REFLEXÕES DE UM NACIONALISTA

 

Parte I

 

NOSSO DESÍGNIO COMO POVO

 

 “… Sair do anonimato, a reconquistar a nossa personalidade e dignidade de homens e de africanos, para continuar ao serviço do progresso e do bem-estar da humanidade, dando o melhor de nós mesmos mas em plena de igualdade com os outros povos do mundo”.

              

                                                                                                          Amílcar Cabral

 

 

 

Fernando Jorge Pereira Teixeira *

teixeira_ferjor@hotmail.com

Queluz, 7 de Março de 2010

 

 

 

Introdução

 

Estas despretensiosas linhas, são frutos das reflexões tidas durante os três meses em que acompanhei, semana a semana, dia a dia, o processo eleitoral do meu País e o viver do meu povo nesses momentos únicos.

 

Parte destas minhas reflexões, já foram publicadas, na Guiné e também foram enviadas a muitas pessoas através da internet. A essa parte dei o nome de “Cartas Abertas” - um estilo literário como outro qualquer – e eram dirigidas ao “Presidente e aos Jovens”. No fundo, esse subterfúgio literário, era apenas uma forma de expor as minhas ideias, dirigidas aos Guineenses em geral através de um “hipotético futuro Presidente da República”.

 

A ideia de dar as minhas reflexões a forma de “Cartas” surgiu ao analisar as candidaturas presidenciais que existiam quando comecei a escrever: vários candidatos, cada um com as suas ideias, programam, ambições e esperanças. E mais importante, cada um, com os seus apoiantes (que acreditavam plenamente que eles seriam a solução para o país) lutando por eles e depositando neles a esperança de uma vida e o futuro de uma nação. Seja como for, cada um desses candidatos tinha um grande capital humano de revolta e esperança depositados neles. Isso me comoveu profundamente.

 

Nenhum deles era o meu candidato preferido, por várias razões que não vou enumerar totalmente aqui. Mas posso dizer que na altura eu estava a “procura” de algo mais; algo que não encontrava em nenhum deles em particular. Eu tenho a certeza absoluta que o meu país precisava de mais do que um homem ordinário que podia ser sério, inteligente, consensual ou (para os que valorizem isso) ser jovem e dinâmico até, mas isso não me bastava; Atendendo a situação caótica em que nos encontramos, como País e como Nação, precisamos a meu ver de alguém extraordinário.

 

Sentia que sem um “génio”, favorecido com uma inteligência e visão inabalável, alem de ser carismático, corajoso, determinado e brilhante em todos os domínios para o chefiar, o meu País, continuaria a ser sempre o mesmo pobre e desgraçado país que foi ao longo de todos estes anos. Eu queria mais, e achava que nenhum dos candidatos tinha condições para ser esse homem que eu “procurava” para o meu povo”.

 

Numa determinada altura pensei que se os amalgamássemos num só ser, dali sairia algo mais parecido ao meu ideal. Combinar as partes melhores de cada um e fazer um hipotético Presidente. Dali resolvi escrever as cartas a “esse hipotético Presidente. Portanto como estas cartas não foram “dirigidas” a nenhum Presidente de carne e osso, mas a uma “certa ideia de Presidente” teriam que ser publicados antes de o resultado final das eleições fosse publicado, e Presidente “real” fosse eleito. Infelizmente não consegui o meu intento por vários motivos (alguns risíveis em qualquer parte do mundo), entre eles, falta de luz, agua, transporte etc.).

 

Julgo que esta exactidão se impõe atendendo que essas diferentes partes dessa “Carta” vão fazer parte deste testemunho final. Essas ideias, esse pensamento politico que agora pretendo expor de uma forma mais sistematizada e consensual com o meu ideário politico. E serão publicados com o simples título genérico de “Reflexões de um Nacionalista”.

