O que nos espera neste novo ano: incertezas ou esperanças?

(Ponto de Vista)

 

“(...) a questão não é a de saber se um dado país está preparado para a democracia, mas antes, de partir da idéia de que qualquer país se prepara através da democracia”.

Amartya Sen

 

Por: Rui Jorge  da Conceição Gomes Semedo *

rjogos18@yahoo.com.br

São Carlos, 04 de Janeiro de 2008

Rui Jorge SemedoA passagem de um ano para outro significa para os países do mundo ocidental não só uma mudança simbólica no calendário, como também é considerada como o momento para refletir sobre o ano que se encerra e elaborar planos para o novo. E como este é o ano eleitoral no nosso martirizado país gostaria de convidar todos os segmentos da sociedade, entre eles, político, econômico, religioso, intelectual, militar, social e sindical a pensar sobre o que foi o ano de 2007 e o que precisamos fazer em 2008 para que possamos definir correctamente os propósitos para os próximos anos.

Independentemente da posição político-partidária de quem quer que seja, sabemos que existe um consenso absoluto sobre a profunda crise política, social e econômica que emerge em nosso país.  E isso já foi por diversas ocasiões reconhecido nos discursos e declarações de figuras políticas, militares e representantes de sociedade civil. Apesar de não ter havido interrupções político-militares violentas como aconteceram nos anos que antecederam o ano findo e que motivaram a queda de vários governos, o contexto político social de 2007 em minha opinião também foi determinado pela dinâmica pretensiosa das chefias militares que deixaram visíveis seus objectivos de continuarem a controlar o poder político.

O meu propósito nesta reflexão é abordar dois comportamentos que marcaram criminosa e inescrupulosamente o ano: o primeiro é o tráfico de drogas que supostamente envolveu personalidades civis e militares, e o segundo é a aprovação de amnistia aos criminosos que atentaram contra a pátria.

No primeiro caso, muito embora o assassinato do Comodoro Mohamed Lamine Sanhá tenha sido o facto pioneiro das atrocidades do ano que terminou, o que mais chamou a atenção da sociedade nacional e internacional é um possível envolvimento de altas figuras militares e civis com o tráfico de drogas. Situação que não só refletiu negativamente na imagem do país, como também deixou mais visível o alto nível de corrupção, além de confirmar a vulnerabilidade de nossas fronteiras, principalmente, na região sul e parte das ilhas dos Bijagós. Localidades que serviram e servem de bases dos narcotraficantes colombianos e sul-americanos para canalizar substâncias entorpecentes no mercado europeu. Com efeito, se constatam dois problemas advindos dessa prática criminosa; por um lado, imprimiu um ritmo acelerado à delinqüência na estrutura social, com um número significativo de jovens adotados pelos efeitos maléficos das drogas, e por outro, está a impossibilidade de atrair potenciais investidores para o nosso mercado. Por tudo isso, está o retrocesso do país a um custo incalculável que todos temos que arcar se pretendermos edificar uma Guiné decente. Vale dizer que, para quem hoje está a beneficiar ou a ser favorecido por este sistema criminoso e corrupto, precisa saber que o referido sistema não garante a prosperidade duradoura, dado o seu alto grau de risco e insegurança que o seu funcionamento reproduz. Como todos nós sabemos, basta uma revolta dos que se acham injustiçados para mudar todo o cenário. Claro que jamais desejarei isso novamente. Mas, foi isso o que aconteceu no desfecho de rebelião de Junho de 1998, depois seguiu o caso do assassinato de Ansumane Mané em Novembro de 2000 e, posteriormente, o de Veríssimo Seabra em Outubro de 2004.       

O que estou a dizer sobre a insegurança pode ser visto na escolta presidencial de Nino Vieira ou nas constantes intervenções do Chefe de Estado Maior, Tagme Na Waie, na estrutura do poder político (como o que aconteceu no caso de não nomeação de Baciro Dabó ao cargo de conselheiro de segurança da presidência, como era a intenção do presidente da República). O primeiro parece não confiar nos homens das forças do país e preferiu contratar estrangeiros para garantir a sua segurança, enquanto que o segundo usa a força das armas para intimidar e dar ordens até onde não pode e não deve.  Mais do que recorrer a estrangeiros para garantir segurança e manter no poder ou pensar que a força das armas pode sobrepor a das leis, talvez o melhor e o mais fácil seja respeitar os preceitos constitucionais. É bom que fique claro que apenas isso pode garantir a segurança de todos, a estabilidade e a consolidação das instituições.

No caso da amnistia que foi recentemente dada pelos parlamentares aos criminosos do país é certo que os deputados, na qualidade de representantes do povo, têm prerrogativas constitucionais que lhes permitem opinar e decidir em nome dos representados. Todavia, em situações delicadas que envolvam interesses da sociedade, o debate precisa ser ampliado por meio do referendo para que o povo, na qualidade de soberano, decida o que achar melhor. Após essa tomada arbitrária de decisão, nos resta perguntar o seguinte; quem garante que o povo concorda com a decisão de perdoar sem julgar seus criminosos? Será que esta amnistia irracional não é um acto para incentivar a permanência de atitudes violentas e criminosas? Qual é a responsabilidade do estado perante as famílias das vítimas? São várias as perguntas que podemos levantar aqui, cujas respostas nenhum dos deputados que participaram da aprovação desta lei é capaz de dar. A única coisa que posso adiantar é que é muito difícil com este tipo de comportamento irresponsável pensar em mudar positivamente a prática política e consolidar as instituições democráticas. E uma verdadeira reconciliação se faz com justiça onde cada um vai assumir seus erros.

Na realidade, a minha intenção e a de maioria de guineenses que usam a imprensa escrita e/ou falada para expor seus pensamentos não é apenas para nos opor às pessoas que estão no poder, até porque não fazemos política-partidária e muito menos estamos interessados em fazer o papel de oposição-partidária ao poder. Apenas somos cidadãos preocupados com o atual estado do país. O prazeroso para mim, e creio que para todos os que desempenham esse nobre papel, é um dia poder pegar na caneta e no papel e escrever coisas boas da nossa terra. Por exemplo, escrever sobre: os avanços na educação, o acesso à saúde de qualidade a toda população, o bom funcionamento dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), a melhoria alimentar, a melhoria habitacional, a estabilidade no fornecimento de energia eléctrica, o aumento de investimento público e privado e consequentemente de postos de emprego, a eficácia de planos político e econômico que projectam o desenvolvimento do país, o comportamento exemplar de militares e a contribuição de mulheres e homens que quotidianamente ajudarão a construir a história do nosso país. Isto é o que desejamos escrever neste ano e nos próximos que virão e espero que isso comece a ser realidade. Apesar das incertezas, ainda continuo a acreditar numa Guiné-Bissau de paz, de esperanças e de muita prosperidade; apenas precisamos confiar para que juntos possamos realizar e transformar sonhos em realidade; esses são os meus principais votos a todos os guineenses neste 2008.

 

*Mestrando em Ciência Política na Universidade Federal de São Carlos, SP, Brasil

 

PROJECTO GUINÉ-BISSAU: CONTRIBUTO - LOGOTIPO

VAMOS CONTINUAR A TRABALHAR!

Projecto Guiné-Bissau: CONTRIBUTO

www.didinho.org