guiné”, foram dos nossos primeiros heróis. Foram os “Pais Fundadores” da Nação. Para mim, são mártires, mártires de um sacrifício que só não será em vão, se tiverem a justa homenagem dando a nação que fundaram o nome mais adequado.

 

Termino a minha tese lembrando aos meus compatriotas que no curto espaço de duas ou três gerações o nome deste território mudou várias vezes. O meu pai, que viu pela primeira vez a luz do Sol na Colónia da Guiné, viveu na Província da Guiné e na República da Guiné-Bissau. Este vosso humilde escriba nasceu na Província da Guiné Portuguesa e viveu na Republica da Guiné-Bissau, gostaria de morrer e ser enterrado na Republica dos Rios da Guiné. Nessa Nova Republica fruto de todo o sangue derramado durante séculos neste nosso amado Chão.

 

E será finalmente a nossa Pátria amada com a qual Amílcar Cabral sonhou a vida inteira, imaginando que ela seria um dia esse local: “… Onde haverá uma vida de felicidade, uma vida onde cada homem respeitará todos os homens, onde a disciplina não será imposta, onde não faltará o trabalho a ninguém, onde os salários serão justos, onde cada um terá o direito a tudo o que o homem construiu, criou, para a felicidade dos homens…”.

 

 

 

 

 

 

 

II

 

UMA NOVA BANDEIRA

 

A Guiné (…) continua a ser infelizmente um país subestimado por aqueles cuja profissão é dar a conhecer a África ao mundo”.

 

          René Pélissier

 

 

 

Na sua “Filosofia de História” Hegel afirma que “tudo é História” no sentido da sua importância extrema para a compreensão dos processos social. Mas mesmo com todos os instrumentos possíveis sinto dificuldades em certas “zonas cinzentas” do nosso “processus” histórico. Sem querer dizer com isto que os instrumentos científicos não se adaptam ao nosso caso, quero sublinhar que a nossa Guiné nunca foi, mesmo naquele longínquo tempo, uma colónia igual a outras. Ela é mais do que os estrangeiros compreendem. Ela é mais do que nós Guineenses imaginamos.

A nossa Guiné é algo que nem os historiadores percebem cabalmente e por isso, um deles, (e dos mais ilustres), diz sobre isso: “A Guiné (…) continua a ser infelizmente um país subestimado por aqueles cuja a profissão é dar a conhecer a África ao mundo”. Por isso quero sublinhar (para que fique bem claro), que para mim, em certas circunstâncias, embora com muita dor, tenho que olhar para a nossa História apenas como um instrumento (que pode ser politico ou social) para atingir outros fins nobres como a construção da Nação. Exemplificando: Se naquele fatídico dia da sua morte o Domingos Ramos não escreveu de facto - com o seu sangue que caia dos ferimentos de bala - aquela carta dirigida a Amílcar Cabral, como nos contaram, eu não quero saber disso para nada; pois a mim o que me interessa é saber que Domingos Ramos caiu pelo nosso povo, morreu por um ideal sagrado; e que devemos ser eternamente gratos e lembrar sempre esse filho do nosso povo e de Nha Isabel Soares.

Falo de tudo isto a propósito da minha posição, quanto a mudança de Hino e Bandeira do País. Facto tão controverso como a mudança de Nome do País. Sei que nunca terei unanimidade sobre assunto tão delicado. Mas também sei que é meu dever lutar pelo que acredito, pois acredito profundamente que é o melhor para o meu povo. Espero que entendam o que me move. Pois ela me move há muito tempo neste particular assunto; posso até dizer que vem da infância.

 

No meu tempo de estudante assisti discussões infindas sobre o abuso dos militares que vieram da Luta; sobre o seu comportamento e civismo, etc. Mas quanto a questão da bandeira e o Hino e a obrigatoriedade de serem respeitados (mais que apenas serem respeitados, mas venerados até) eu estava sempre 100% de acordo com eles. Mesmo que ocorressem abusos esporádicos. Pois eles faziam, talvez sem saberem, apenas o que os Portugueses também fizeram. E faziam o que era “direito” e “correcto”. Não havia outra forma de “meter” o Patriotismo nas cabeças duras de alguns concidadãos nossos. Por isso, neste particular, a minha opinião é clara: Quem não respeita a sua própria Bandeira e Hino, devia ser preso, em vez de só levar um par de bofetadas.

