Cônsul honorário Luciano Zilocchi rompe o silêncio


"O Governo da Guiné-Bissau deve-me 3 milhões de dólares"

 

 

 

 

 

 


 

Agostinho Pereira Gomes

bonacansa@hotmail.com

12.02.2011

 

Agostinho Pereira GomesO Encarregado de Negócios e cônsul honorário da Guiné-Bissau em Piacenza, Itália, Luciano Zilocchi impedido de exercer as suas funções desde há sete meses, afirmou em entrevista exclusiva concedida ao site www.didinho.org da Associação GBCONTRIBUTO-CIDADANIA,  que o Governo guineense deve-lhe 3 milhões de dólares, montante relativo aos fornecimentos de materiais e equipamentos que fez para todos os Ministérios da Guiné-Bissau.

 

Para este homem de negócios, caso o Governo da Guiné-Bissau não lhe queira, podem chegar a um acordo (para o reembolso do montante em dívida) sem problemas. "Temos de fazer as contas, porque quando um funcionário é despedido tem de se verificar se ficou credor ou devedor em relação ao seu patrão".

 

O agora ex-cônsul lembrou ainda que no segundo ano do seu mandato como cônsul honorário da Guiné-Bissau, conseguiu um donativo de 11 milhões e 400 mil dólares, através da Cooperação Italiana, montante que "nenhum outro país ou organização naquela altura ofereceu à Guiné-Bissau".

Nega ter defendido algum negócio do Presidente morto General João Bernardo Vieira, e adverte: "não se deve humilhar uma pessoa que trabalhou honestamente pelo interesse da Guiné-Bissau". 

 

 

Cônsul Zilocchi, passaram-se sete meses desde a data em que a DIGOS ordenou a suspensão dos Serviços Consulares guineenses e as autoridades de Bissau ainda não se pronunciaram.

Que leitura faz dessa postura das autoridades com as quais trabalhou durante 25 anos?

 

Luciano Zilocchi (LZ) - Portanto, fiquei admirado, evidentemente. Porque não é só um problema do Luciano Zilocchi, é um problema de toda a comunidade da Guiné-Bissau, um problema dos residentes cá na Itália. Pensava, para lhe dizer a verdade, que haveria uma reacção imediata. Era importante que tivessem dito apenas que Luciano Zilocchi sempre trabalhou com a autorização do Governo da Guiné-Bissau. Não foi um cônsul pirata, sempre trabalhou dentro da legalidade.

 

O silêncio é uma atitude mafiosa. Não acha que o que se assiste poderia culminar no seu total esquecimento, e na consequente destruição de tudo quanto tem feito até aqui?

 

LZ - Sim, pode ser. Pode ser, porque eu trabalhei com interesse, com amor para a Guiné-Bissau, porque a Guiné-Bissau para mim é a minha segunda terra. Portanto, depois de 25 anos de trabalho duro... quando comecei como cônsul, antes ainda como Encarregado de Negócios da Guiné-Bissau... áh... poucas pessoas conheciam bem onde estava localizada a Guiné-Bissau na África. Foi um trabalho de apresentação, um trabalho duro. Agora parece que dizem... basta de Zilocchi, não sei, cuidado... não interessa mais. Mas, mesmo que fosse o caso, penso que seria justo que me tratassem de uma outra maneira. Começámos com abraços e amizade e não podemos acabar numa guerra. Eu fui um soldado... portanto, não se deve humilhar uma pessoa que trabalhou honestamente pelo interesse da Guiné-Bissau.

 

Conta-me como nasceu a sua amizade com a Guiné-Bissau?

 

LZ - Sim senhor. Eu era residente em Lisboa, e frequentava normalmente o Hotel Altis. A primeira Embaixada da Guiné-Bissau foi aberta exactamente naquele Hotel. Eu conhecia o proprietário do hotel...

 

Quem era o embaixador da Guiné-Bissau naquela altura?

 

LZ - Júlio Semedo. Eu conheci o senhor Martins que era o proprietário do hotel Altis... ele disse-me "oh Zilocchi temos uma festa da Guiné-Bissau esta noite  no hotel. Está cá o embaixador, outras personalidades da autoridade, o Vasco Cabral... vens, vens a esta festa és o meu convidado, eu queria apresentar-te este senhor. Fui a essa festa, e ele, muito gentil, apresentou-me o Vasco Cabral e este convidou-me para ir na Guiné.

 

Que trabalho fazia?

