O PAIGC HÁ MUITO QUE DEIXOU DE SER O PARTIDO DE CABRAL!

 

Por: Fernando Casimiro (Didinho)

didinho@sapo.pt

14.07.2008

 Os líderes partidários guineenses desconhecem a importância da ideologia na sustentação dos seus partidos. Depois de Cabral, nenhuma liderança, de nenhum partido guineense, conseguiu produzir e gravar "palavras de ordem", que tivessem impacto na consciencialização e formação político-social dos guineenses.

Um líder tem o dever e a obrigação de propor as suas ideias e iniciativas, bem como, em última instância, "impor" o seu cunho no sentido de fazer prevalecer a sua capacidade de liderança, sem contudo esquecer-se de que, também deve ouvir, ver, analisar, aceitar ou não, sugestões que lhe são apresentadas!

Nos dias que correm, os partidos políticos guineenses devem ter a humildade e a coragem de assumir que há uma elevada percentagem de iliteracia política nas suas estruturas, constatação essa que seria benéfica se, tida em conta, os mobilizasse para a necessidade de formação e capacitação dos seus militantes, a bem do país!

 Não se nasce político. Um político educa-se, um político forma-se!

Os partidos políticos guineenses devem investir na capacitação dos seus quadros, independentemente destes terem formação superior noutras áreas que não de âmbito político.

Falando de partidos políticos, hoje peço licença aos meus conterrâneos que são militantes ou simpatizantes do PAIGC, mas que, antes de serem militantes ou simpatizantes do PAIGC são guineenses. Quero dar uma opinião, a minha opinião, sobre o recente Congresso do maior partido guineense, o PAIGC, partido libertador, partido de Cabral, tal como é normalmente designado, ainda que, uma designação fora de contexto.

Sem querer fazer deste texto uma retrospectiva ao percurso  do PAIGC enquanto liderado por Amilcar Cabral, (teria muito que escrever), quero, no entanto, dizer que dessa liderança, criaram-se e definiram-se princípios de orientação que marcaram, positivamente, o percurso da luta de libertação nacional rumo às independências da Guiné e de Cabo Verde. O PAIGC de Cabral era um PAIGC à sua imagem!

Cabral tinha princípios, os seus princípios, que resolveu estender ao colectivo que liderava, neste caso, o PAIGC.

Mostrou que era de facto um líder, ao conseguir consciencializar e formar homens e mulheres da Guiné e de Cabo Verde, mobilizando-os para a defesa de uma causa, a sua causa, assente na libertação dos nossos países, na instauração da Justiça para os nossos povos e na melhoria das condições de vida das nossas populações.

Cabral pensava e preparava os seus discursos. Era ele quem escrevia se tivesse que ler algum discurso, apesar do seu brilhantismo lhe proporcionar, quase sempre, discursos de improviso, tal o à vontade com que se sentia, como arquitecto dessa grandiosa estrutura (o PAIGC de então), toda ela, idealizada por ele.

Como líder, Cabral sabia que os bons exemplos teriam que passar por ele, mas também sabia, que os maus, não precisariam de ser anunciados como tal, nem repetidos, para que rapidamente fossem assimilados, ou seja: ele era um espelho para os combatentes; tanto em relação aos bons como aos maus exemplos.

Se depois do seu assassinato muita coisa mudou, não foi certamente por falta de educação e formação dos camaradas, mas sim, pela ausência da sua liderança.

Na verdade, havia uma enorme diferença nas capacidades do génio que foi Cabral, um Homem de pensamento e de acção, comparativamente com os seus mais directos colaboradores.

Aristides Maria Pereira assumiu a liderança de um PAIGC ferido pelo assassinato do seu militante Nº 1, tendo conseguido levar o partido às independências da Guiné e de Cabo Verde, no entanto, estruturalmente, o partido apresentava fissuras, divergências, "fugas para a frente", etc.

Era um partido em estado de agonia, consequente dos desvios das linhas de orientação estabelecidas por Cabral,  até que, a 14 de Novembro de 1980, um golpe de Estado com Nino Vieira à cabeça, desafiando e reprovando todos os ensinamentos de Cabral, "acaba" com o PAIGC na versão estrutural de partido libertador da Guiné e de Cabo Verde.

O PAIGC que deu as independências aos guineenses e cabo-verdianos, "morreu",  nesse golpe de Estado!

O PAIGC que ainda era de Amilcar Cabral, "morreu", nesse golpe de Estado!

Na Guiné-Bissau, o partido passou a ser dirigido por Nino Vieira, continuando com a mesma designação de Partido Africano para a Independência da Guiné e de Cabo Verde (PAIGC), enquanto que, em Cabo Verde, Aristides Maria Pereira optou por dar uma nova definição ao partido, que  passou a ser designado como Partido Africano para a Independência de Cabo Verde (PAICV).