Mas para entenderem, vou abrir um parêntese neste árido texto e vos alegrar com uma pequena estória sobre a Bandeira e o Hino Português na Guine, protagonizada por mim e meus colegas da escola primária:

 

Quando se deu o 25 de Abril eu ainda estava na escola primária. E nessa semana logo a seguir ao Golpe de Estado a situação estava complicada no País. E toda a gente estava em ebulição. Os Portugueses residentes em Bissau, a tropa colonial, etc., ninguém sabia o que iria acontecer (nem os golpistas no Quartel do Carmo em Lisboa sabiam) nessa semana as aulas continuaram na nossa escola, onde as professoras e o Director eram Portugueses. A minha escola na altura, depois de voltar de Farim, era na antiga escola primária Dr. Oliveira Salazar de Bissau (aquela que fica perto da Fortaleza de S. J. de Amura) em Bissau Velho. Estávamos na quarta classe do ensino primário e tínhamos dez, onze anos apenas, mas mesmo assim estávamos a viver esses momentos da Revolução intensamente; pois os nossos pais também em casa falavam de coisas e nós íamos captando.

Um dia depois de falar de Amílcar Cabral (e levar quase às lágrimas os meus colegas de classe), a pedido de um deles (Júlio César Delgado vulgo Kido) desenhei com giz no quadro a cara de Amílcar Cabral (na verdade nunca tinha visto uma foto dele, mas por ouvir dizer, sabia que usava sempre uma “sumbea” e tinha barba. O resto imaginei como pude).

 

Por essa “façanha” recebi uma bofetada da nossa professora Portuguesa - que me surpreendeu ainda com o giz na mão e percebeu que eu estava a tentar desenhar o “terrorista Chefe” -e fui obrigado a ir buscar água e com o pano bem molhado, apagar a face do Imortal. Demorei mais que pude, mas tive que obedecer…

 

No dia seguinte, antes da hora de cantar o Hino Nacional (de Portugal) que era obrigatório antes do inicio das aulas, falei com todos os outros alunos para que recusassem cantar. Havia quatro turmas correspondentes as quatro salas de aulas. Alguns alunos, receosos de represálias, não estavam de acordo, mas com ajuda do Kido e Filinto Augusto Freitas de Barros, consegui a aderência da maioria.

 

Mas quando chegou a hora de cantar (na “formatura” os rapazes tinham que ficar de um lado e meninas de outro. A frente de nós, ficavam as quatro professoras. Elas também cantavam a letra de “Heróis do Mar” connosco), na hora “H” portanto, nenhum menino cantou, mas as meninas fraquejaram. Pois quando as professoras viram que ninguém cantava, foram chamar o Director, que repetiu a ordem de cantar e ameaçou toda a gente. Mesmo assim não cantamos (aqui. devo ser verdadeiro e dizer que olhei para os meus companheiros de forma tão ameaçadora - que independentemente da explicação que tinha dado sobre o nosso orgulho de Guineenses -, eles não tiveram a coragem de cantar), mas as meninas não resistiram a pressão…

 

Ainda me lembro de em silêncio, com raiva e com uma mistura de rancor e resignação, olhar para elas a cantar o Hino de Portugal. Ainda hoje, volvidos quase quarenta anos, consigo visualizar as caritas infantis de Filo de A., da Nilza B., Milu F. Suzete N. e Vera C. a cantarem a plenos pulmões, enquanto a Bandeira de Portugal subia e subia, tremeluzindo ao vento…

 

Como o “cabecilha da resistência infantil” levei um par de bofetadas e um puxão de orelhas tão longo como a distância entre o recreio e a sala do Director. E meu Pai foi chamado a escola no dia seguinte para “ter uma conversa” com o Director. Mas nunca me ralhou e nem perguntou do “porque” do meu acto que achou temerário. Acho que no fundo sabia (não se educa impunemente uma criança na aversão ao opressor e depois admiramos a sua conduta quando ela sucede).

 

Na altura, criança que ainda era, não sabia os significados profundos da Bandeira e o Hino, mas “sabia” que de uma forma ou outra “eram Portugal” ou “significavam” Portugal. E já sentia, mas do que sabia, que nós, embora pretos, mulatos ou brancos, “éramos a Guiné”. E também já intuía que nada magoa mais a um Povo do que não respeitarem a sua Bandeira e Hino. Por isso a minha vingança pelo facto de me obrigarem a apagar a face de Amílcar Cabral do quadro da nossa escola foi essa.

