OPOSIÇÃO POR OPOSIÇÃO OU A AUTORIDADE DO ESTADO

 

REFLEXÕES DE UM NACIONALISTA

VII

 

 

Fernando Jorge Pereira Teixeira *

teixeira_ferjor@hotmail.com

Amadora 5 de Março de 2010

 

 

Caros compatriotas

 

É a primeira vez que publico um artigo de cariz político neste Website (há três dias publiquei um de carácter cultural e histórico) que na verdade até há bem pouco tempo me interessou pouco. Pois de um modo geral a própria “política”, como actividade profissional, nunca me interessou. Sempre me pareceu que a nossa sociedade, fruto de um processo revolucionário “sui generis”, não estava suficientemente amadurecida para se poder desenvolver uma actividade política sã, séria e profissional. Mas como nacionalista, estive e estou sempre, “atento” às “movimentações”, os “ajustes de conta”, as “promoções” das nossas diversas “classes dirigentes”. Alem de seguir atentamente o percurso de certos “players” do nosso “sistema político”. Mas isso apenas no que concerne aos males e que podem infligir o nosso país, ao seu tecido económico e social.

 

Mas como dizia, recebia de vez em quando, através de amigos e conhecidos, e-mails com artigos publicados no site “Contributo”; Com alguns concordava e com outros não (alguns até me revoltavam), como é óbvio. Mas no cômputo geral, achava que só o facto de este site existir e a nata da inteligentsia Guineense lá publicar, já era um enorme progresso, tanto “científico”, como cultural ou social. Pois a inteligentsia guineense teve sempre um papel passivo ou de crítica estéril e inconsequente no processo histórico deste País. E sabemos que existe um desencanto do homem simples da nossa terra em relação ao intelectual. E ele entende, como Jean-Jacques Rousseau, que a instrução não torna o homem bom, apenas mais hábil e quase sempre para o mal. E a nossa inteligentsia nessa base tem uma dívida moral tremenda para com o nosso povo. E chegou a hora de pagar a divida com acções, com a prática e não com mais teorias. Todos os processos revolucionários no mundo (que valeram algo para o bem ou para o mal) tiveram na primeira linha intelectuais que despiram essas vestes, para serem parte do povo. E o nosso “processus” precisa mais de prática do que teorizações.

 

E só por isto e aquilo que antes disse, a existência deste site era positivo e o País no seu todo ganhava com isso. E se quisermos e for possível, quem sabe este não será, um dia, um importante acervo político, histórico, cultural e sociológico do País? E o facto de se encontrar permanentemente (24 horas por dia, todos os dias) ao dispor de quem quer que seja, permite-lhe ser um instrumento de estudo e trabalho para todos os actores da nossa vida colectiva, seja no Governo, nas Universidades, liceus, escolas etc. Sem esquecer obviamente que estrangeiros procuram informações sobre nós como País, também neste site, que já tem uma certa notoriedade a nível nacional e internacional.

 

Digo isto também, porque de todos os crimes que foram cometidos no meu país pela tropa estrangeira do Senegal, o maior de todos foi a destruição do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas. A única instituição cientifica do país que primava pela excelência. Como disse alguém, nem Angola, nem Cabo Verde ou Moçambique tinham um igual ou algo que aproxima-se dela em termos de investigação científica, acumulação de saber e sistematização invulgar. Uma autêntica mina de ouro para qualquer investigador empenhado.

Depois dessa guerra absurda, do I.N.E.P. um antigo investigador desse Instituto, hoje respeitado funcionário internacional, disse o seguinte: "O centro do saber e memória colectiva da Guiné-Bissau foi transformado em caserna provisória de militares estrangeiros".

 E outro investigador, estrangeiro, escreveu o seguinte: “O Arquivo Nacional foi completamente dilapidado. As caixas que guardavam os documentos e contavam a história do país foram para o lixo, levando para o mesmo destino os anos de trabalho dedicado dos arquivistas do Instituto.

A biblioteca do INEP, embrião da Biblioteca Nacional, a maior do país e a melhor para o estudo da costa ocidental africana, foi destruída por uma única bomba, que a destelhou completamente. As chuvas torrenciais de Julho e Agosto completaram o serviço. Uma boa parte do acervo de 70.000 livros e periódicos (cerca de 10.000 de Ciências Sociais) estava a boiar, irremediavelmente perdida no lago de lama em que a biblioteca se transformara.

