O OUTRO QUINHÃO DOS NOSSOS PROBLEMAS

 

Flaviano Mindela dos Santos

 

flavianomindela@hotmail.com

 

18.09.2009

 

Vinha num dos comboios da famosa linha de Sintra, enquanto durava o curto trajecto, entre Barcarena, onde fui visitar um amigo da velha infância, e Amadora, a minha eterna cidade portuguesa de adopção;  no mesmo compartimento, duas senhoras guineenses conversavam no nosso crioulo, alto e bom som, sobre os maus comportamentos do filho duma delas. Como é de imaginar, sem se interessar de facto no assunto, fui captando quase todos os lamentáveis desabafos.

 

E para mais uma das sucessivas doses fortes, na minha desconfortável viagem, a determinada mãe confidenciou à instigadora companheira, uma provável sentença radical, como único recurso:

N kontal dja: si pára rostu na bandidasku, n na mandal Guiné; la, i ta ba sibi um bias, ké k tem!*

 

Infelizmente, essa está a ser cada vez mais, a milagrosa e preocupante solução encontrada por nós da diáspora, para resolver o incómodo problema dos nossos filhos mal comportados, quando na verdade, estamos da pior maneira, a aumentar as possibilidades do insucesso desses, e de mais outros jovens residentes no nosso país, sem muitas alternativas, na busca constante, de um futuro próspero.

 

Esses nossos filhos mal comportados nos países de acolhimento, quando os mandamos de volta para casa, normalmente ficam na guarda dos nossos velhos e permissivos pais, ou de qualquer dos nossos limitados e exaustos parentes. De uma maneira relativamente equivocada, e na sequência dos mesmos erros que já tínhamos cometido, enquanto eles cresciam, e construíam uma personalidade desajeitada, limitamo-nos a proporcionar somente a vertente material dos cuidados necessários, enviando dinheiro e outros géneros, entre futilidades, para anestesiar o sofrimento psicológico dos seus dissimulados tutores.

 

Mas o maior inconveniente de tudo isso, é que de repente, esses implacáveis e estranhos rebeldes sentem-se metidos numa nova realidade da qual não tinham uma razoável noção. Portanto, assim, serão mais estranhos e mais rebeldes. E para além de levarem com eles todos os bons e maus vícios adquiridos num mundo desenvolvido, mais pela nossa falta de responsabilidade do que pela nossa escapatória falta de sorte, ainda despertam com isso interesses lunáticos, na pacata vivência dos despretensiosos jovens residentes, induzindo assim, esses também, às inocentes práticas comportamentais, mas também desviantes, que prejudicarão todos os esforços dos seus impotentes familiares, na já de si exigente luta, para fazerem deles, honrados homens do amanhã.

 

Seria dispensável repetir aqui que, a bem sucedida educação dos nossos filhos, cabe em primeiro lugar, ser garantida por nós, como os seus pais. Tudo o resto, no conjunto das circunstâncias, nas longas e espinhosas caminhadas, serão simples complementos que, bem aproveitados ou mal aproveitados, moldarão no sentido positivo ou negativo, os seus percursos, como homens do amanhã.

 

Não será com exemplos como entregar de maneira descarada ao nosso vizinho de cima, a nossa devida vez de administrar o condomínio, fugindo assim ao nosso dever de zelar pela boa manutenção de um bem comum, que faremos dos nossos filhos dignos homens do amanhã!

 

Não será com exemplos como faltar de maneira calculada todas as reuniões de condomínio, onde são decididas e tomadas as principais medidas para o melhor funcionamento do prédio da nossa residência, que faremos dos nossos filhos dignos homens do amanhã!

 

Não será com exemplos como faltar de maneira deliberada a todas as reuniões de pais na escola perto de casa, que faremos dos nossos filhos dignos homens do amanhã!

 

Não será com exemplos como negligenciar todos os sete dias da semana, o supervisionamento obrigatório dos trabalhos escolares para casa, que faremos dos nossos filhos dignos homens do amanhã!