 

Sem esta precisão, os capítulos seguintes não serão tão claros e a minha tese não será compreendida na sua essência. Sem esquecer que algumas das minhas ideias e afirmações tiveram um tratamento aligeirado atendendo o momento que vivia o País e eu mesmo. A “primeira parte” por exemplo foi escrito “à quente”, no contexto do momento eleitoral que se vivia, com todos os seus dramas e disputas diários. Sem esquecer que, como já disse antes, “há quem vive fora do País e outros que no país não as puderam ler”. E quem já os tenha lido (na totalidade ou apenas partes) poderia não compreender a sua inserção aqui com outra ordem. Mas tenho necessidade de mudar a ordem das cartas e certos parágrafos para melhor expor o meu credo político.

 

Falo disto, para situar algum leitor menos atento e dizer ainda, que depois da “Quinta Parte” da “Carta Aberta” já ter sido publicada e neste momento já existir um Presidente “de facto”, não faz sentido continuar a escrever estas reflexões no estilo literário anteriormente utilizado.

 

Mas atendendo a continuidade lógica do meu pensamento – e como ainda “tenho algo a dizer” - estás “reflexões” continuarão no ponto em que deixei a última parte da minha “Carta”, na firme convicção de que se não agora, um dia servirão ao meu povo, pois toda minha filosofia, o meu acreditar e o meu querer é só um: Elevar a Nação em todas as suas vertentes económicas, sociais e culturais, o máximo possível, estagnando a decadência do povo, fazer marcha atrás iniciando o caminho para o desenvolvimento.

 

II

 

Continuando: Durante esse tempo eleitoral sonhava conjuntamente com o meu povo o porvir gratificante que os nossos filhos poderão vir a ter, que nós não tivemos. Falava com pessoas nas ruas, nos mercados, nos táxis, nas festas, discotecas e bares. Todas as conversas terminavam nos candidatos, nas eleições e no futuro. Se bem que para a maioria esse “porvir”, esse “amanhã” era incerto, vago e quase impossível de discernir.

 

Assisti discussões intermináveis sobre quem “devia” ganhar, mesmo se não tivesse “qualidades” de presidente, sobre quem “era” o melhor como “personalidade” para ser presidente, sobre quem era “melhor para o país” independentemente das suas qualidades pessoais. Falava-se de “males menores”, do “menos pior”, do “menos mau”, etc., etc., esquecendo que um Presidente, um dos símbolos da Nação, não pode ser nunca um “mal menor” em qualquer circunstancia.

Um símbolo nacional, como a Bandeira e o Hino tem que ter outra dimensão moral acima de significações dessa natureza. Ainda mais, num País como o nosso (no estado em que esta). Para o nosso povo, o Presidente é muito mais importante do que o Presidente para os Portugueses, por exemplo (como também de resto é muito mais importante para nós um médico, arquitecto ou qualquer outro profissional), atendendo o estádio de formação da nossa Nação e do desenvolvimento do nosso tecido económico.

 

Numa atmosfera carregada de electricidade e emoções ouvia sem poder deixar de sorrir as opiniões de engenheiros, doutores, feirantes, bideiras, taxistas, estudantes, velhos e meninos até… Na emoção do momento, na segunda volta, a irmã mais velha do meu falecido pai, minha querida tia Feia, já com noventa e tal anos, foi buscar os seus documentos para eu ver se podia votar, para ajudar mudar a tendência de voto. Infelizmente para ela aAssembleia de vota da Rua Angolanão aceitou o seu cartão de recenseamento pois tinha passado o prazo.

Mas esse facto me tocou profundamente. Se essa senhora de Farim, nascida em Bafata em 1914, tinha ainda esperança no seu país e queria fazer algo por ele, seria uma vergonha se nós na força da vida nada fizermos.