 

LZ - Trabalhava no âmbito do comércio internacional.

 

Comércio internacional entre Itália e Portugal? 

 

LZ - Sim, mas não só entre Itália e Portugal. Ia também para África do Sul, trabalhava no comércio em vários sectores. Eu venho de uma família de Industriais, de Piacenza. A gente tinha cá uma fábrica de botões com 200 operários naquela altura, também tínhamos duas outras fábricas. O meu trabalho na família era a venda, eu tratava dos mercados internacionais. Depois, casei-me com uma portuguesa e parei em Lisboa. Mas as minhas viagens continuaram. A estada em Lisboa deu-me a oportunidade de conhecer o Vasco Cabral que convidou-me para ir a Bissau. Ele disse-me “- olha, tu vais connosco amanhã, o dia seguinte”, e eu fui.

Foi também mais uma pessoa comigo, um meu amigo que era o director do banco Credito Predial Português. Ele disse-me “- oh Zilocchi vou contigo porque o pessoal do Banco da Guiné fez o estágio cá em Lisboa, também no meu banco, portanto eu acompanho-te.” E lá fomos na aventura da Guiné".

 

E depois... o que é que aconteceu nessa sua aventura da Guiné-Bissau?

 

LZ - Aconteceu um facto que... o Vasco Cabral no princípio da digressão marcou-me encontros com a Estrela do Mar para a exportação do peixe, com a SOCOTRAM para a exportação de madeira, proporcionou-me esses encontros. Mas vi que do lado dessas empresas não havia um grande interesse, porque na Estrela do Mar estavam lá 2 soviéticos e um guineense...

 

Quem era o guineense que fazia parte da sociedade mista de pescas Estrela do Mar?

 

LZ - Não me lembro, não me lembro. Portanto, disseram-me logo que na Itália eles tinham uma fábrica de transformação em Livorno. E em relação a SOCOTRAM, alguns negócios deviam passar para a comissão interna. Então, eu disse-lhes: se quiserem dar-me uma oportunidade para vos arranjar alguns contactos posso tentar, se há empresas interessadas... e aí eu saí da Guiné, mas não fiquei contente com essa organização. Eu fui a Bissau cheio de boa vontade depois puseram muitos problemas. Voltei lá um mês depois, voltei a Estrela do Mar e então disseram-me “- sim senhor...” e eu então disse-lhes: “- olha, eu tenho um cliente que é um grande grossista de Como-Milão, que está interessado no peixe e na madeira. No peixe directamente porque faz parte do seu comércio, na madeira indirectamente”. Fizemos quase todos os contactos e no fim fomos embora e não conseguimos obter uma resposta credível. Então, eu cheguei a casa e disse: “- olha estou a perder tempo com a Guiné-Bissau...” As despesas eram minhas o governo não me dava nada...

Depois de 2, ou 3 meses, recebi um telefonema do Ministério dos Negócios Estrangeiros italiano, dizendo que estava uma delegação da Guiné-Bissau em Roma e o primeiro ministro queria falar comigo. A delegação era chefiada pelo primeiro-ministro Victor Saúde Maria. Ele disse-me “- oh Zilocchi venha a Roma queria falar contigo”. Fui a Roma de avião. Quando cheguei a Roma a delegação estava a sair do Hotel e o Victor Saúde Maria disse-me “- oh Zilocchi fomos convidados pelo embaixador do Egipto para o jantar em sua casa hoje à noite e tu vais connosco.” Respondi “- está bem, com muito gosto”.

 

Em que hotel de Roma estava hospedada a delegação da Guiné-Bissau?

 

LZ - Risos... Não me lembro o nome do Hotel, mas era o melhor Hotel de Roma. Eu disse-lhe “- mas vocês estão no melhor hotel de Roma?” Ele respondeu que era verdade, que era muito caro... (risos há, há, há, há...) Era o melhor hotel de Roma. Fomos ao jantar, voltamos e eu consegui um quarto no outro hotel que era mais barato e em frente àquele onde estava a delegação guineense.

No dia seguinte, às 9.30h, tivemos um encontro. Também fazia parte da delegação o ministro da Cultura, personagem muito importante que depois passou como ministro da justiça e depois foi ministro da Presidência. Ele disse-me “- Zilocchi, tu tens de ir a Bissau com o Primeiro-ministro.” Perguntei-lhe o que iria lá fazer. “- Tu vens a Bissau e nem precisas fazer o visto. Fazes um telefonema para o meu gabinete e diga sou Zilocchi e vou chegar a Bissau no dia tal.” Assim fui...