 

Embora não foi planeada -foi espontânea; a ideia surgiu de manhã cedo ao chegar a escola levando pela mão a minha falecida irmãzinha (que estava na primeira classe e tinha sete anos). Pelo caminho tínhamos falado do incidente do dia anterior e eu tentei explicar-lhe o “porquê” do meu acto (desenhar Cabral) e ela como eu não concordava com a bofetada que tinha levado. Por isso resolvi “revoltar-me” - a minha satisfação permanece até hoje incólume, pois de certa forma, embora criança consegui afrontar os “Portugueses”. Por isso as bofetadas não me doeram e nem chorei; e pior, impado de orgulho, nesse dia, durante o intervalo não joguei a bola. Numa atitude fingida de propósito, que descreveria como “grave e pensativa” fiquei junto a entrada, com a minha bata branca atirada (desleixadamente) para trás do ombro; todos os meninos vinham olhar para mim com respeito, pois embora tivesse levado bofetadas, tinha desafiado o poderoso Director do qual todos tínhamos medo. E só isso já era um feito espectacular naquela idade. Granjeei muito respeito nesse dia.

 

Belos tempos da infância. Hoje ainda quando passo nessa escola, não deixo de entrar e ficar uns momentos naquele recreio. Desculpem estas piegas reminiscências da minha infância. Mas que fazer? Eu sou assim; tenho coração mole…

 

Mas continuando o respeito pela minha Bandeira e Hino e o orgulho extremo neles me levaram (embora, pela minha formação, sou contra todo o tipo de abusos e prepotências, vindos de quem vier) a “concordar” com um único “abuso” das “F.A.R.P.” ou dos “Gueres” - como nós, estudantes na altura da independência, os chamávamos. Esse “abuso” com que eu concordava a 100% era o de obrigarem a quem passa-se a cem metros de uma bandeira da Pátria a ser subida ou descida, tinha que se por em sentido obrigatoriamente, mesmo que a base de pancadaria. Muita boa gente levou “justas bofetadas” dos nossos valentes Guerrilheiros, por não entenderem que é no respeito a Bandeira e ao Hino é que começa a cidadania e a própria soberania é (e só pode ser) outorgada através dela.

 

E só quando um homem está, a frente a sua Bandeira - a ser içada ou descida - e sentir o respeito intenso que emana dela, é que ele é verdadeiramente um cidadão. Diria mais, ali que começa o “self-respect” de um indivíduo ante si próprio e a compreensão profunda de que não este sozinho no mundo, mas faz parte de uma comunidade de seres, de um Povo e de uma Nação. É no respeito ao Hino e a Bandeira é que começa a cidadania e se ganha o seu respeito como cidadão ante os seus compatriotas.

 

Portanto, este é um assunto que não quero tratar com pinças por ser delicado e de difícil abordagem.

 

 

Dito isto, quero que me acompanhem numa revisitação dialéctica de certos conceitos simples para a cabal compreensão dos meus enunciados: Usando as categorias filosóficas, uma coisa é a “forma” outra o “conteúdo”, mas um determina o outro. O Conteúdo determina a Forma que por sua vez influencia o Conteúdo. Assim numa simbiose dialéctica permanente.

 

Assim também foi com a nossa Bandeira Nacional. Por isso entendo que o “conteúdo” filosófico da “explicação” formal da nossa Bandeira, que veio a determinar a sua “forma” externa (as três cores, a sua disposição na vertical e na horizontal e a inclusão da estrela negra), baseava-se numa Concepção do Mundo - entretanto já desaparecida ou esquecida. Esta filosofia da História -que nunca conseguiu vingar por várias circunstâncias adversas que os povos africanos sofreram ao longo das suas Histórias – na altura da nossa Luta de Libertação Nacional era dominante no nosso Continente Africano.

 

As efémeras “uniões” entre Países Africanos, nunca deram em nada e contribuíram para a desagregação actual do Continente no seu todo (disso falaremos noutra altura). Esta Weltanschauung que preconizava a “Unidade Africana”, como algo palpável e ao virar da esquina, veio a revelar-se uma miragem. A nomeação de Kwame Nkruma co- Presidente da Republica da Guiné, depois do seu afastamento da Presidência do Gana, foi um típico exemplo disso. Mas a vida veio a repor as coisas nos seus devidos lugares. A morte de Patrice Lumumba e Amílcar Cabral, assassinados pelos “próprios Africanos” seus irmãos, sem falar de Samora Machel, William Tolbert Junior, etc., criaram um profundo pessimismo nos Africanos.