 

A campanha eleitoral presidencial, a primeira volta (e suas consequências), a segunda volta (e o resultado) e principalmente o momento actual, confirmaram a minha certeza de que as pessoas ainda acreditam (como eu sempre acreditei profundamente), que esta Nação, embora de rastos, ainda é possível. Quando digo possível não penso num país qualquer da África Ocidental, nossos vizinhos, que também não valem nada. Falo de algo mais, muito mais.

 

Nesses dias febris, senti que existe um patriotismo e latente nos adultos e jovens e que estão prontos e esperam ser chamados para a construção de um porvir gratificante, com abnegação e desprendimento. Encontrei um orgulho genuíno da nossa juventude na sua Pátria e no seu futuro como Nação, apesar de todos os trágicos acontecimentos do último decénio.

 

Nesses dias assisti sonhos destruídos e sonhos concretizados. Assisti sonhos, vivi sonhos. E fruto desses sonhos, as “minhas reflexões” são um “certo contribuir” (o mínimo que posso fazer) para o “arranque”, para o “começo” do meu país.

 

 No fim assisti a alegria da vitória na face do meu povo. Assisti a tristeza da desilusão na face do meu povo. Festejei com os que venceram e chorei com os que perderam. Eram as duas faces da moeda que é o meu povo. No fundo para nós não era importante quem perdeu ou quem ganhou. Só os burros que não percebem isso.

 

O importante para nós é ter estabilidade politica e na base disso, económica. Pois fala-se muito da instabilidade política no nosso país, como se houvesse a estabilidade económica, social ou outra, quer que seja. Não se apercebem que a instabilidade política é consequência da outra, mais importante que é a económica. Com uma economia forte, resolvemos todos os problemas do País, sejam eles castrenses ou políticos. E os políticos trampolineiros desaparecem e os militares insurectos desaparecem. Porque em verdade vos digo: não tenham ilusões, a ordem nos quartéis nunca será imposta pelos civis. Serão, um dia, os próprios militares obrigados a expulsar das suas fileiras os bandidos e provocadores de distúrbios.

 

E a instituição mais poderosa do Estado, que são as Forças Armadas, serão por fim direccionadas para outros afazeres que não políticos. E se para porem ordem nas suas fileiras, os militares tiverem que recorrer a medidas extremas contra os seus próprios pares, que seja. E não se esqueçam: o terror deve ser direccionado e o sangue derramado deve servir. O Poder Político só tem que sancionar isso. Pois para os que não sabem, a política é a actividade social que se propõe a garantir pela força, fundada geralmente no direito, a segurança externa e a concórdia interna de uma unidade política particular...”. E essa unidade política particular é a nossa Nação. E tenham sempre presente que “essa possibilidade de fazer uso da força distingue o poder político das outras formas de poder.”

O pensador que disse isto obviamente não falava de nós, mas não posso deixar de ver as similitudes com o nosso caso concreto. Mas aqui faço um aparte para dizer que quem quer resolver os problemas da Guiné tem que “proteger a economia”; tem que ser “O Protector” dos ainda poucos empresários guineenses. Proteger os agricultores, “ponteros”, exportadores, operadores turísticos, pescadores, em suma proteger quem trabalha. E proteger, não é dizer apenas “eu protejo”. Proteger é com leis, com decisões, com a capitalização, com proteccionismo nacionalista quando necessário. Em suma há que enriquecer os Guineenses.

 

Baseado nestes pressupostos, devo aqui e agora, fundamentar certas afirmações, escritos e ideias anteriores a este documento que deixei sem o respectivo desenvolvimento, pois aqui pretendo, sem subterfúgios, expor o meu credo político. Por isso aqui e agora, assumo que o meu objectivo declarado é ajudar a despertar a Consciência Nacional Guineense, que entendo dispersa nas diferentes tribos, etnias ou raças que compõem este País. Mas esse despertar não deve ser um fim em si, mas apenas um meio de reincorporar este povo num processo genuíno e endógeno de reconstrução espiritual e material.