 

O pouco que sobrou intacto foi consumido gradativamente pelas fogueiras que coziam o alimento da tropa. Repetindo tragicamente o enredo narrado pelos rumores que analisei em outra ocasião (Trajano Filho 1992), a ação dos militares estrangeiros mais uma vez actuou para apagar e fragmentar a memória colectiva e separá-la do corpo social, para assim melhor dominar”.

 

Preferiria que nos tivessem roubado milhões de euros do Tesouro do que destruírem tão importante património. Essa gente, essa soldadesca ignorante, devia pagar com vida o que fizeram. Deviam ser fuzilados um por um. Muita pena; já não vamos a tempo. Mas nós próprios, guineenses temos estado há anos a destruir sistemática e criminosamente os arquivos da rádio nacional, da televisão, das bibliotecas e museus nossos. Arquivos do tempo da Luta, dos primórdios da Independência, canções, folclore etc., têm desaparecido paulatinamente. Muitas vezes pela incúria, desleixo, deixa andar ou pura e simplesmente roubados. E com essa gente ainda vamos a tempo (É urgente salvar o que resta e recuperar o que anda espalhado por ai)

 

Se o acervo do I.N.E.P. tivesse sido digitalizado e estivesse online (mesmo somente 25%) o maior crime, a maior bestialidade, que foi cometido na Guerra de 7 de Junho podia ter sido evitado em parte. E nessa base é sempre útil para o país ter centros de saber espalhados pela internet para que não se perca a nossa memória colectiva em nenhumas circunstâncias.

 

E se este site “CONTRIBUTO”, mesmo que não tivesse nenhuma outra utilidade, só esta de congregar trabalhos científicos, históricos, sociais e permitir troca de ideias entre técnicos Guineenses já seria extremamente útil.

 

A ideia que eu tinha na altura (e que muitas pessoas têm ainda) que este site (CONTRIBUTO) é um site de “oposição” era errónea. Mas mesmo que aceitemos que seja um site de “oposição”, não teria nada de mal, por isso. Repito: não seria errado de nenhuma maneira haver um site opositor a “qualquer” Governo, em “qualquer” momento numa democracia. Porque gostaria que ficasse bem claro, que acho que como há Partidos de Oposição, pode também haver, nesta época de globalização e informática, sites, jornais, revistas ou até grupos organizados da sociedade civil, legalmente constituídos, em oposição ao “Governo em funções” em determinada altura. E isso às vezes, parecendo que não, trabalha em “direcção” ao Governo; Fortalecendo-o e legitimando-o. Mas há coisas que para entender é preciso alguma cabeça e uma abertura de espírito que muitos intelectuais e cidadãos ainda não têm.

 

II

 

Às vezes nós estamos nesta luta e pensamos que é só matar os tugas, lutar e tomar a terra. Os problemas grandes estão para frente, camaradas. 

 

Amílcar Cabral

 

 

Mas o meu ponto é que eu não entendo nem concebo “oposição por oposição”. Ou por outro “oposição gratuita”. A oposição tem que ser construtiva (não no sentido em que este termo era empregado depois da Independência), apontar caminhos, propor soluções, criar iniciativas, elogiar quando é necessário. E nessa base pergunto: É possível uma oposição leal? Oposição ao Governo, mas leal à Nação? Oposicionista ao Governo mas com “sentido de estado” para ter o discernimento de separar os interesses da Nação com os interesses de cada um individualmente ou partidários? Claro que é possível e desejável. E sem esse posicionamento, ela não é na verdade oposição, é apenas mais um problema para o país.

 

Explico: A “oposição por oposição” ou “gratuita” pode ser exercida por Partidos Políticos, Sociedade Civil, ONGs, Deputados, forças militares ou paramilitares etc. Por todos que entenderem pôr em xeque, ou contestar um Governo em funções. Mas ela nunca é salutar para o país no seu todo e nem para o Povo (o único e último beneficiário de qualquer política ou político sério). Portanto ela não é benéfica ou por outro, ela até, a longo prazo, pode ser maléfica. A curto prazo pode dar algum resultado, alguma satisfação; mas depois, com o tempo, esses “resultados” geralmente são insignificantes e são “comidos” pela “vida real”. Por exemplo:

 