 

Mas foi esta visão, este sonhar que determinou as cores da nossa Bandeira e a maneira como foram dispostas as três faixas: amarela, verde e vermelha. A inclusão da “Estrela Negra de África”, foi o remate identificador com essa “Unidade Africana” que só existiu na cabeça e nos sonhos dos seus mentores. Mas hoje, esta visão do mundo, esta totalmente ultrapassada.

 

Mas nesta base algumas referências históricas, na análise da nossa Bandeira nos levam indubitavelmente a analogia com “as cores” de África ou Pan-Africanas” e como já frisei com o símbolo da África, a “estrela Negra de África”.

 

Também sabe-se que independentemente desta visão macro, a nossa Bandeira foi fortemente influenciado pelas cores da própria Bandeira Nacional de Gana, que no tempo de Kwame NKrumah (que na altura era uma grande referencia da Africanidade, o impulsionador da criação da Organização da Unidade Africana) era um País admirado pela sua política externa e desenvolvimento económico. Era considerado um exemplo a seguir pelo resto da África Negra.

 

As cores da nossa Bandeira e o “significado” delas são as mesmas na bandeira do Gana; e isso não aconteceu por acaso: Amílcar Cabral conhecia kwame Nkruma e o admirava profundamente. O discurso que fez por ocasião da homenagem pela morte deste, considerando-o “um gigante político” e “um dos maiores homens do século” é testemunho dessa admiração. E na feitura da nossa bandeira actual isso foi quase determinante. As cores e o seu significado que Kwame Nkruma outorgou a Bandeira do Gana, vieram a pesar muito em Amílcar Cabral quando idealizou as cores e significado delas na nossa bandeira.

 

Naquela altura, isto deve ser frisado, era bandeira do P.A.I.G.C., por isso, antes de avançar mais, devo ainda relembrar que esta bandeira, antes de ser da Nação, foi do P.A.I.G.C.; Numa certa compreensão da história, era aceitável e tinha alguma razão de ser. Alem de que na altura também “era inteligível” essa idealização quase gémea por ser bandeira de um Movimento de Libertação Africano, com uma certa ideologia própria, mas fortemente influenciados por ventos que sopravam em África. Mas depois da Independência devia ter sido mudada.

 

Em 1973/74, a sua “adaptação” (ou adopção) como bandeira do País, foi simples. Em vez de se criar uma bandeira para o País, a do Partido único ficou para o Pais e doravante, quando era preciso representar o Partido e não a Nação, levava as letras P, A, I, G e C - debaixo da Estrela Negra; e assim, o “estandarte” do P.A.I.G.C. e a bandeira da Nação no fundo eram iguais.

 

 Para o de Cabo Verde foi simplesmente acrescentado uma espiga de milho. Era tudo de uma simplicidade confrangedora. Foram “soluções” engenhosa mas nada brilhantes que já devia ter sido alterado há muito tempo. Cabo Verde veio a cair em si e num momento de lucidez nacional mudaram a seu pavilhão nacional. E isso mais do que muitas Politicas ajudou bastante a afirmação Nacional desse Povo e a sua crença no futuro.

 

 Há quem pense ainda, que em relação a Cabo Verde, nós fomos coerentes - quando da cisão do P.A.I.G.C. em duas alas, por altura do 14 de Novembro -, mantendo a Bandeira e o Hino, mas a coerência neste particular não era o mais importante. Apenas perdemos a oportunidade histórica de realizar profundas reformas na nossa estrutura nacional.

 

Hoje devemos ter uma Nova Bandeira baseada na actual realidade Nacional, Africana e Mundial (se preciso for apresentarei uma proposta com cores e significados).

A minha urgência não se prende mais com o momento político (que se vivia na altura do meu primeiro texto), ligado a uma “certa esperança” trazida pelas últimas eleições presidenciais a que fui assistir especialmente. Do precedentemente dito, só quero, para estes novos leitores, sublinhar que independentemente do momento político que se vive na Nação, este desiderato de uma mudança é um imperativo mais histórico mais do que político. Por isso todos os momentos são bons e propícios para a “realização” desta “necessidade histórica”.