 

Por isso, nesta hora em que ninguém da um tostão por este povo, temos que acreditar nos Guineenses. Não, apenas porque amamos genuinamente este povo, não apenas porque somos Guineenses, não apenas porque o nosso povo não é inferior a nenhum outro povo, não apenas porque cada recanto deste triangulo que é a nossa pátria, foi palco de heroísmo impar, mas realisticamente, porque este sofrido povo já deu provas de que pode superar-se e realizar impossíveis

 

E como a predisposição para o sacrifício deve ser sempre maior quer o próprio sacrifício. Só podemos galvanizar o nosso povo à construir uma Nação única, coesa, digna, de verdade, se o amarmos infinitamente mais do que “merece” ser amado, nesta hora que parece que se rendeu ao infortúnio. Porque na hora que ele se levantar, na hora em que for acordado de novo, em verdade vos digo, a terra tremera.

 

Temos até de acreditar, se preciso for, que o nosso povo é mais do que é. Temos que acreditar que é esse é o mesmo povo que gerou Abdul Indjai, Unfali Soncó, Mussá Moló, Bacampolo-Có, Okinka Pampa, Honório Barreto, Amílcar Cabral, Domingos Ramos, Osvaldo Vieira, Simão Mendes, José Carlos Shwarz e tantos outros, poderá sublimar-se e superar a si próprio; e quem sabe se das dores dos morticínios, da guerra, dos golpes, e sofrimentos sem fim, não brotara do seio do povo Guineense uma nova plêiade de heróis…

 

 

 

III

Ambiciono, como todos vós, fazer algo pela minha pátria, mesmo que seja apenas ajudar a formar a consciência colectiva, da necessidade, como Cabral dizia, de reconversão de espíritos e de mentalidades. Pois hoje acredito, mais do que nunca que, parafraseando Cabral, chegou a hora de decididamente “… sair do anonimato, a reconquistar a nossa personalidade e dignidade de homens e de africanos, para continuar ao serviço do progresso e do bem-estar da humanidade, dando o melhor de nós mesmos mas em plena de igualdade com os outros povos do mundo”.

 

É neste acreditar, que não temo o futuro; sei que somos mais que capazes, conheço a predisposição e a alma Guineense para travar combates heróicos, e sei hoje estamos muito mais bem preparados do que no passado. Com quadros capazes, técnicos competentes e jovens conhecedores do mundo para onde os acontecimentos desta última década os empurraram. E como todos os males tem o seu lado positivo. A diáspora de 1998 permitiu que os horizontes de muitos guineenses, que de outro modo nunca teria saído do seu País, se alargassem e a verem como vivem outros povos. E a viver no meio de outros povos. E a entenderem que eles como aqueles são iguais. E podem viver bem na sua terra se forem bem governados.

 

E nessa ordem de ideias, “perdoaria” todas as mortes, as centenas de vidas desperdiçadas em fuzilamentos, execuções sumárias, golpes e contra golpes que se sucederam nestes últimos decénios, se isso fosse o amargo preço que tínhamos que pagar para por fim erguermos esta Nação. Pois a mim não me importaria muito que o País não tivesse sido “desenvolvido” económica e socialmente pelos diferentes governos e desgovernos que aqui se sucederam, conquanto tivessem preservado um povo consciente e orgulhoso de sua identidade e pertença a esta Pátria.

 

Chegou, portanto, a hora de amarmos finalmente o nosso povo. Chegou a hora de acreditar que “tudo podemos”, porque sem acreditar, nunca seremos nada mais do que um bando de tribos desgarrados ao sabor dos agrestes ventos da história.

 

São estes propósitos me fazem escrever, que me compelem a voltar na noite dos tempos, para procurar e analisar como um simples cidadão e filho deste povo, os motivos presentes do nosso total descalabro como Nação e como Povo. Começo pelo “começo”.