 

Não será com exemplos como prolongar constantemente a cedência de uma pequena parcela do nosso precioso tempo para colaborar nas várias brincadeiras aborrecidas para nós e didácticas para eles, que faremos dos nossos filhos dignos homens do amanhã!

 

Não será com exemplos como fugir a cem pés de um dos mais saudáveis deveres paternais nos grandes aglomerados urbanos, que é o de acompanhamento nas brincadeiras nos parques citadinos de lazer, tendo em conta a elevada pressão que as condições de habitabilidade dos nossos apartamentos exercem, sobre sobretudo nas jornadas dos mais novos, que faremos dos nossos filhos dignos homens do amanhã!

 

E nem tão pouco será com exemplos como o aproveitamento fácil de algumas tralhas (no fundo insignificantes, quando relacionados os seus baixos valores no mercado, com o alto risco de um infalível despedimento humilhante), pertencentes aos nossos ricos empregadores e que em nada beneficiam a prioritária elevação moral essencial aos nossos lares; para mais, pesando bastante no imperioso equilíbrio orçamental dos nossos patrões e em consequência disso, cruciais também para a garantia dos nossos próprios empregos, que faremos dos nossos filhos dignos homens do amanhã!

 

É fundamental conservarmos as nossas práticas costumeiras mestras, mas é também para todos nós, mais que conveniente, sem complexos de significativas relevâncias, assimilarmos todas as melhores práticas, de todas as nossas diversificadas sociedades de acolhimento.

Muitas vezes, chega-me a parecer que, depois de conseguirmos um visto de entrada para qualquer país de acolhimento, logo de seguida, tratamos também de pedir outros vistos, para não deixarmos de levar nas bagagens algumas das nossas péssimas atitudes, enquanto membros de uma comunidade qualquer.

 

Por mais absurdo que tal possa parecer, já assisti uma briga feia entre cidadãos de origem guineense, condimentada com insultos obscenos, por um simples desentendimento sobre um lugar na fila para check in, em pleno Aeroporto Internacional de Lisboa.

 

Por mais absurdo que tal possa parecer, já assisti a uma briga feia entre cidadãos de origem guineense, condimentada com insultos obscenos, em plena casa duma falecida senhora, enquanto esta ainda repousava na morgue de um dos hospitais lisboetas.

 

Por mais absurdo que tal possa parecer, alguém acima de quaisquer suspeitas já me contou alguns pormenores ridicularizantes duma briga feia entre cidadãos de origem guineense, condimentada com insultos obscenos, na entrada principal da Mesquita Central de Lisboa, envolvendo uma filha do próprio defunto, durante os preparativos para o arranque do cortejo fúnebre.

 

Por mais absurdo que tal possa parecer, alguém acima de suspeitas, entretanto confirmado por mais pessoas, já me contou alguns pormenores duma briga feia entre cidadãos de origem guineense, condimentada com insultos obscenos, em pleno copo de água dum casamento, envolvendo a própria noiva, que ficou com o seu precioso vestido sem qualquer utilidade.

 

É tempo de, mais do que tentarmos deixar definitivamente de olhar para as nossas realidades através dos óculos bonitos da moda que compramos nas sofisticadas lojas de conhecidas cadeias internacionais, sem nos importarmos com a pura intenção lucrativa dos seus vendedores, começarmos a contribuir, - mais uma vez, sem complexos de significativas relevâncias – através da capitalização das mais válidas experiências de todos os tipos, e de todos os níveis, adquiridas nas nossas sociedades de acolhimento. E a partir das nossas acções imediatas e consistentes, combatermos sem tréguas todos os nossos maus comportamentos susceptíveis de prejudicar no presente e no futuro, as diversas aspirações progressistas da nossa querida pátria.

 

*Já o disse: se continuar com os maus comportamentos, vai de volta para a Guiné; e uma vez assim, ficará a conhecer as verdadeiras dificuldades.   

 

 

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