Uma vez antes da Guerra de 98, alguma Sociedade Civil e alguns Partidos da Oposição realizaram uma “marcha contra a fome”. Na altura fui abordado e falei com o Presidente da LIPE, o saudoso intelectual, homem probo e de fibra Alhaje Bubacar Djalo (a quem presto aqui a minha homenagem de compatriota: que a terra lhe seja leve) e disse-lhe, entre outras coisas, que achava que era um erro, porque na verdade não havia tanta fome assim no país. Havia uma desorganização total dos meios de produção e distribuição mas o fenómeno fome não era ainda o mais grave. Alem de que entendia que o momento político não era adequado. No dia da marcha, eu estava em frente à Embaixada do Brasil, ele passou por mim numa viatura de caixa aberta. Ainda me lembro (estava vestido de branco com vestes muçulmanas) que ao ver-me, chamou-me (com um gesto de mão), fazendo sinal para lhes acompanhar e eu disse-lhe (com um gesto negativo feito com a cabeça) que não. Ele sorriu desalentado. Mas acho que no fundo me entendeu.

 

Isto para dizer que esse acto teve o seu efeito mediático a curto prazo e não mais. Não fez mossa ao Governo de então, mas passou uma imagem errada para o exterior de que na Guiné grassava a fome. E como Guineense e nacionalista tal não me agradou. Devemos sempre medir bem as nossas acções seja estejamos na oposição ou na situação, pois elas muitas vezes têm consequências para além do objectivo inicialmente proposto. E quando estamos no leme da Nação as nossas acções devem ter uma ponderação para além do imediato, prático ou justo. O que é justo hoje amanhã já o não será.

 

Mas tenho que dizer que até hoje não posso dizer com toda a certeza se fiz bem ou mal em não participar dessa marcha. Pode ser que se participasse dela eu me envolveria em outras iniciativas de carácter político partidário que poderiam vir a ser úteis para o meu país. Mas como qualquer Guineense da minha geração, sou um ser humano complexo e dividido; com a alma dilacerada por amores e ódios profundos; diariamente lutando com contradições e incertezas, nunca sabendo qual será o meu futuro. Sendo produtos de uma Nação sempre em ebulição, qual um vulcão, sempre prestes a explodir não podíamos ser diferentes, mas podíamos ser melhores. Ou por outro podíamos ter feito melhor. Podíamos não ter aceitado passivamente tudo o que aconteceu de mal ao nosso País.

 

Somos a dualidade entre o querer e poder. Quando conseguimos o que almejamos nunca sabemos se foi a melhor coisa que nos aconteceu. Mesmo quando chegamos ao posto de primeiro magistrado da Nação, não sabemos nunca se fizemos a coisa certa, pois não sabemos se vamos morrer nesse posto ou se escaparemos com vida dele. E se Deus nos ajudar e sobrevivermos, também não saberemos se tal não será a nossa ruína como seres humanos. Pois depois de sermos Presidentes, Primeiros-ministros, ministros etc., por mais que pautemos a nossa conduta pela justiça, honestidade e o bem-fazer, sempre acabamos gerando ódios profundos contra nos como seres humanos.

 

Sendo Presidentes ou Primeiros-ministros nunca sabemos, quantos temos que mandar prender ou matar durante o nosso consulado. Não apenas para podermos manter o nosso lugar, mas para resolver problemas da Nação que são imensos.

 

Somos tudo menos um povo “normal”, pois parece que a nossa vida como indivíduos e como comunidade carece de um propósito. Digo, parece, pois para mim existe um propósito, só que individualmente ainda não o sentimos cada um de nós, dentro de nós: O propósito é a Nação e o nosso Povo. E esse propósito, quando é real e possível de executar, torna a nossa vida mais fácil e gratificante.

 

Portanto não apoio “criticar por criticar” nem “oposição por oposição”. Falei antes da tal “critica construtiva” que havia logo depois da Independência. Sobre isso queria dizer que houve uma altura, durante a vigência de Partido, único que havia duas espécies de crítica: A “critica construtiva” e “critica…?” Mas qualquer critica que fosse feita, só podia ser sancionada pelo “responsável” lá do sítio em questão. Ele é que decidia se a nossa critica fora “construtiva” ou “destrutiva (?)” (Na verdade vivemos no mundo da lua durante muito tempo e hoje queixamo-nos). Mas quando analisamos a nossa sociedade no seu todo, os partidos, o País em suma, chegamos à conclusão de que ser de “oposição” na Guiné é um eufemismo.

 

III

 

Indira Gandhi disse uma vez que na Índia, no tempo dos Britânicos, ela foi presa várias vezes pelas autoridades. E tinha orgulho de ter sido presa. Pois nesse tempo, na Índia, “não ser preso” era uma vergonha, pois só não eram presos os cobardes, os que não tinham dignidade ou não amavam o seu povo.