 

Sem visto?

 

LZ - Sem visto... porque quando lá cheguei, estava o pessoal do protocolo do primeiro-ministro que imediatamente levaram-me para o hotel...

 

Foi um voo especial...

 

LZ - Não, não... fui no voo da TAP, a única companhia que ia ali. O primeiro voo que eu fiz para a Guiné-Bissau com a TAP, foi um "super costelation"... Lisboa-Ilha do Sal-Bissau.

Cônsul Zilocchi viajava Itália-Lisboa-África do sul à procura de mercados. Depois de se instalar na Guiné-Bissau, nunca mais retomou essa rota?

LZ - Evidentemente, eu viajava muito de Lisboa, onde me tinha casado com uma portuguesa e onde tinha família, para Itália e para África de expressão portuguesa e também África do Sul. Além disso, naquela altura, os meus melhores mercados  eram aqueles do Médio Oriente (Líbano, Síria, Arábia Saudita). Depois de ter iniciado o trabalho com a Guiné-Bissau parei em Portugal, e direccionei todas as minhas energias na Guiné-Bissau.

 

 

Viajava para África de expressão portuguesa...

 

LZ - Viajava para Angola e Moçambique. Eu vivi um ano e meio em Luanda, tinha um negócio com uma Empresa que se chamava "CaféAngol". Em Maputo, tinha uma forte amizade com a ex-ministra da Saúde... etc, etc... ponham uma Fábrica de massa para fazer esparguete e essas coisas todas.


Conhecia a Guiné-Bissau antes da sua amizade com o Vasco Cabral?

 

LZ - Não, não! No período do colonialismo português não conhecia. Eu conheci logo que pude, depois da Independência, no primeiro ano. Tenho aqui uma declaração do Vasco Cabral para eu tratar com a Guiné-Bissau e dar seguimento ao trabalho. Mas, houve um inconveniente. O Vasco Cabral disse-me: “-Zilocchi tu vais ter uma comissão neste negócio. Então, vais ter que acreditá-la ao Partido Comunista Português". Eu respondi-lhe que não podia permitir que se desse a minha comissão ao PCP. Então, ele respondeu-me: “- tu, cá na Guiné-Bissau não farás nunca negócios.” Fui-me embora. No dia seguinte, ele mandou uma circular a todos os Ministérios dizendo para não fazer o negócio com o Luciano Zilocchi.

 

Qual foi a reacção do Primeiro-ministro Victor Saúde Maria face a posição do Vasco Cabral?

 

LZ - Fui ter com o primeiro-ministro que me convidou um jantar em sua casa. A sua esposa estava presente. O primeiro-ministro disse-me: ”- oh, Zilocchi não faças caso, o Vasco Cabral é assim...” eu não expliquei o motivo daquela circular, porque não fui lá criar uma guerra entre eles. Então, o Victor disse estava com a intenção de nomear-me cônsul da Guiné-Bissau em Itália. Não foi o Nino Vieira que me propôs as funções de cônsul, foi o Victor Saúde Maria...

 

Portanto, foi uma proposta que aceitou de imediato?

 

LZ - Eu aceitei e ele garantiu-me não teria problemas com ninguém... e ao mesmo tempo que eu estava a falar com o Victor Saúde Maria, o Vasco Cabral mandou um sujeito que era o chefe da polícia e tinha um nome italiano...

 

Buscardini?

 

LZ - Sim, sim. Foi lá ter comigo e disse que eu era uma "persona non grata" e devia deixar o país no primeiro avião. Portanto, mostrei-lhe o meu passaporte e disse-lhe olha, cá está o meu passaporte e o visto valido por 30 dias, emitido pela Embaixada da Guiné-Bissau em Lisboa.

 

Desculpe, existe uma pequena contradição... o cônsul disse-me há bocado que viajou para a Guiné-Bissau sem visto de entrada...

 

LZ - Sim, é verdade... estou a confundir-me um bocado. Isto foi na vez anterior, quando se criou o conflito com o Vasco Cabral.

 

Acatou as ordens do Buscardini?

 

LZ - Não, não deixei o país, porque naquela altura havia apenas um voo semanal para Lisboa.

 

E o que é que aconteceu depois?