III

 

UM NOVO HINO

 

Temos que construir um Estado Novo na nossa terra, baseado na liberdade do nosso povo, na democracia, no trabalho para o progresso. Temos que construir a Consciência Nacional do nosso povo (…) 

 

Amílcar Cabral

 

E esta é a base da minha crença na justeza da veracidade empírica da História. Pois para mim a história “verdadeira” não é compensatória, ou pior, “não existe”; ou só existe no universo da fundamentação teórica. Existe sim a “interpretação da história” que aceito de antemão, poder ser correcta ou incorrecta. Sem alongar sobre este assunto - que pretendo vir abordar especialmente - quero apenas dizer que a própria “interpretaçãohistórica ou da História em si, por sua vez, pode variar no tempo, no uso dado ou através dos objectivos que persegue. Portanto ela também não é finita.

Por isso, no nosso caso concreto, mesmo sem escolher um caminho ou tomar um campo na grande divisão entre a interpretação materialista e idealista da História (no fundo entre Kant, Hegel e Marx, sem esquecer os seus intérpretes), as vezes, ponho-me a pensar que na verdade a nossa história não é mais do que o “passado” que determina de uma forma ou de outro o nosso “presente”, que por sua vez na verdade não existe em termos de Nação. A nossa Nação, que quero entender como algo centenar e perene, só tem passado e futuro e só pode ser avaliado por essas duas categorias. O presente para mim é apenas o “local” em que espírito da nação repousa antes de continuar o seu caminho rumo ao futuro.

 

Nesta base, quanto ao Hino Nacional a minha questão é outra, baseada no que acabei de escrever. Entendam-me por favor que tudo isto que escrevo pesa-me profundamente. Eu como todos vocês, também cantei centenas de vezes esse hino - enquanto a nossa Bandeira tremeluzia ao vento - ainda criança, adolescente e homem feito. Tenho orgulho neles. Muito orgulho. Mas o meu orgulho neles enquanto Símbolos Nacionais não me impede de querer combater pela sua mudança. Pois entendo que é o melhor para o nosso Povo.

 

 

Na “Crónica de Libertação” o antigo Presidente da Nação conta-nos (e não há nenhuma razão para duvidar dele) a “história” do nosso hino. Ele diz entre outras coisas que na China, cidade de Xangai, depois de assistir a um espectáculo (de que deve ter gostado particularmente) pediu ao compositor Chinês chamado Xiao He para fazer a melodia do nosso futuro Hino. O pedido foi aceite. E é o ex Presidente Luís que continua: “(…) Algum tempo depois do meu regresso (a África), a Embaixada da China em Conakry entregava-me as propostas das partituras para o Hino do Partido (não da Guiné) e para o Hino dos Trabalhadores (UNTG?), acompanhadas de uma fita magnética com o registo das respectivas interpretações. As músicas propostas tiveram a nossa inteira aprovação.”

 

Pudera; como não? Não deviam ter nada melhor. E como não era um concurso público onde se poderia comparar várias alternativas e se calhar foi de graça, tinha que ter “inteira aprovação”

 

 

 

Mas continuando, como já vimos a melodia do nosso Hino foi feito por um Chinês. O que por si só não tem nada mal. Apenas gostaria que fosse feito por alguns de tantos quadros que formamos nessas áreas. Na altura era uma necessidade urgente, pois como diz ainda o ex presidente Luís Cabral: “(…) Todos os quadros ansiavam por termos o nosso hino. (…) “

 

Mas estes quadros ansiavam pelo Hino do Partido e não da Nação. Pois continuando o Luís Cabral diz: “(…) Desde o nosso regresso de Cassacá, vinha insistindo com o Amílcar para escrever as letras do Hino do Partido. Convenceu-me de que o faria logo que tivesse sossego e inspiração para isso. (…) Foi no seu quarto que o Amílcar me mostrou pela primeira vez versos ainda incompletos do hino do nosso Partido. (…)”

 

 Como vemos, na altura que Amílcar Cabral trabalhava na criação do Hino, não estava a pensar no Hino da Nação, mas no Hino do Partido. As letras do Hino glorificam no essencial o Movimento de Cabral (PAIGC), a Luta Armada (feito pelo PAIGC) e a Unidade Guiné e Cabo Verde (preconizada pelo PAIGC). Era (e é, como não podia deixar de ser, na altura que foi feito e pelos objectivos preconizados) o verdadeiro panegírico do Movimento Libertador, a canção da batalha, a canção do combate (que deviam usar nas batalhas eleitorais actuais) o hino definitivo da Luta Heróica.