 

Bom, no nosso caso? No tempo colonial os da “oposição” eram todos os patriotas amantes da liberdade (e “não ser preso” era uma vergonha?). Todos os militantes do PAIGC eram da “oposição” e por isso eram considerados bandidos ou terroristas.

Durante o consulado de Luís Cabral (como o Partido “era o Povo e este era o Partido”) a “oposição” também era proibida. E quem era da “oposição”? Outra vez “todos os patriotas amantes da liberdade” (e “não ser preso” era uma vergonha também?). Acredito que nessa altura estavam na “oposição” “todos os que fizeram o 14 de Novembro” e “todos” os que depois “apoiaram esse golpe de estado” e concordaram com ele.

 

E depois do 14 de Novembro? Quem era da “oposição”? Durante o “reinado” de Nino Vieira, quem era da “oposição”? Outra vez “todos os patriotas amantes da liberdade”? (e “não ser preso” era uma vergonha também?). Nesse tempo, então, quem era da “oposição” repito? Acredito que quem estava na oposição eram todos os que morreram durante esse regime (membros da alta hierarquia do estado e governo, altos oficiais das forças armadas, membros da própria direcção superior do partido único no poder), alguns partidos ainda na semi-clandestinidade, patriotas solitários etc. Sem esquecer o humilde povo que também foi trucidado pela “máquina de matar” já totalmente descontrolada já antes de 14 de Novembro. (mas disso falarei depois).

 

Como podemos ver, em cada época, os “amantes da liberdade” vão mudando. E geralmente saem da “oposição” para a “situação”. E de “amantes da Liberdade” tornam-se em “opressores do povo”.

Como tal é possível? Como podem ser um dia “amantes da Liberdade” e outro dia…? Bem isto para vos dizer que isto tudo, este movimento perpétuo, no fundo, não significa nada. Nada de nada. É um “nonsense”. Puro disparate. E para a “existência” e preservação do Povo não tem significado nenhum. E como só a “existência” do povo e da Nação é que verdadeiramente importa, é sobre isso que devemos pensar e agir em consonância e ser implacáveis com quaisquer veleidades que ponham em perigo este desiderato.

 

IV

CONTINUANDO: ainda durante a vigência do João Bernardo, o tempo da “oposição” legal chegou, com o multipartidarismo. Essa “oposição legal” eram os tais Partidos Políticos, que hoje, depois de já governarem, isto é serem a “situação”, agora são “oposição” de novo. Quero com isto dizer-vos que na Guiné, qual a Lei da Negação, a “oposição” sempre se transforma na “situação”, que por sua vez (dialecticamente ou “aldrabiçadamente”) transforma-se de novo em “situação”. Dir-me-ão que em outros países isso também sucede; mas eu direi que isso numa democracia parlamentar “normal” é normal (salve o pleonasmo) e saudável que assim seja. Mas nós com todo o nosso trajecto de “sangue, suor e lágrimas”, estamos longe de ser ainda uma democracia normal. E portanto não se respeitam regras básicas de decência no relacionamento entre seres humanos. Já não falo de relacionamento político. Falo da elementar boa educação. Vemos trampolineiros a saltar de partido em partido, conforme a situação e não têm vergonha da andar na rua e falar com as pessoas como se nada fosse. É extraordinário. E eles ainda são nossos representantes… E ainda me perguntam de onde vem a minha revolta? É preciso limpar os “estábulos”… e não podemos esperar 30 anos, como o Rei Aúgias e nem que venha um Hércules em nosso auxilio. Mas em verdade vos digo, serão também precisos desviar dois Rios para que o cheiro desapareça.

 

Se quisermos fazer uma análise séria da história política do nosso país, então a evidência de que é dentro da “situação” que sempre surge a “oposição” é elementar. E pior, usando a outra vez por analogia a “Lei” mais importante de Hegel, “Lei da Unidade e Luta de Contrários”: é dentro da “situação” que germina, amadurece até que se transforma num “problema” interno grave, a tal “oposição” (lembram-se recentemente dos 121 do PAIGC? da dissidência mortal no “Movimento Bafatá”? dos “Jovens Turcos” que tentaram apear Kankoila Mendy” da FLING?). Isto só para falar de alguns e não ser fastidioso.