 

LZ - Não sucedeu nada. Não aconteceu nada. Depois, comecei a pensar em todas essas confusões com o Vasco Cabral... bê... e vim-me embora. Depois, voltei a convite de Victor Maria que me disse que fosse e que poderia dormir e comer na sua casa. Ele já estava naquela casa nova, perto da "mãe de água". Foi naquela altura que mandou o pedido ao Ministério dos Negócios Estrangeiros italiano para que me reconhecessem, depois o presidente da República "Nino" Vieira mandou a "Carta Patente".

 

Porém houve um inconveniente porque quando o Victor Saúde Maria foi acusado de tentativa de Golpe de Estado, eu estava em Bissau. O "Nino" Vieira passou no hotel, eu estava no hotel 24 de Setembro, passou no seu Mercedes, era ele que conduzia. Quando ele me viu parou o carro, saiu e veio ter comigo e perguntou-me se era eu Zilocchi. Disse-lhe que sim. Cumprimentámo-nos e convidou-me para um jantar na sua casa.

 

A noite fui ao jantar, e aí apresentou-me o irmão Carlos Bernardo Vieira "Murido" que era comerciante e sugeriu que poderíamos fazer alguma coisa juntos. Foi aí que tudo começou. Mas, eu estava do lado do Victor Saúde Maria. Disse ao presidente que não acreditava que Victor Saúde Maria tivesse feito uma tentativa do golpe de Estado.

 

O que é que o Presidente "Nino" Vieira lhe disse?

 

LZ - Ele disse que diziam que havia muitas testemunhas que diziam que ele estava a preparar... mas que não era verdade. Aquilo era a inveja de certas pessoas contra o Victor, porque diziam “- ah, a esposa do Victor Saúde Maria queria ser a primeira Dama, essa história toda.” A uma certa altura o presidente Nino Vieira disse: “- Zilocchi vives as histórias na Guiné-Bissau, porque não escreves um livro? Isto é uma história também para nós, faz parte da nossa história...”

 

Porque eles não escrevem livros...

 

LZ - Eles já deviam escrever, não eu... (risos...) arrisquei e poderia ter sido preso naquela altura como "persona non grata"... éh, éh, éh... olha, tive a sorte...

Vozes nos bastidores dizem que dos anos que trabalhou como Encarregado de Negócios, o cônsul Luciano Zilocchi defendeu mais os negócios do General Presidente "Nino" Vieira do que os do próprio país que representa...

LZ - Aquilo que as vozes dos bastidores dizem é fantasia. Eu trabalhei para a Guiné Bissau como Encarregado de Negócios a favor do país, e não para o General "Nino" Vieira. Unicamente para o país.


Cônsul honorário não recebe financiamentos do Estado que representa. Como consegue recuperar os custos do trabalho que presta ao Estado guineense?

 

LZ - Portanto, numa conversa que tive com o Presidente "Nino" Vieira uma noite na sua casa, perguntou-me se eu tinha alguma comissão nos negócios que estava a proporcionar a Guiné-Bissau. Disse-lhe que me desculpasse, que embora eu tivesse uma família, a Guiné-Bissau não me dava nada. Pagando-me um ordenado, pouco ou tanto, não me servia de nada. Mas poderia ter uma comissão do lado do vendedor, ou da Empresa, relativo ao trabalho que vinha fazer na Guiné-Bissau. É normal que uma Empresa pague uma comissão ao seu intermediário... não é um luxo.

 

O cônsul servia de intermediário das empresas que lá iam trabalhar...

 

LZ - Naquela altura fui intermediário das pessoas que iam lá trabalhar. Qual era concretamente o meu trabalho? Era propor, quando era lançado um concurso eu procurava uma empresa que reunisse as condições para participar...

 

Quais foram as empresas que levou para a Guiné-Bissau e as obras implementadas?

 

LZ - A Empresa que levei para a Guiné foi a AICO da Milão. Uma Empresa da Milão, forte, que construiu 24 escolas em Bissau e a aldeia turística de Varela que iniciou e não acabou. Depois, essa mesma Empresa fez o fornecimento de moveis ao Secretariado do PAIGC.

Portanto, como dizia a Empresa pagava alguma coisa. Mas eu não montei aquilo... quando a minha mãe faleceu, deixou um apartamento e eu vendi-o para pagar os custos do Consulado e das minhas viagens porque, evidentemente, não havia nenhuma entrada naquela altura.

 

Como pode ser isso... gastar o dinheiro pessoal para um Estado e não receber nada como contrapartida?

