No Reino... dos Djugudés

Abutres - Foto de Carlos Galveias

 

 

Por: Francelino Alfa

02.10.2008

 

Sincú, um menino forte, alegre e cheio de vida, ia quase todos os dias à hora do almoço, levar comida à mãe. A caminho da horta, qual seu espanto, não havia santo dia que não se encontrava com estas aves, um pouco estranhas, que têm a particularidade de bambolear ora do alto da copa das grandes árvores, ora na cobertura das casas, ora ainda nas estradas à procura de comida, e por coincidência – e ele achava isso muito estranho – sempre no seu percurso para a horta dos seus pais nos coqueiros, que ficava quase no centro da cidade capital.

 

De tantas vezes cruzar com os bichos, não resistiu um dia perguntar à mãe acerca dessas aves estranhas e curiosas que vira umas horas antes na estrada. O pai que já o conhecia da sua medrosidade, disse-lhe que os necrófagos não faziam mal a ninguém e que se chamavam djugudés. A pouco e pouco, ia familiarizar-se com os abutres (ele não podia com os bichos, achava-os horrorosos!). Um dia porém, parou, observou-os cuidadosamente, e atirou-lhes uma pedra; os animais levantaram voo e fugiram. No dia seguinte, encontrou-os novamente; observou-os de alto a baixo e disse – rindo para consigo – que apesar de serem feios, de mau nada tinham. Já no terceiro dia, meteu-se novamente com os bichos, quanto mais não seja, as aves fugiram para não mais os ver!   

 

Sincú, sempre intrigado, chegou de novo ao pé da sua mãe e disse: - <<mãe afugentei os djugudés>>. Esta respondeu-lhe prontamente: - <<oh filho, estes animais podem ter todos os defeitos do mundo mas não fazem mal a ninguém. Sabes por que é que as pessoas, sobretudo as crianças não gostam deles, perguntou-lhe a mãe. Porque além de serem feios, comem tudo e mais alguma coisa, até comem pessoas, respondeu-lhe a mãe>>.

- Comem pessoas?! Por que é que não os matam todos perguntou Sincú.

- Não.

- Mas se comem pessoas?!

- Olha meu filho, não comem pessoas vivas; em África estes “predadores” participam no ciclo da vida e da morte. O seu papel é o de fazer desaparecer os cadáveres; como não são aves de rapina, comem bichos mortos... e também, quando um local está infestado com porcarias, limpam-no; mais meu filho, essas aves são em grande medida, ajudantes dos serviços de limpeza de várias cidades e localidades!

- Como, se só gostam de coisas podres e espalham lixo por todo lado, e não nos dão carne e leite para nos alimentarmos?

- Sabes meu filho, também são criaturas como nós.

- Quê mãe?! Não, não pode ser; nós somos pessoas, humanos portanto, eles não mãe, ripostou Sincú.

- Tu não sabes que há humanos que matam humanos?! Sincú estupefacto responde: - <<não me digas mãe!?>>

- É verdade, meu filho. Antigamente, em certos lugares do mundo, os homens comiam-se uns aos outros; eram conhecidos por canibais; hoje em dia, os homens matam-se por causa do egoísmo, da agressividade, da intolerância, da ganância, do poder, do dinheiro, da inveja, do amor... etc.

- Ah, mãe, onde mora o rei Shaka Zulu? Ouvi dizer que ele é mau?  

- Mora naquelas casas pintadas de branco, onde há muitos guardas, membros do corpo de segurança fardados e armados... Fica a meio do caminho para a horta; é aí o palácio do rei. Sim, filho, os homens, os políticos e os militares... têm muito medo dele; ele tem uma claque bastante poderosa e a sua estratégia de poder pessoal faz-se sempre à custa da vitimização e da cabala. Sabes filho, algumas pessoas agem assim porque vivem obcecadas pelas suas possessões e pelos seus territórios.

- Eu sei. Mas porquê?! Confesso que tenho muito medo dele! E o que é que ele faz?

- Olha filho, para te ser sincero, não sei. Só sei uma coisa: - <<ele ou está fora do país ou está sempre enfiado no seu palácio e ninguém o vê e, quando sai cá fora, à rua, traz consigo sempre uma imponente e aparatosa escolta militar ou faz denúncia de tentativa de golpe de Estado para derrubar os governos legítimos do seu reino; não diz nada acerca da pobreza e dos problemas estruturais gravíssimos com que o país se confronta, e mirando toda a gente como que a dizer: -...truques e golpes baixos... cá eu sei; esfolem-se, matem-se...eu não brinco em serviço; bem vos avisei que o trono há-de ser meu e só meu até ao fim dos meus dias>>. Ele fica sempre na sombra... vê tudo, sabe tudo, prevê tudo e “nunca dorme”!

