O RISCO DE PERTENCER À ELITE INTELETUAL EM TERRA DE CEGO: o caso da Guiné-Bissau

 

Por: Ricardino J. D. Teixeira[1]

Ricardino Dumas Teixeira

ricardino_teixeira@hotmail.com 

21.08.2008

Ser intelectual em terra de governantes cegos, no seu sentido amplo de termo, não é nada fácil, especialmente nos países africanos com fortes legados autoritários herdados, em parte, do Estado colonial e ampliados em outras formas pelas ditaduras personalistas. Em África de modo geral, e na Guiné-Bissau particularmente, a elite intelectual que conseguiu, cada um à sua maneira, o acesso à formação universitária no exterior ou no país de origem, freqüentemente corre o risco de ser mal vista pelo regime instalado, ameaçada ou acusada de incentivar a desarmonia social.

Que elite estamos falando? Como os “donos” de poder os vêem?

Usar a noção de elite exige cuidado. Ela pode ser concebida de várias maneiras. É comum concebê-la como se estivéssemos nos retratando de algo de difícil conceituação. Às vezes, ou quase sempre, utilizamos o seu conceito em diversas ocasiões e circunstancias sem se quer o definir direito. O conceito “elite” significa “o(s) melhor(es)”, o que não significa, necessariamente, a detenção de posse material e financeira ou fruição de um direito, riqueza, meios, exuberância, vida de luxo, categorias muitas das vezes atribuídas às pessoas ricas ou corruptas.

Em África (isso também se aplica a outros continentes) existem pessoas incompetentes à frente das instituições da República e dirigindo o futuro do Estado, da sociedade e o rumo da Nação. A Guiné-Bissau é um caso paradigmático. Essa prática me preocupa por várias razões, sendo que as principais são:

1. Pessoas com mérito, experiência e capacidade reconhecida a nível nacional e internacional, dificilmente são promovidas nas instituições do país;

2. As pessoas promovidas são os bajuladores, prestadores de serviços pessoais dentro do aparelho de Estado. Aqui, os exemplos são significativos. Basta ver os sucessivos ministros que assumiram diversas vezes o mesmo ministério, não pelo critério de ser “o melhor” ou eficiência no exercício do cargo público, mas pelo fato de ser o melhor na prestação de serviço pessoal ao Chefe – isto é – pessoas de confiança;

3. Quando aparece alguém com dois olhos, com uma idéia brilhante no aparelho de Estado ou nas instituições Não-Governamentais, o Chefe trata de afastá-lo, quanto antes melhor para a sua manutenção no poder ou no cargo;

4. Aqueles que mostraram ou tentaram mostrar que possuíam dois olhos sofreram conseqüências, pois muitos foram obrigados a deixar o país, o que amplia ainda mais o poço da miséria, da pobreza intelectual e material da sociedade. Muitos, como eu, ainda almejam retornar um dia ao país e ajudar no processo da consolidação da democracia.

Nenhum ditado (dito) popular guineense explica tão bem a realidade da sociedade política como a frase “bissau sibu sibi intindil bucata tene purbulema cu ninguin”, ou seja, não tropeça seu Chefe e tenta fazer tudo que estiver ao seu alcance para agradá-lo o máximo possível. Esse dito mostra o grau da corrupção. Mostra também porque é tão difícil ser promovido por mérito próprio.

A maioria dos que têm dois-olhos de que a Guiné-Bissau já ouviu falar como Amílcar Cabral, entre outros, já não se encontram entre nós. Essa é uma das razões que explica o insucesso do país. O nosso erro como República foi justamente não incentivar aqueles que possuem dois-olhos, para poder segui-los ou pelo menos tentar segui-los. Coisas boas e pessoas de sangue-bom, como dizem os brasileiros, merecem ser imitadas. Quem não imitaria Amílcar Cabral? Os que têm um olho só!

Sou jovem, 30 anos de idade, órfão, pai de um garoto de um ano e sete meses, com um longo caminho a percorrer, mas continuo firme nas minhas idéias, nos meus propósitos e buscas, mesmo com ameaças que não levam a lugar nenhum. Com essa determinação dei o rosto no debate sobre as sucessivas crises que país vem enfrentando no decorrer da sua história política.

Foi-se o tempo da intimidação, da perseguição, da apreensão e das matanças arbitrárias. O povo guineense está observando pessoas de um olho só, suas táticas e suas estratégias na tentativa de confundir a sociedade e a opinião pública. Foi-se o tempo também que o povo foi sendo enganado, perseguido e desprovido dos seus direitos à vida, à liberdade, o acesso à justiça etc.

Hoje, apesar da estrutura autoritária e da miséria instituída na Guiné-Bissau, as pessoas têm mais acesso à Internet e à informação, o que faz com que a cultura do debate político esteja-se materializando, aos poucos, em cada um de nós. Razões pelas quais acredito que não devemos perder a esperança em nós mesmos, em nosso país ou ter medo de enfrentar os desafios do desenvolvimento e da democracia, mesmo que para isso seja necessário correr os riscos a que os intelectuais freqüentemente são sujeitos.

Já cansamos de ver o nosso país no atraso de intimidação daqueles que fazem da legitimidade e da legalidade das instituições da República instrumento político-militar para inibir o diálogo democrático. Muitos utilizam a palavra democracia apenas como recurso para intimidar vozes divergentes - mas o pluralismo democrático quando combinado com a participação da sociedade civil e o fortalecimento das instituições - é um sistema de governo e do exercício de poder que tem mais condições de garantir a liberdade dos indivíduos e melhorar as condições de vida das pessoas, portanto, ela é desejável em toda circunstância.

 

Saudações Democráticas,

 

[1] Mestre em Sociologia Política pela Universidade Federal de Pernambuco. Professor de sociologia na Faculdade de Ipojuca - Brasil

 


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