 

LZ - Porque não havia negócios. Eu sempre esperava, ah... negócio tal, vamos fazer... resolver o problema... fiz dois negócios na Guiné. O Complexo Turístico de Varela cujas as obras iniciaram e nunca terminaram, a venda de bolachas para o Ministério da Saúde e Rações de combates para o Ministério da Defesa guineense. Mas não tive a sorte de fazer outras coisas.

 

Conseguiu recuperar o dinheiro gasto nesses negócios?

 

LZ - Nem 10 por cento daquilo que gastei.

 

Mas... como é possível gastar sem compensação e continuar ainda a trabalhar?

 

LZ - E continuar... porque até uma certa altura, eu estava convencido que poderia fazer alguma coisa, na verdade, queria recuperar pelo menos parte do dinheiro que eu gastei. Depois, havia também o fornecimento a vários Ministérios... cuidado! Eu tenho ali as contas que estou a preparar nesses dias... a Guiné-Bissau deve-me 3 milhões de dólares, ah...

 

Três milhões?!!!

 

LZ - Todos os Ministérios da Guiné-Bissau devem-me dinheiro, todos. Todos os dias diziam que lhes mandasse máquinas de escrever, fax, que lhes mandasse isto, que lhes mandasse aquilo. Mandei fazer passaportes e paguei-os eu. Mas nunca me deram o dinheiro gasto. A uma dada altura arranjei um advogado, Abubacar Djaló. Grande advogado... para mim é um grande advogado. Fomos a Justiça contra a Governo da Guiné-Bissau e naquela altura conseguimos o "direito de sequestro conservativo" em que se pode fazer uma hipoteca dos bens do devedor. Com o Abubacar Djaló conseguimos ter uma ordem do sequestro conservativo do Banco da Guiné-Bissau naquela altura. Antes desse sequestro fomos ao tribunal e eu falei com o Presidente do Supremo Tribunal da Justiça da Guiné-Bissau. Ele telefonou para o governador do Banco, Pedro Godinho Gomes dizendo-lhe: “- está cá o Zilocchi, cuidado que eu sou obrigado a mandar ali um funcionário cá do Ministério para por um chumbo no cofre. O que será dos clientes que amanhã virão aí para levantar dinheiro se o cofre estiver trancado?” O Governador do banco pediu que me mandassem lá, que eu era uma boa pessoa. Eu e o advogado Abubacar Djaló fomos lá. Ele propôs que fizéssemos uma nova ordem de pagamento, que iriam fazer pagamentos trimestrais. Naquela altura seriam mais que duzentas mil dólares que o Governo da Guiné-Bissau deveria mandar-me trimestralmente...

 

Recebeu algum dinheiro desse acordo?

 

LZ - Recebi em parte. Cada 3 meses, mandavam-me cem mil dólares. E, eu tenho que agradecer o advogado Abubacar. Mas, ao mesmo tempo que recebia o dinheiro, o débito continuava a aumentar, eles continuaram a pedir. As delegações que vinham para a Itália podem confirmar... nunca pagaram uma conta do hotel, sempre pagou o Zilocchi.

 

Mesmo os últimos que cá passaram?

 

LZ - É sim... o habito é esse.

 

No quadro da luta contra cólera na Guiné-Bissau, em 2008, o Governo italiano doou ao Governo guineense uma soma de 50 mil euros, mas nunca recebeu a confirmação da chegada do montante. O que se passou? 

 

LZ - Sim, Sim. Fui eu que fiz esse pedido.

 

Então, conta-me como tudo aconteceu... 

 

LZ - Eu fiz o pedido a Cooperação Italiana dizendo que havia o surto de cólera na Guiné-Bissau e que o país precisava de uma ajuda. E a Cooperação Italiana através das minhas amizades lá, disseram sim senhor, que davam 50 mil euros para a campanha. Não nos deram directamente. Foi uma acção que o governo italiano fez  juntamente com a (Organização Mundial da Saúde) OMS. Eles depositaram 50 mil euros a OMS que já estava a combater a cólera na Guiné-Bissau. Mas nunca ninguém me agradeceu pelo meu trabalho. Eu soube disso porque o Governo italiano, através do Ministério dos Negócios Estrangeiros informou-me. Eu informei pessoalmente ao Governo guineense e mandei uma cópia da nota de crédito que o Governo italiano fizera à OMS, mas ninguém agradeceu. Tenha presente uma coisa: estava já habituado, porque no segundo ano como cônsul da Guiné-Bissau, consegui na altura 11 milhões e 400 mil dólares de donativo através da Cooperação Italiana... não era dinheiro do Zilocchi, mas foi o seu trabalho. Foram as ambulâncias e as sopas "leufilizadas" para os hospitais, foram os camiões com a escrita FAI. Portanto, eu fui a Bissau, e no Ministério dos Negócios Estrangeiros estava a preparar um livro dos donativos que o Governo guineense tinha recebido e nesse livro não constava o nome da Itália.