Foi com esse golpe de Estado que a via comum entre a Guiné e Cabo Verde, quer a nível partidário, quer a nível de países foi cortada, esquecendo ambas as partes, a traição consumada em relação à memória dos camaradas heroicamente tombados no campo de batalha, para a libertação da Guiné e de Cabo Verde.

No final do recente Congresso do PAIGC que continua a ser designado de partido de Cabral,  o seu presidente, Carlos Gomes Jr. ex- Primeiro-Ministro saído das legislativas de 2004 e demitido em 2005 por Nino Vieira, surpreendeu, pela negativa, ao anunciar um convite dirigido a Nino Vieira para o cargo de presidente honorário do partido.

É claro que este PAIGC  não pode ser o PAIGC de Cabral!

É claro que o PAIGC de Cabral não será ressuscitado por aqueles que contribuíram para a sua "morte"!

Vejamos as incoerências de uma atitude populista, cheia de oportunismo e própria de insensibilidade política:

Precisa o PAIGC de um presidente honorário?

Não!

Porquê Nino Vieira para presidente honorário do PAIGC?

Esta é a questão básica para me intrometer na vida do PAIGC, não como militante, nunca fui, mas, por um simbolismo que se prende com o reconhecimento de um cidadão a quem o PAIGC de Cabral, deu uma Pátria.

Tenho dito, repetidas vezes, que o meu partido é a Guiné-Bissau!

Hoje, analisando as consequências partidárias que teve o golpe de Estado de 14 de Novembro de 1980, de cujas marcas e reflexos ressalta o assalto ao poder partidário por parte de Nino Vieira, que passa a ser o Presidente do partido e do Conselho de Estado, deve-se questionar, igualmente, a nível partidário, porque razão, o actual PAIGC convida Nino Vieira para seu presidente honorário e não Luís Cabral que, até ao golpe de Estado de 14 de Novembro de 1980 era a 2ª figura do partido?

Esta questão nada tem a ver com saudosismos, porque do PAIGC do pós-independência não tenho saudades. Tem a ver, isso sim,  com o realismo de uma constatação quanto ao oportunismo de uma estratégia de constante traição nos posicionamentos do PAIGC.

Faço a seguinte pergunta: Foram os militantes do PAIGC que decidiram substituir Luís Cabral como Secretário-Geral Adjunto do PAIGC aquando do golpe de Estado de 14 de Novembro de 1980?

Do que se sabe, não foram os militantes que decidiram isso, mas a imposição de Nino Vieira e do Conselho da Revolução, como consequência do golpe de Estado de 14 de Novembro.

O Nino Vieira que traiu por diversas vezes os juramentos de fidelidade ao Partido e à República, é agora, de novo, convidado para ser encoberto pela grandiosidade do nome de partido de Cabral!

O Nino Vieira que ainda em 2005 contribuiu para a divisão e instabilidade  no seio do PAIGC.

O Nino Vieira que ainda em 2005 demitiu o governo legítimo do PAIGC causando não só, problemas estruturais ao partido, como também à República!

Porquê Nino Vieira para presidente honorário do PAIGC?

Numa visão coerente, apenas nesse ponto de vista, que serve de referência exemplificativa da minha análise, como pode Nino Vieira sobrepor-se a Luís Cabral na hierarquia do partido, ainda que, num cargo simbólico?

Ambos responsáveis, Luís Cabral e Nino Vieira, cada um à sua maneira, pela situação do país e do próprio PAIGC, como "aprovar" a iniciativa de Carlos Gomes Jr. de premiar as acções de Nino Vieira no dirigismo partidário, quando em condições normais, o partido deve, há muito,  um pedido de desculpas ao povo guineense, pelas atrocidades  cometidas por Nino Vieira, na qualidade de Presidente do PAIGC e do Conselho de Estado da República da Guiné-Bissau?!  

Os oportunistas e traidores que se têm servido do PAIGC, ainda que muitos deles tenham servido (no passado) o partido de forma positiva e até gloriosa (é um facto inegável), não estão interessados e não têm em mente objectivos de recuperação do PAIGC, pois são indivíduos que perderam toda a legitimidade moral, política e social, ao abrigo das responsabilidades que o próprio partido lhes atribuiu na condução dos destinos do país enquanto força política dirigente da sociedade (no sistema de partido único), ou aquando de governações resultantes de eleições, pós abertura ao multi-partidarismo.

 O convite a Nino Vieira para presidente honorário do PAIGC é um acto de conveniência em defesa de interesses pessoais, decepcionante e humilhante para todos os que se definem como seguidores de Amilcar Cabral, quer sejam militantes e simpatizantes do PAIGC, quer sejam simples cidadãos, defensores de princípios e causas nobres!

O PAIGC , repito, há muito que deixou de ser o partido de Cabral!

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