O FIM DA COOPERAÇÃO TÉCNICO-MILITAR, ENTRE ANGOLA E A GUINÉ-BISSAU E OS SEUS RESULTADOS ECONÓMICO E DIPLOMÁTICO PARA ANGOLA

 

 

Timóteo Saba Mbunde *

timoteotisanbu24@hotmail.com

07.08.2012

Timóteo Saba MbundeO fim da Missão Militar Angolana em Guiné-Bissau se concretizou com a retirada integral das forças de Angola do território guineense no último mês de junho de 2012, esse fato se deve fundamentalmente ao golpe de Estado de 12 de Abril último que depôs o governo do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC).

Contudo, antes do referido golpe já era perceptível, se não visível um cenário de profundo mal-estar entre as forças armadas locais e a missão militar angolana (MISSANG). Á propósito disso o porta-voz dos militares guineenses fez seguinte declaração à Rádio Notícias TSF:

 

[...] «Tudo começou através de um clima de mal-estar que começou desde a chegada dos primeiros armamentos da MISSANG [força militar angolana] a Bissau, passando por várias etapas até chegar ao momento em que embaixador de Angola teve a veleidade de ir ao Estado Maior General e acusar o Chefe do Estado Maior diretamente de estar a preparar um golpe de Estado», explicou o porta-voz (RÁDIO NOTÍCIAS TSF, 2012).

 

Sobre a posição do governo deposto, Daba na Walna coloca á Agencia Lusa/Impala (2012) seguinte:

 

[...] “Maria Adiatú Djaló Nandinga (ministra da presidência e porta voz do governo deposto) disse que a Missang não saía daqui porque a presença angolana trouxe a paz à Guiné. Compreendemos que o esforço que António Indjai (chefe das Forças Armadas) fez, abortando o golpe de 26 de dezembro contra Cadogo (Carlos Gomes Júnior) não serviu para nada. Afinal de contas quem fez tudo foram os angolanos". (PEIXEIRO E BALDE, 2012).

 

Esse clima de déficit de confiança entre as forças armadas da Guiné-Bissau de um lado e a MISSANG e o então governo do PAIGC do outro se agravava até que no dia 12 de Abril viesse a registrar o golpe de Estado levado a cabo por autodenominado “comando militar” tendo sua liderança integrada por oficiais militares, forjando efetivamente dias depois a oficialização do fim da Cooperação Técnico-militar entre a Guiné-Bissau e a Angola, tal cooperação que havia sido instituída se seguiu à instalação de militares angolanos no território guineense em Março de 2011 cujo objetivo formal assentava-se resumidamente em seguinte:

 

[...] A Missão Militar Angolana em Guiné-Bissau (MISSANG), segundo as autoridades dos dois países objetiva fundamentalmente apoiar a Guiné-Bissau na realização da reforma nos setores da defesa e segurança, portanto a presença dos homens armados angolanos no território guineense é no sentido de viabilizar esse processo (M’BUNDE, 2012).

 

A Cooperação Técnico-Militar entre esses dois países africanos, não obstante a sua essência ser de caráter militar, ganhou efeito “spill over” afetando setores económicos, comerciais entre outros. E seu fracasso, não afeta apenas setor militar, mas outras dimensões também.

Portanto, o fim dessa cooperação Bissau-Luanda gerou desdobramentos em dimensões económica e diplomática relacionadas à República de Angola enquanto uma das partes.

O que se pode dizer é que a nível económico, pelo menos em curto prazo, a Angola perde com o fim da MISSANG, isso em função dos acordos e articulações económico-comerciais que vinha fazendo com o deposto governo guineense, arranjos acompanhados por investimentos financeiros significantes de Angola a favor da Guiné-Bissau com expectativas de retornos em médio prazo (Mbunde, 2012).

As projeções de âmbito económico e comercial anteriormente articuladas entre os dois países ficam comprometidas, pelo menos, em curto prazo, principalmente uma vez que a República de Angola se radicaliza em não reconhecer o atual governo de transição pós-golpe de último 12 de Abril.