 

Inacreditável... como é que isso foi possível?

 

LZ - Foi o que também perguntei. Disseram que a Itália era muito recente, que o livro vinha já para os donativos precedentes. A noite fui ao jantar a casa do Presidente, e disse ao presidente que lamentava aquilo, que tinha trabalhado muito, e que estavam a fazer um livro no Ministério dos Negócios Estrangeiros, mas não incluíram o nome da Itália e que eu não sabia porquê. O presidente mandou chamar imediatamente Júlio Semedo. Mandou chamá-lo na minha presença e disse-lhe que o que ele estava a fazer era um boicote... perguntou-lhe porque não incluíram o meu trabalho que foi o maior? Não houve nenhum país que deu a Guiné-Bissau 11 milhões e 400 mil dólares em donativos naquela altura... o Júlio Semedo respondeu que havia aquele livro e que ainda não estava completo.

Só para lhe dizer que o meu trabalho foi um trabalho grande, foi um trabalho de paixão. Portanto, eu ia a Guiné gastava o meu dinheiro em viagens e em tudo aquilo que era necessário.

 

Por quantas vezes visitou a Guiné-Bissau?

LZ - Cada 40 dias estava na Guiné-Bissau. De 1975 em diante, cada 2 meses estava lá. O presidente Nino Vieira ofereceu-me um terreno no bairro onde construíram as casas para os ministros... ele ofereceu-mo para fazer a minha casa, mas perdi-o porque nunca mais o utilizei... éh, éh, éh, éh...

 



 

Dos 25 anos que trabalhou como cônsul honorário da Guiné-Bissau, nunca teve um funcionário, ou seja, colaborador guineense...

LZ - Tive dois. Um era o Edson, um rapaz que estudava psicologia cá na Itália. Ele estava em Pádova, e foi nos anos 80-85. E o outro, era o Zacarias, um amigo que trabalhava nos Correios em Bissau. Cada vez que eu ia a Bissau, contactava com o Zacarias que trabalhava na secção de telegrafia, porque naquela altura ainda não existia o fax. Ficámos amigos. Depois, eu perguntei-lhe se queria vir para a Itália trabalhar comigo. Ele aceitou e veio cá para a Itália. Encontrei Edson cá, em Génova. Ele estava lá, mas não tinha a autorização de residência, estava numa situação irregular há cem por cento. Perguntei-lhe também se queria vir trabalhar comigo. Disse que sim, de boa vontade. Eu regularizei o rapaz, obteve a residência e dei-lhe um ordenado e ele trabalhou comigo 5 ou 6 anos. O Zacarias... mandei-o à Guiné para resolver 2 ou 3 problemas no Ministério dos Negócios Estrangeiros, tiraram-lhe o passaporte porque houve uma reacção do pessoal do Ministério. Eles achavam que como estavam no Ministério, se havia um lugar no Consulado na Itália é para um deles, não para alguém que trabalhava nos Correios. Ele ficou lá e como é de mãe senegalesa, conseguiu voltar para Dakar. Foi-se embora da Guiné e nunca mais voltou. Ele escreveu-me duas vezes dizendo que ia trabalhar com uma Empresa italiana e estava muito contente.
Outro guineense com quem trabalhei estava cá, na Universidade de Agrária de Piacenza. Esteve cá por 7 anos, e se chama José Tambá. No período da tarde ele vinha trabalhar cá no Consulado, e dava-lhe uma quantia todos os meses. Mas nunca como funcionário do Consulado. Acabou e voltou para a Guiné, encontrei-o por duas vezes na viagem, ele estava casado. Última vez em Lisboa estava a embarcar com a mulher e os filhos, já tinha 2. Portanto, foram esses os funcionários. Do Ministério vieram todos, vieram todos. Eu já tinha pedido ao presidente Nino Vieira que talvez fosse à altura de fazer um Consulado Geral na Itália, que eu não podia ser o cônsul, porque o cônsul de carreira tem que ser um diplomata ou personalidade da terra de origem, não pode ser um italiano. Respondeu que sim. Propôs que fosse a filha que tinha no Brasil, já licenciada. Ele perguntou-me - "então, e ela poderia ser cônsul?" - Disse-lhe que sim, que é guineense por isso podia, era só pedir. Disse-lhe ainda outra coisa: que tínhamos de dividir as despesas, que eu posso ficar como conselheiro devido a minha experiência, mas se for preciso mais pessoal, seria bom que fosse o pessoal da Guiné que está na Itália, que fala já as duas língua... pessoal com capacidade, não valia a pena mandar vir gente da Guiné. Ele concordou, mas não chegamos a fazê-lo, infelizmente houve o golpe do Estado de 1998.