- Então é por isso que as pessoas dizem: “-...go home...go home...” Yes! Go home!

- Não entendo nada do que estás para aí a dizer. O que é isso, filho?

- Oh, é inglês, mãe! É língua inglesa! Significa, rei vai para casa...descansar! Agora toda a gente está a aprender inglês. Eu também vou aprender inglês. Mãe, já entendo por que é que as pessoas dizem que é para ele ir-se embora...e acho bem que se vá embora, pois é das pessoas, senão o principal responsável pelos problemas do país, pela sua degradação e atraso. A todos os níveis! A dinastia Shaka Zulu regressou em força e os problemas voltaram...os cadáveres políticos. Acrescentando a isto, a vergonha que muitos têm da nossa terra e da falta de auto-estima que sentem hoje, com queixumes...às vezes, dissimulados e mitigados através de duas palavras: orgulho guineense.

Como povo, temos o que nos é intrínseco e que pode ser potenciado e desenvolvido a bem da Nação, mas este rei fala vagamente das coisas e não fala das potencialidades do país; das estratégias, dos objectivos e da ambição que o seu reino deve assumir à semelhança de outras monarquias!  

- Não te esqueças do francês, filho. Aqui no meio, é importante e fundamental. É bom saber falar línguas. Não tive essa sorte porque os meus pais não tinham capacidades económicas, por isso não fui para a escola, com muita pena minha. Podia ter tirado a carta de condução...ou ter sido médica, que era um dos meus sonhos. Sabes filho, saber ler e escrever, ajuda-nos a pensar melhor; dá-nos elementos racionais com os quais podemos formar a nossa própria opinião sobre a seriedade e a capacidade, bem como a proposta dos nossos líderes; a Educação ajuda na formação de consciências e na mudança de mentalidades. A Educação está na base de toda a criatividade de uma nação. Um país onde as pessoas são muito instruídas e com preparação, desenvolve-se mais depressa do que um país em que a maioria da população é pouco instruída e analfabeta. Uma sociedade que descura a ciência, o conhecimento, o saber e não se preocupa com os seus talentos, é uma sociedade atrasada e sem futuro.

- C´est la vie, ...donner rendez-vous mãe! Á bientôt...au revoir! Mas deixa lá que eu vou estudar muito...muito mesmo, e converter-me-ei ao budismo, e deixarei de beber todo o tipo de bebidas alcoólicas incluindo o “petcho” (“´nsunsum” nem pensar!...faz bem à saúde), e vou voltar para ser Presidente rei/rei dos pobres, pois sou do povo e gosto de estar com o povo, e tenho um sonho: salvar este reino das agruras do rei Shaka e da maldita coca, e trabalhar para a paz, progresso e desenvolvimento do país!

E a mãe ria. - Agora já falas francês é?! Não sabia! Filho, vamos mudar de assunto. Sabes, os animais também são filhos de Deus e têm direito à vida como nós humanos. Ninguém tem o direito de tirar vida a alguém só porque não gosta dele ou por outro motivo qualquer. Por isso meu filho, a estes animais, ninguém deve fazer mal. Foi assim que Sincú apesar de não gostar dos djugudés, pensa que a vida e o dom da vida são as únicas coisas que realmente contam. Portanto, viva a vida! E tomou consciência da necessidade de protecção de todos os animais, e hoje, muitas espécies estão em perigo (bem como as nossas florestas) e em vias de extinção, devido à incúria, à crueldade e à falta de coração dos homens.

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Este texto é mera crónica, e qualquer semelhança com a realidade é apenas coincidência.

 

O presidente Nino Vieira pediu encarecidamente “Socorro” e reconheceu que já não controla mais nada, principalmente a estrutura militar de que é Comandante-Chefe, tanto que explicou: aviões e barcos chegam e saem do país sem o meu conhecimento, ou seja, que não tem mais autoridade.

 

GOVERNO: CUMPRIR APENAS COM AS OBRIGAÇÕES DE GESTÃO!

 

À bientôt/Até logo, até já; logo, dentro de pouco tempo; em breve

 

Au revoir/Até a vista, até mais ver!

 

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