 

Mas o mais grave, no nosso caso, é que os problemas ou contradições, que podiam ser “resolúveis”, acabam sendo transformados em “contradições antagónicas”; e essas como sabemos pelo estudo da referida Lei da Dialéctica já citada, não têm solução. Ou por outro a “solução” determina um “salto qualitativo” isto é a “mudança total” do “meio” onde se desenrolam as tais contradições, seja o regime político, seja o governo, seja a própria sociedade. Explico de novo para os menos atentos:

 

É que para nós a interpretação de Mao Tse-Tung da “Lei da Unidade e Luta de Contrários” é a única válida. Para o Presidente Mao (“ultrapassando” filosoficamente o próprio Georg W. Hegel e “revolucionariamente” até o Marx), “Só Existem dois tipos básicos de contradição: contradições antagónicas e não-antagónicas. As primeiras são resolvidas pela violência, quando o mais forte derrota o mais fraco”. E o Presidente Mao - não se esquece ainda de nos explicar -, para não deturparmos o sentido das suas palavras, que “As contradições antagónicas só podem ser resolvidas pela violência.”

E para quem não sabe a “violência” para Mao Tse-Tung é fuzilamento, fuzilamento e mais fuzilamento.

 

Seguimos estes ensinamentos do imortal Timoneiro do Povo Chinês tão ao pé da letra, que por nossa vez (mais papistas que o Papa? Ou mais ninistas que o Nino?) “ultrapassamos” o próprio Mao Tse-Tung e dizemos: “As contradições antagónicas só podem ser resolvidas pela violência. Mas essa violência tem que ser gratuita e moralmente indefensável e prejudicial até ao nosso povo e mortal para os nossos opositores” e nesta base actuamos. Actuamos brutal e implacavelmente. Quero acreditar que essa implacabilidade era um instrumento, pois pelo terror também se implanta um regime, às vezes até com mais sucesso do que com boa vontade, compreensão e amor ao próximo. A história nos ensina isso com n exemplos (Lenine sempre entendeu que o “terror” era uma arma que a revolução devia usar. Havia até decretos do governo instituindo e oficializando o ”terror”).

 

Mais do que a “ideologia” foi isso é que determinou o violento ajuste de contas final com os comandos africanos, com os régulos, com todos os opositores reais ou imaginários no começo da nossa vida como Nação independente.

 

Foi isso, mais do que uma “traição autêntica ou falsa” que impôs o bestial ajuste de contas dentro do “Movimento Reajustador de 14 Novembro”. Aqui a violência teve mais gravidade porque saiu dos limites do próprio movimento para criar clivagens sérias na unidade nacional ao ponto de quase lançar estigma sobre uma tribo importante do nosso mosaico étnico.

 

Foi isso mais do que a tal “clivagem entre os Guineenses e cabo-verdianos” ou a “canseira e desânimo numa luta que parecia nunca ter fim” que provocou a bestialidade sem nome, a selvajaria inqualificável - o maior opróbrio das nossas vidas -, que foi o brutal assassínio de Cabral.

 

 Foi isso, mais do que ou o “instinto de preservação” que determinou por sua vez o que aconteceu depois da morte de Cabral, que pelo que ouvi contar saldou-se em dezenas de mortes justas e injustas.

 

Isto é fruto da nossa idiossincrasia como povo? O que nos difere de outros povos? Um amigo Moçambicano (Baptista Melo) disse-me uma vez que a nossa diferença com os outros povos dos PALOPS é que entre nós, quando existe uma contradição não a “resolvemos”, pura e simplesmente “acabamos” com ela; violentamente se possível.

Nós somos como o Estaline que dizia que “se as circunstancias estão contra nós, então tanto pior para as circunstancias”. Não temos meio-termo. Tudo ou nada.

 

 A violência e a brutalidade nortearam sempre a nossa vida colectiva e individual. A maior parte das vezes sem sentido. Sendo quase um “fim em si”, em vez de ser “um meio” para atingir nobres fins como a preservação do nosso povo. Não quero ser mal entendido. Não sou apologista da violência, mas “respeito” o uso selectivo da violência legal. Eu sei que sem derramamento de sangue não pode haver heroísmo. E sem heroísmo somos homens? Mas o sangue derramado deve “servir”. O sangue derramado pela Libertação serviu. O sangue da nossa gente, do nosso povo é precioso demais para ser derramado em vão. Mas por vezes, em momentos cruciais, para preservar uma Nação ou a vida de um Povo, é necessário recorrer à violência e até à brutalidade. Sou contra a violência gratuita. Mas a Nação deve ter a certeza sem nenhumas dúvidas que quem doravante levante a mão contra o Estado, contra as instituições da Nação deve ter como destino a morte. Ninguém, seja ele quem for, pode a seu bel-prazer, tentar uma mudança pela força no poder instituído. E aí, sou a favor que se fuzile o máximo de pessoas que merecem ser fuziladas. Um regime precisa de impor uma autoridade legítima sobre a maioria da sua população, para não dizer toda, manifestamente impossível. Uma autoridade legítima advém não da força ou da opressão, mas da certeza  que o povo tem das boas intenções do Governo.