A medida angolana de não reconhecimento do executivo guineense pós-golpe e a busca efetiva em influenciar seu não reconhecimento no cenário internacional, se deve provavelmente, entre outros fatores, à desconfiança de Angola em não conseguir com nova configuração do poder em Guiné-Bissau perseguir e alcançar seus interesses econômicos preconizados com o antigo regime liderado por Carlos Gomes Júnior. O Estado angolano, como qualquer outro Estado, volta sua política externa em busca de seus interesses, (MORGENTHAU, 2003, p. 225).

A exploração de bauxite em Guiné-Bissau em grande escala, a construção de Porto de Buba, (Sul da Guiné) entre outros, são objetivos do governo de Angola projetados com seu antigo homólogo guineense (MACAUHUB apud MBUNDE, 2012).

Com a queda do governo de PAIGC, o cenário que se desenha é que haja afastamento em termos cooperativos (pelo menos ao nível e intensidade que vinha sendo registrado) entre o governo do MPLA e o executivo de transição guineense, e tal cenário poderá perdurar com relação ao próximo governo democrático que se resultará das eleições do ano que vem em Guiné-Bissau, dependendo de quem ganhá-las, obviamente.

Já no âmbito diplomático, apesar de contrair um mal-estar diplomático com a Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), a Nigéria e Senegal principalmente, em decorrência do Golpe de Estado em Guiné-Bissau e sua conseqüente e imediata retirada da Guiné-Bissau, associado a tudo isso, a sua posição extremamente contraria a da CEDEAO (que reconhece o governo de transição resultante do golpe de 12 de Abril e o apoia) enquanto a CPLP, presidida até (julho de 2012) pela própria Angola, não reconhece o executivo pós-golpe, a República de Angola em termos globais, apesar das acusações das forças armadas guineenses à MISSANG e o fracasso da mesma, acumulou ganhos diplomáticos significantes comparativamente a imagem da sua diplomacia no período precedente a MISSANG.

Recentemente, o posicionamento angolano no caso da crise de Costa do Marfim, concretamente no final de ano 2010, produziu má imagem da sua diplomacia face ao apoio do regime do presidente Eduardo dos Santos a Laurent Gbagbo, a quem praticamente toda a comunidade internacional condenava e reconheceu a vitória eleitoral do seu oponente, atual presidente marfinense Alassane Ouattara.

A posição de Angola a favor de Gbagbo na altura seria determinada por conta dos seus interesses econômico-comerciais, especialmente a exploração de 22% de única refinaria de petróleo marfinense, uma exploração emitida pelo Laurent Gbagbo, Angola consome 75 mil barris de petróleo refinado por dia, mas apenas 50% desse montante é refinado em Angola, (KAPALI, 2011).

Para agravar, a mídia internacional noticiava que havia presença de forças angolanas no solo marfinense lutando ao lado dos militares fiéis ao Ghagbo, cujos atos eram veementemente criticados pela comunidade internacional. A Angola teria enviado militares para proteger o Ghagbo. Segundo a Rádio Cultura de Angola (2010), foram mais de 300 homens.

Informações desmentidas pelas autoridades angolanas, uma das vozes que negou isso foi a do ministro de relações exteriores angolano, George Chicoty (ANGO NOTÍCIAS, 2011).

Contudo a Voz de América (2010) insiste naquela ocasião informando:

[...] Guillaume Soro, primeiro-ministro do candidato presidencial declarado vencedor pela comissão eleitoral, Allassane Ouattara, acusou Gbagbo de contratar mercenários. E a sua porta-voz, Kandia Kamara, disse ao correspondente da VOA em Abidjan que os mercenários angolanos e liberianos foram contratados "para matar apoiantes de Ouattara". Acrescentou que os mesmos são "claramente visíveis nas ruas de Abidjan". Um jornalista português especialista em assuntos francófonos, Rui Newman, disse, entretanto à VOA que os angolanos presentes na Costa do Marfim, não são mercenários, mas sim tropas das FAA - Forças Armadas de Angola. 

Como se constata, a diplomacia e política externa de Angola ficaram profunda e negativamente interpretadas no sistema internacional a partir de dezembro de 2010.