 

Conhece o actual primeiro-ministro guineense?

 

LZ - Eu encontrei-me com o actual primeiro-ministro da Guiné-Bissau, no avião à saída de Lisboa para Bissau. Ele e a esposa estavam no avião. Foi no ano de 1976. Ele perguntou o que ia fazer na Guiné. Eu disse-lhe que ia ver se havia possibilidades de fazer algum comércio e tal. Ele disse-me que poderia ir lá a casa dele... não era político naquela altura. Disse-lhe que estava bem. Quando cheguei a Bissau, o irmão do "Nino" Vieira disse que não. Não precisava de fazer mais contactos com ninguém, que eles estavam lá. Mas, cuidado: o "Murido" naquela altura era contra mim, porque tinha um fornecimento aos bombeiros. Isso é um capítulo aparte. Eu tinha feito uma oferta aos Bombeiros, e o actual primeiro-ministro  e o Carlos Bernardo Vieira "Murido" tinham também feito uma outra oferta, com a diferença que eu tinha conseguido financiamentos já havia 3 anos. E do lado do CADOGO era a abertura do Crédito Irrevogável, quer dizer, o material tinha que ser pago de imediato. Eles tinham duas ofertas: uma austríaca e outra da Austrália. A minha oferta era italiana, da cidade de Brescia. Evidentemente, o governador do Banco naquela altura tentou boicotar o negócio, porque era amigo do Carlos Gomes Júnior. Eu disse ao secretario de Estado do Ministério do Interior que ele tinha uma carta para assinar há 3 anos. É que os equipamentos dos Bombeiros são afectos ao Ministério do Interior. Então, o secretário do Estado disse-me que assinava imediatamente. Depois, disse-lhe que tínhamos de ir ao Banco, porque o Banco tinha que dar o aval, e fomos. Estava lá o Lima Barber que era vice-governador do Banco. Ele disse-me tinha de falar com o governador e tal... e depois disse-me que eu não podia ir lá endividar o país... não podia ser. Disse-lhe que não havia problemas nenhuns. Que tinha lá uma carta com a nossa oferta, era suficiente que ele pusesse em baixo que o Banco não podia dar o aval porque não podia endividar o país. Que pusesse aquilo, eu iria ao presidente, porque ele está a par do assunto. Tinha de lhe dizer que lamentava mas que eu não podia fazer o negócio porque o Banco não me dava o aval. Que no dia seguinte tomaria o avião e vinha-me embora.

“- Ah... se é assim, Zilocchi és uma boa pessoa, és amigo da Guiné... oh Lima Barber assina o documento” e Lima Barber assinou o documento. Eu disse ao Lima Barber que não era suficiente a sua assinatura. Ele perguntou o porquê. Respondi que tinha lido o Estatuto do Banco. Tinha-o conseguido através de um funcionário. Portanto, eu tinha visto que para comprometer o Banco da Guiné-Bissau precisava de duas assinaturas... e lá estavam os nomes das pessoas que podiam assinar. Disse-lhe que a carta não tinha valor. Ahh não... estava lá um tal Vaz. Chamou-o Vaz para ele assinar, e o Vaz assinou. Afinal também nunca pagaram. O Banco italiano San Paolo tinha mandado a carta solicitando a cobrança, mas nunca responderam.

 

Sendo mediador, como é que resolveu com o Banco?

 

LZ - Essa dívida foi incluída no meu crédito. Resolvi com o Banco graças àquela tomada de posição com o Advogado Abubacar Djaló. Eles começaram a pagar 4 anos depois. Portanto, 1 milhão e tal mil dólares de juros, os juros aumentaram imediatamente o valor da dívida. Depois pagaram-na. Pagaram apenas o valor da mercadoria, e ainda quiseram um desconto de 150 mil dólares.
Então, eu tenho as contas actualizadas, é por isso que digo que o Governo da Guiné-Bissau deve-me 3 milhões de dólares.