E em nome de uma pseudo liberdade ou democracia não podemos pactuar com criminosos de qualquer índole. Para mim, se o que se perde de liberdade, em termos individuais poder ser recuperado em termos nacionais, tudo bem. Não precisamos de uma liberdade do tipo ocidental. Vamos precisar dessa liberdade quando tivermos bem-estar igual à deles.

 

Mas voltando um pouco atrás e lembrando Indira Gandhi, pergunto como no nosso caso não ser da “oposição”? Com um país totalmente destruído? Como não ser da oposição com um povo totalmente abandonado e entregue a si próprio? Com uma juventude totalmente alienada que só pensa em abandonar o país e quando por fim consegue só pensa em nunca mais voltar? Como não desejar ser preso para ter a honra de dizer:

Eu denunciei esse regime! Eu combati esse regime!

 

Mas que regime? Qual foi o regime culpado? Quando começou o “Descalabro”? Será que o Governo actual (o anterior e o posterior a este) não é refém de todo um passado e de toda uma dinâmica que ele próprio não consegue controlar? Que ela faz parte de um “processus” que foi despoletado e que ainda não chegou ao seu término? (O meu próximo artigo é sobre este sujeito).

 

Disse que nunca quis ser um político antes, mas se ser político é forma de ajudar o meu povo sê-lo-ei. Devemos neste momento fazer uma pergunta a nós próprios: O que eu fiz pelo meu País? O que devo fazer pelo meu país? Como posso ajudar o meu povo? E a resposta que dermos a nós mesmos é que em última instância define quem somos na verdade como pessoas e como cidadãos. Se acredito que “amar o nosso povo não é uma escolha, mas uma decisão” então tenho que tomar essa decisão. Sabendo como sei que hoje, neste momento, preservar o povo e fazê-lo orgulhar-se da sua identidade e fazer a Juventude amar e querer pertencer a esta Nação é tarefa primordial. Então recomeçar com coisas simples mas concretas que gerarão outras, também elas simples, mas que por sua vez levarão a mais complexas, até que, de novo, estejamos no “patamar mínimo”, sem o qual não podemos “partir”. E deste “patamar mínimo” é que arrancaremos rumo ao futuro. Definir esse patamar é uma prioridade. Partir é inelutável e não pode esperar.

 

Voltando ao início deste artigo: Durante os meses das eleições presidenciais publiquei alguns artigos sob forma de “cartas abertas” onde tentei na medida do possível, atendendo ao escasso tempo que dispunha (pretendia terminá-los antes do final das eleições, para não serem dirigidas a um Presidente “real” de carne e osso.) e a falta de condições mínimas para escrever e consultar fontes, explanar o meu pensamento político. Ideologia e motivação. O que manifestamente não consegui. Por isso continuei a sua publicação em forma de “reflexões”. Estas cartas pelo que me disseram foram publicadas nalguns jornais da Guiné (o que agradeço) e eu próprio os enviei a alguns amigos que os reencaminharam a seus amigos. Recebi e-mails de encorajamento e houve até quem me pedisse para as compilar em forma de livro. Mas sempre procurei uma plataforma onde pudesse ter publicado de forma permanente estas ideias que alguém porventura achará válidas. Pois há quem viva fora do País e outros que no país não as puderam ler. E o que eu pretendo é que seja algo que ajude a “pensar” o meu País. E ao receber o amável convite do Administrador deste site para domiciliar estes artigos, aceitei de bom agrado e agradeço do fundo do coração. E pretendo também aqui publicar de forma permanente os outros artigos que foram publicados em forma de “Cartas” aqui serão publicados com o simples título de “reflexões de um Nacionalista”.

 

Atenciosamente

 

Arq. FERNANDO J. P. TEIXEIRA

 

 * Licenciado em Arquitectura (Rússia 1991). Pós graduado em Urbanismo (ISCTE)

 



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