 

 

Parte II

 

 

A “Guinendade” como Ideologia Nacional

 

 

 

 

Temos que construir um Estado Novo na nossa terra, baseado na liberdade do nosso povo, na democracia, no trabalho para o progresso. Temos que construir a Consciência Nacional do nosso povo (…) 

 

Amílcar Cabral

 

 

A Guiné não pode existir sem os Guineenses e nem os Guineenses sem a Guiné. Só este pressuposto é real, “certo” e “justo”. Mas a sua “justeza” se consubstancia na visão inconteste de que, como só há uma Guiné, também só pode haver um único “povo da Guiné”, independentemente das suas tribos, raças, ou misturas étnicas. A realização deste desígnio pressupõe, a longo prazo, um suicídio étnico, tribal e religioso em última instância, para por fim se construir a Nação. Quem afirma o contrário não é Patriota nem Nacionalista.

 

Cientificamente esta provado que todos os povos são formados por vários núcleos raciais ou tribais. E seguiremos o caminho de todos os povos do mundo, que partiram sempre de vários tribos para criarem as suas nacionalidades ou raças. E nenhum poder no céu ou na terra pode impedir isso. É só uma questão de tempo e a natureza seguira o seu caminho. E a natureza não tem partidos nem ideologias. Isso tem sido demonstrado abundantemente pela história de diferentes povos por este mundo fora.

 

A construção de uma Nação não é um objectivo “finito” – mas é o objectivo primordial, o mais importante -, mas é um processo contínuo que não tem (e nem pode ter) um fim. Nesse sentido (e só nesse) a Nação não é um “fim em si”, é uma ponte, um caminho, a ser percorrido por nós, nossos filhos, netos e bisnetos, como o percorreram, no seu tempo, nossos bisavós, avós e pais. Transforma-se e enriquece-se cada dia com as pegadas, boas e mas, grandes e pequenas, humildes ou orgulhosas, que cada um dos seus cidadãos vai deixando no solo pátrio.

 

Mas se a Nação é um caminho e não um fim, a “Consciência Nacional” - no nosso caso a nossa Guinendade - é um “objectivo” finito na mente dos povos. Pois só quando um povo tem “consciência de si” enquanto povo, ele o “é” de facto. Por isso a Consciência Nacional, para mim, é um “fim em si” que deve ser estimulado e interiorizado no nosso povo de todas as maneiras possíveis e imaginárias.

 

De facto, a Consciência Nacional sob pode desenvolver e tornar-se parte de nós próprios com a destruição progressiva das amaras tribais. E sendo realista, sei que a Nação só pode ser construída em cima dos “cadáveres em decomposição” das tribos que hoje fazem parte do nosso mosaico nacional. E quando o curso da natureza humana é orientado por um Governo lúcido e clarividente, amparado num Estado forte os conflitos sócias se atenuam e o desenvolvimento natural e nacionalista das tribos é mais rápido e harmonioso

 

Na verdade, todas as Nações, neste mundo actual em que vivemos, que pretendem alcançar o desenvolvimento e o bem-estar dos seus cidadãos, têm de fomentar a educação, urbanizar-se e modernizar-se. E isso só pode ser sustentado e sustentável se alicerçado num estado forte e centralizado, fruto de Unidade Nacional dos seus cidadãos que tem que ser conseguido a todo o custo. Não menos importante, deve substituir ou suprimir as formas tradicionais de organização social, como as tribos, etnias, classes ou seitas diversas, por formas economicamente racionais, baseadas funcionalidade e na eficiência.

 

O tempo muito curto da nossa existência como País independente não permitiu a criação de um verdadeiro Estado/Nação alicerçado numa Cultura Comum, consubstanciada em língua e valores identitários partilhados por todos nós. Valores esses que são as pedras angulares para a formação de uma Nação. Esses valores geralmente estão na consciência colectiva de um povo, antes de se transformarem em símbolos máximos de identificação como a Bandeira, o Hino e o próprio Nome do País.

