O exercício da cidadania, na Guiné-Bissau, é reduzido apenas ao acto de “votar”


 

Alberto Luís Quematcha

quematcha@gmail.com

19.06.2013

Alberto Luís QuematchaO período de campanhas de educação cívica sobre o exercício de cidadania, na Guiné-Bissau, é nas vésperas das eleições. Em nenhum outro período o Estado se preocupa com campanhas de educação cívica sobre o exercício da cidadania. E estas campanhas incidem essencialmente sobre como votar. Mesmo assim, não são esclarecidas as questões como: o que significa, no fundo, votar ou escolher? Que tipo de perfil é requerido para o cargo? Escolher implica optar pelo melhor ou pior? Votar, é escolher o meu camarada ou o meu parente?

Penso que, com esta pequena actividade de ensinar como votar, se pretende estar a realizar a campanha da educação cívica sobre o exercício da cidadania na sua dimensão política. Por conseguinte, outros componentes desta mesma dimensão da cidadania ficam de fora. Elementos como: informar ao cidadão que é também seu papel fiscalizar e exigir a prestação de contas dos governantes; dirigir abaixo-assinados às autoridades, em geral; na qualidade de pai ou aluno, participar da vida e da organização das escolas e universidades, fazer denúncias, requerer informação sobre todas as matérias do interesse público, exigir que o assunto do Estado seja transparente e que nunca seja resolvido em segredo nos gabinetes.

Todavia, a cidadania comporta uma realidade mais complexa que ultrapassa a dimensão política. Segundo a definição duma pessoa com quem discuti e que me clarificou muitas questões sobre o tema, “a cidadania é vida no seu todo, em outras palavras, é condição para que alguém possa, realmente, ser uma pessoa”. Significa ter sua dignidade humana respeitada. Cidadania, no fundo, significa DIREITO de ter DIREITOS.

 O que é cidadania, então? Cidadania é estado ou qualidade de pessoa que goza de direitos e cumpre deveres num determinado estado. A utilização da palavra cidadão é para quem possui direitos de tal ordem. O seu uso estende-se a pessoa duma determinada comunidade, cidade ou país, seja em âmbito internacional ou supranacional. Esses direitos e deveres, no caso da Guiné-Bissau, estão consagrados na Constituição da República a partir do artigo 24º, segundo este, «todos os cidadãos são iguais perante a lei, gozam dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres, sem distinção de raça, sexo, nível social, intelectual ou cultural, crença religiosa ou convicção filosófica.» Nesta situação podemos considerar que a nossa Constituição é uma carta de cidadania, é ela quem confere direitos e vincula o cidadão perante os problemas do seu país. Ela revela ser uma carta de justiça, de liberdade, que deve ser cumprida. Pois, a Constituição não é uma caixa mágica. A participação do cidadão no cumprimento dos princípios consagrados na mesma faz parte da chamada cidadania. A mesma contribuirá para o respeito da dignidade do próprio cidadão. Deste modo a constituição é, apenas, uma alavanca muito importante para as conquistas populares e para o avanço da sociedade. Só que sem acção do cidadão ela não passa duma simples carta. Mas para que o cidadão esteja a altura de exercer uma cidadania de qualidade precisa de ser formado.

A Guiné-Bissau, neste momento, está no caminho de preparação para o exercício de uma das dimensões de cidadania, a dimensão política. A questão que se põe é: o que é que a preparação dessas eleições trará como conteúdo? Será aquela habitual? Receber dinheiro da comunidade internacional, produzir urnas e boletins de voto e ensinar como votar através dos programas de educação cívica?

O exercício da cidadania através da participação na vida política limita-se apenas a isto?

No meu entendimento, não é tudo. O exercício da cidadania na sua dimensão política abrange também o direito de exigir e fiscalizar as actividades dos governantes (fiscalizar o Poder Executivo, o Poder Legislativo, etc.) exigir que estes cumpram com o seu importante papel. Estes aspectos deveriam merecer uma especial atenção nos capítulos da educação cívica que foram levadas a cabo nas vésperas das eleições que tiveram lugar no nosso país.

A cidadania comporta muitas outras dimensões. Uma outra dimensão que gostaríamos de discutir aqui é a existencial. A dimensão existencial da cidadania é condição para “ser pessoa”. Ou seja, a dimensão existencial da cidadania nos obriga a compreender que, para “ser cidadão”, é preciso ser respeitado como “pessoa humana”. O respeito à dignidade humana exige: tratamento igualitário das pessoas; respeito à “pessoa humana” por ser “pessoa humana”, não pela riqueza que tenha, pela posição social, pela cultura, pelo parentesco com pessoas de prestígio etc; um sistema de saúde pública humano, eficaz; que a todas as pessoas se garanta moradia saudável e digna; que o lar de toda pessoa seja respeitado, que o domicílio pobre ou rico seja inviolável; que a correspondência nunca seja violada, que se assegure a todos um meio ambiente, ecologicamente, equilibrado, com condição existencial, não só da geração presente, mas das gerações que se sucedem no curso da vida; que se respeitem as diversas culturas, tradições e populações do nosso país; que se respeitem todas as minorias (minorias religiosas, políticas e étnicas, etc); que os deficientes físicos sejam tratados com respeito. Tudo isto está consagrado na Constituição da República da Guiné-Bissau tal como o direito de votar. Mas por que se deu ênfase apenas ao direito de votar?

As nossas campanhas de educação cívica não têm abrangido estes aspectos de direitos e deveres do cidadão guineense. Por esta razão, gostaríamos de aproveitar desta oportunidade para solicitar as autoridades, governo recém-nomeado com o único objecto: preparar as eleições, no sentido de conceberem um programa de educação cívica que inclua estes aspectos.

 

Alberto Luís Quematcha.

 

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