Diante de tal cenário, a cooperação entre os governos de Angola e a Guiné-Bissau que caracterizaram tal cooperação enquanto um mecanismo de solidariedade angolana à Guiné-Bissau foi determinante para erguer a má imagem que a diplomacia de Angola acomulava no domínio internacional desde finais de 2010, esse fato era notório em função dos elogios e felicitações de muitos Estados e organizações internacionais à Angola.

A própria ONU expressou elogios a Angola através de um relatório do Secretário geral da organização apreciado igualmente pelo conselho de segurança, no referido relatório o Ban Ki-Moon declarou que a Angola tem um papel preponderante no processo de reestruturação das forças armadas guineenses (RITA, 2011).

Concluindo, a Cooperação técnico-militar entre Angola e Guiné-Bissau, (MISSANG) não gerou ganhos econômico-financeiros reais a favor de Angola, pelo contrário esse país perdeu nesse quesito (pelo menos em curto prazo). Por outro lado, não obstante a um mal-estar que se instalou entre esse país e alguns principais atores estatais de África Ocidental nesse processo, Nigéria e Senegal principalmente, tal Cooperação Técníco-militar, independentemente de seu resultado, nesse caso seu fracasso, gerou resgate, elogios e novo fôlego à diplomacia angolana que até então vinham em baixa e sob desconfiança e crítica no âmbito internacional, uma Cooperação cuja natureza foi concebida praticamente por toda a comunidade internacional enquanto um mecanismo de solidariedade de Angola para com a Guiné-Bissau, marginalizando outros possíveis fatores determinantes. Sendo assim, a Angola perde no plano económico, mas ganha diplomaticamente no plano global na já extinta Cooperação técnico-militar com seu homólogo, Guiné-Bissau.

 

Timóteo Saba M’bunde,

Internacionalista.

Referencias:

COSTA DE MARFIM: Angola nega envio de tropas. Ango Notícias. (2011) Disponível em <http://www.angonoticias.com/Artigos/item/29864>. Acesso em 20 Fev. 2012.

GUINÉ-BISSAU: Angolana bauxite angola vai construir porto em Buba. Macauhub (2009). Disponível em: <http://www.macauhub.com.mo/pt/2009/05/18/7065/Acesso em 14 Mar. 2012.

KAPALI, P. Alassane Ouattara pediu a venda das acções da Sonangol na Costa do Marfim. Angola24Horas.com (2011). Disponível em: http://www.angola24horas.com/index.php?option=com_content&view=article&id=5225 Acesso em 07 de julho de 2012.

M’BUNDE, S. T. A missão militar angolana em Guiné-Bissau e os interesses econômicos  – (2012). Disponível em: < http://club-k.net/index.php?option=com_content&view=article&id=10873:a-missao-militar-angolana-em-guine-bissau-e-os-interesses-economicos-> Acesso em o8 de Julho de 2012.

MORGENTHAU, H. J. A Política entre as Nações: a luta pelo poder e pela paz, p. 225. Brasília: Und, 2003.

PEIXEIRO, F e BALDE. Missang era um braço armado do Governo - Comando Militar da Guiné-Bissau. Impala (2012) Disponível em: <http://www.impala.pt/detail.aspx?id=33446&idCat=2170>. Acesso em 07 de Julho. 2012.

RÁDIO CULTURA ANGOLANA. Mais de 300 mercenários angolanos foram enviados na Costa de Marfim. (2010). Disponível em: <http://www.radioculturaangolana.com/noticias>. Acesso em 21 Fev. 2012.

RÁDIO NOTÍCIAS TSF. Guiné-Bissau: Militares querem «saída política para a crise». (2012) Disponível em: <http://www.tsf.pt/PaginaInicial/Internacional/Interior.aspx?content_id=2419348 >. Acesso em 07 de Julho. 2012.

RITA, JOÃO SANTA. ONU: Angola tem papel importante na reforma militar da Guiné-Bissau. Voz da América. (2011). Disponível em:

<http://www.voanews.com/portuguese/news>. Acesso em 25 Mar. 2012.

Voz da América. TV Francesa nocitia presença de mercenários angolanos na Costa de Marfim. (2010). Disponível em: <http://www.voanews.com/portuguese/news> Acesso em 03 Mar. 2012.

 

 * Finalista de Relações Internacionais - Brasil

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