 

Devíamos ter sido em primeiro lugar uma “Entidade Cultural” unívoca, dada pelas tradições, as línguas nativas, crioula e portuguesa. Pela miscigenação e prática educacional já nos inícios do século passado. Portanto, antes de ser um Estado/Nação, a Guiné, devia reconhecer-se numa Cultura Comum, que iria buscar a sua legitimação no sentido de pertença a uma comunidade, com um conjunto de “crenças, valores e aspirações comuns.          

 

O valorCultura Comum”, no nosso caso, devia anteceder (histórico e socialmente) ao valorNação”. Só assim a Consciência Nacional poderia ter um chão adubado por onde medrar e florescer. Pois a Nação só surge quando indivíduos, da mesma origem, com os mesmos interesses económicos, morais, culturais com um passado comum de tradições (este, mais importante que os outros) unem-se em torno de ideais crenças, valores e aspirações comuns.

 

A Guiné, portanto, devia primeiro ser uma “KulturNation”, se quisermos, por oposição a “StaatsNation”. E o Estado-Nação Guineense como o conhecemos agora seria mais coeso e objectivamente mais bem estruturado e definido. Esta minha tese procura uma legitimação essencial, a posteriori, no pressuposto de Cabral que entendia a Luta de Libertação como “apenas” e “só” um dos caminhos para a Construção da Nação. E consequentemente a Libertação Nacional é necessariamente (aqui entendido no seu sentido Kantiano) um “acto de cultura”.

 

Mas só seriamos uma “KulturNation”, se paralelamente a “ideia da Libertação Nacional” (anterior a Luta de Libertação), fosse desenvolvida a “ideia da Guinendade”. Pois a Nação só existe e se desenvolve em função da maturidade da Consciência Nacional do seu Povo. E o que é a Consciência Nacional Guineense senão a nossa Guinendade? - Isto serve para definir de uma vez para sempre este conceito (cujo o Pai espiritual foi Honório Pereira Barreto), ainda ambíguo, para muita gente.

 

E essa “KulturNation” teria como ideologia e fautor da sua existência, a “ideia” da “Guinendade”. Que não é, nem mais nem menos, do que esse já referido conjunto de “crenças, valores e aspirações comuns”.

 

A “Guinendade” é portanto o conceito “permanente”, “invisível”, “secular”, se quisermos, que esteve na base da gestação da nossa Nação e é anterior a “Luta” e “Independência”. É essa “Guinendade”, que conheceu a sua gestação nas míticas Geba e Cacheu desses tempos, já se teria tornado a “Ideologia Guineense”, com o seu conjunto de valores e crenças, que consolidados numa união de povos, seriam o imperativo da razão da nossa existência como Nação. E essa ideologia estaria sempre presente nos espíritos, independentemente da forma que o Estado Guineense contemporâneo viesse a assumir.

 

Mas infelizmente a “Guinendade” como “valor intrínseco” e imorredoiro para a cimentação da Nação foi combatida, pelos colonialistas Portugueses, e não só, como um nacionalismo retrógrado, de vistas curtas que não entendia que o “mundo português era formado diferentes nações debaixo da mesma bandeira”. E só nesse universo a Guiné poderia ter um futuro (pela sua pequenez nunca poderia ser uma nação independente). Para a nossa desgraça, muitos bons patriotas, isolados do mundo, sem uma liderança forte, acreditaram neste canto da Sereia. Então a “Guinendade” pura, livre, rebelde, amante do seu povo e da sua terra, dormiu durante muitos anos nos corações de Guineenses.

 

 E os acontecimentos tomaram outros rumos. E anos mais tarde, o Estado que vai ser implantado depois da Libertação Nacional, fruto de uma ideologia dita “mais progressista” combateu sem piedade a Guinendade. Advogava erradamente o seu “suicídio” ou esquecimento numa fusão de doutrinas revolucionárias e mudança de mentalidades que pugnava pela união da Guiné e Cabo Verde. E nessa nova concepção do mundo, a “Guinendade”, (nacionalismo “estreito”, segundo a visão dominante) não tinha lugar.