 

Daquele encontro que teve com Carlos Gomes Júnior, no avião, nunca mais o viu?


LZ - Tive a oportunidade de encontrá-lo depois na casa do senhor presidente Nino vieira. Também, fui a casa do seu pai e jantei-me com ele. Tive contacto com o Carlos Gomes Júnior mas nunca realizamos algum negócio, porque logo depois, entrou o grupo do Presidente Nino Vieira e o irmão Murido. Ele me disse outra vez que encontrei-me com ele, perguntou-me: - "oh Zilocchi não queres trabalhar comigo?" - Mas não podia porque já estava do outro lado.


Há quem diga que ele estaria por detrás do seu contencioso com a DIGOS...

 

LZ - Eu sei que em Novembro de 2009, deu ordens... deu ordens ao  Ministério dos Negócios Estrangeiros para ver a posição das pessoas beneficiárias de passaportes diplomáticos. Eles queriam ver quem são as pessoas que tinham passaportes diplomáticos e se essas pessoas tinham algum benefício com o passaporte diplomático. Caso essas pessoas tivessem benefícios, tinham que dividi-los com o Governo da Guiné-Bissau.

Até eu sei, talvez... mas não era um país... os EUA, os negócios com Estados Unidos podiam ser... portanto, pode ser, mas não quero dizer que ele esteja por detrás disso.

 

A não publicação da notícia da Conferencia de Imprensa que deu no dia 11 de Julho, pelo Nô Pintcha, jornal do Governo, para si o que significa?

 

LZ - Que não há o interesse do lado do Governo em reclamar a verdade, em informar as pessoas desta situação. Eu não fiz nada de grave. Simplesmente trabalhei dentro do contesto de um cônsul honorário. Mesmo que o Governo italiano não me quisesse, ou o Governo da Guiné Bissau não me queira eu aceitaria. Podia ser cônsul não na Itália... eu podia ser cônsul num outro país. Mas, o Governo italiano deve perceber uma coisa: eu sou cônsul honorário, é um título que não se pode tirar a uma pessoa, aquilo fica sempre. O cônsul honorário não é um cônsul honorário da Embaixada da Guiné-Bissau. Portanto, ali não havia interesse em informar... não sei porquê? Portanto o Zilocchi não fez nada de mal, trabalhou, e se trabalhar é que na verdade é o motivo para não informar as pessoas...

Caso o Governo guineense lhe viesse a reconduzir ao cargo de cônsul, estaria disponível para dar o seu máximo como antes?

 

LZ – No que diz respeito a minha disponibilidade para continuar no cargo de cônsul honorário caso venha a ser reconduzido, neste momento e depois da situação que criou... vai ser muito difícil, também devido a idade que eu tenho. Gostaria só de receber o dinheiro que o Governo da Guine Bissau me deve, e assim abandonar o meu posto definitivamente com amizade tal como comecei.

 

Sente-se realizado na vida?

 

LZ-Eu sinto-me realizado na vida por aquilo que fiz, pois eu sempre trabalhei, em particular para a Guiné-Bissau, como um missionário, gastando o meu dinheiro e procurando obter benefícios para o Governo e para a população da Guiné-Bissau. Depois disso tudo, se a tal carta que eles mandaram for real... puseram-me de lado de uma forma pouco correcta e absolutamente não diplomático.

 

Se tem algo a acrescentar estamos a sua disposição...

 

LZ - Não. Eu penso que fizemos um panorama geral da situação. Evidentemente, se há certas coisas que não são bem claras eu estou sempre disponível para dar-lhe mais informações. Porque como digo, não fiz nada de mal, sempre trabalhei para a Guiné-Bissau. Se agora o Governo da Guiné-Bissau não me quer, nós podemos chegar a um acordo sem problemas. Temos que fazer as nossas contas... quando uma pessoa é despedida tem que se ver as contas, se ele deve dinheiro, ou se é lhe devido... é só isto, nada mais.    

       

 

No segundo piso deste arranha-céus funcionava o Consulado da Guiné-Bissau. Se chama Palazzo dei Mille. É o prédio mais alto da cidade de Piacenza e se encontra a menos de 200 metros da estacão de comboios.

 

Texto e fotos: Agostinho Pereira Gomes "Apego"

 

 

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