 

Pois o ex Presidente ainda nos contava mais adiante nas suas recordações de Luta, que o irmão “(…) Amílcar fechou-se no quarto e apareceu algum tempo depois, para me chamar. Pode-se imaginar a minha alegria quando me mostrou o resultado do seu trabalho ainda incompleto: o Hino do Partido.”

 

É este Hino que também veio a ser “adoptado” pelo novo País. Nos como Nação e Povo, usamos indevidamente (ilegalmente?) O Hino e a Bandeira de um Movimento como símbolos máximos do nosso país. Se um dia (agora que já existe a separação formal entre o Estado e Partidos Políticos) o Partido “PAIGC” processar o Estado Guineense por uso indevido dos seus símbolos partidários, criados para um outro determinado fim, estariam de certa maneira cobertos de razão.

 

Se dúvidas houvesse, já estão dissipadas. Não restam portanto duvidas nenhumas, que já é hora do nosso pais ter o seu “próprio” Hino e “própria” Bandeira. E parar, assim, de usar “indevidamente”, com todo respeito que nos merecem Amílcar Cabral e o PAIGC, os símbolos de identificação e de afirmação deste Partido. Ou como dizia o terceiro homem na hierarquia do PAIGC de então: ”(…) “ Os camaradas manifestaram um grande contentamento quando souberam que tínhamos já o hino do nosso Partido, pouco tempo depois cantado em todos os cantos libertados do nosso país.”

 

Com a mudança, o nosso povo terá a mesma alegria que o Luís Cabral assistiu entre os militantes do PAIGC, aquando do aparecimento do “outro hino”. E esta mudança será a prova definitiva da democracia multipartidária, da separação de poderes e da independência do Estado, Governo em suma, em relação aos Partidos, sejam eles históricos ou não. E estes gestos que nos parecem pouco importantes dão confiança ao cidadão e permitem de maneira firme mudar as mentalidades. E são provas do nosso caminhar (trôpego que seja) em direcção de um futuro que todos somos chamados a criar neste presente. 

 

Não sei ainda se para nós Guineenses a questão do Hino e da Bandeira é mais pacifica do que a do Nome do País, mas temos que enfrentar de frente e firmemente este assunto, pois é uma questão de demonstrar que já não somos uma ditadura e não obrigaremos todo um povo usar uma bandeira que com a qual pode não se identificar actualmente, por militar noutro partido ou por achar simplesmente que os tempos são outros e chegou a hora de mudar.

 

 Por isso exorto o Poder Politico e o Povo a começarmos com uma Nova Bandeira Nacional (não a bandeira de um partido). Um novo Hino Nacional (um hino de glorificação deste povo no seu todo, a sua heroicidade, a sua abnegação e seu amor pátrio, desde há 400 anos atrás). E por fim um Novo Nome para o país e não esse nome sem sentido de “Guiné-Bissau

 

Estes três itens são simbólicos mas como não só do pão vive o homem, eles terão uma importância vital para o futuro do país. Mais do que muitos “projectos de desenvolvimento” ou “acordos de cooperação” com outros países.

 

Mas não é só isso, é muito mais profundo e complexo. Essa mudança que preconizo será um Novo Recomeço, baseado num Novo Pensamento da parte do cidadão Guineense consubstanciado numa Nova Atitude em relação a sua Pátria. Em suma temos que se pegar a Nação como se pega um trem descarrilado e repô-lo nos caris e faze-lo deslizar suavemente pelos caminhos do mundo, do homem e do futuro. Isso só é possível quando os cidadãos têm um ideal e um objectivo comum, em suma algo palpável para seguir. O Guineense tem que sentir que há uma mudança real de cima para baixo consubstanciado na responsabilidade de quem esta a governar e na lealdade dos governados.

 

 

Atenciosamente

 

Arq. FERNANDO J. P. TEIXEIRA

 

 * Licenciado em Arquitectura (Rússia 1991). Pós graduado em Urbanismo (ISCTE)

 


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