 

A quem pense que o “Estado é a expressão da Nação politicamente organizada”, não no nosso caso. Porque para nós Guineenses, a fórmula no “Início havia o Povo”, que depois criou o “Estado”, não se aplica. Aqui, no início houve a “Ideia de Nação” (a “Guinendade”), que depois amamentou a “Ideia do Estado” que por sua vez vai “criar” o Povo. E é esse Povo criado destas premissas que vai construir a Nação. Como a Independência não se “da”, toma-se. O Estado “proclama-se” sobre direitos inalienáveis. A Nacionalidade “funda-se” em cima de uma comunidade de indivíduos unidos por uma ideologia, cultura e um território comum a que chamam Pátria. A Nação não se “cria”, forja-se sobre cadáveres de heróis (assim foi com todas as nações do mundo).

 

A quem pense que nós, então que cidadãos Guineenses, no tocante a realização da Nação, temos um dilema entre a nossa “identidade crioula” e a “tribal” em contraponto à “Nacional”. A mim não me “interessa” nem a identidade crioula nem a tribal no geral. Apenas me interessa verdadeiramente a “Identidade Nacional”. A Identidade Nacional como síntese das outras, produto da antítese delas. Essa antítese é o próprio desaparecimento gradual das outras duas.

 

Entendo, dialecticamente, que a “Identidade Crioula” e a “Identidade Tribal” são uma Unidade de Contrários, que da sua resolução (da contradição), germinara a Identidade Nacional futura. A identidade crioula desempenhou o seu papel de demiurgo na gestação da “Ideia da Nação”, agora deve “retirar-se”, do processo da formação da Nação em si, parindo, do seu ventre prenhe pela Identidade Tribal esse filho comum que é a Identidade Nacional. Portanto, resumidamente, só deve existir/coexistir, durante um tempo indefinido, duas identidades no espaço sociológico da Nação: a Identidade Local (apenas tribal) e a Nacional (crioula e tribal numa só). Pois todo o ser crioulo Guineense é uma mistura cultural e de sangue. Sangue tribal na alma crioula.

 

O nosso Estado Nacional futuro tem que ser mais forte do que as suas partes constituintes, que são as tribos e as suas fusões. E estes devem se “suicidar” progressivamente enquanto entidades singulares, no altar da Nação comum. E com o seu sacrifício fortalecerem o Povo e a Nação Guineense. E lembrem-se do que disse Cabral: “A verdade é o seguinte: é que o tempo de tribos em África já passou.

 

Num País organizado, economicamente viável e socialmente desenvolvido, o orgulho de ser Guineense falara mais alto do que o ufania de pertença a uma tribo, qualquer que seja ela (num tempo recente estivemos no início desse processo). Os cidadão têm que amar mais ao seu país do que a sua tribo ou religião.

 

O verdadeiro Guineense, aquele que um dia chamarei, sem demagogias ou falsos nacionalismos de “Puro Guineense”, é o fruto da mistura sanguínea e cultural de Balanta com Manjaco, de Fula com Beafada, de Papel com Criston, de Mandinga com Mancanhe, etc., etc.

 

Ele será o genótipo desta união de tribos; Dele surgira o biótipo Guineense, esse tal “Puro Guineense” que não saberá se é Felupe, Bijagó, Papel, Mandinga, Mancanhe, Nalu, Manjaco ou qualquer outra tribo. É ele que um dia será o herdeiro desta Pátria.

 

Será ele o resultado da Revolução Guineense.

 

É por ele que eu trabalho. E esse trabalho é preparar a sua vinda.

 

 

Atenciosamente

 

Arq. FERNANDO J. P. TEIXEIRA

 

 * Licenciado em Arquitectura (Rússia 1991). Pós graduado em Urbanismo (ISCTE)

 


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