NO LIMITE, TAMBÉM SE VIVE

 

Filomeno Pina  *

filompina@hotmail.com

01.05.2014

No limite também se respira livremente do mesmo ar, partilhando sem darmos conta o mesmo espaço, com gente dentro, desde que o mundo é para todos, uma única Casa.

Enquanto o céu e a terra não se colarem, será assim o nosso destino. Haverá sempre esperança de encontrar caminho alternativo e chegar. Depressa ou devagar, quando parece impossível, menos importa, há esperança de dormirmos descansados um sono profundo e reparador, acordar melhor do que ontem, ou não. Mas a vida continua, o mais sagrado da nossa existência terrena, sem dúvida.

 

O travesseiro poderá ser rude como a vida, por vezes cruel, mas, é fiel testemunha da cabeça quente, quando pensamos várias vezes sobre o mesmo, sem solução, numa redundância impotente, que descreve a nossa tentativa falhada em busca de “vitórias”, por vezes a terminar em sofrimento humano, continuamos a bater no mesmo.  

Acostumados, já não dói e não há desistência, não se cansa da repetição saudável do pensamento compulsivo, num ritual com fome de ideias persistentes, impostas no limite, e vive-se, vamos e vimos quantas vezes, até acomodar no nosso limite. 

                                                                                                                  

Um pensamento agitado concorre no limite pessoal de cada um, persegue um sonho atado à cintura, traz toda a calma necessária para flutuar, disfarçado, enquanto navega nas curvas da comunidade familiar, traz alegria de infância estampada no rosto, chegado a adulto, é uma expressividade carregada de rugas, de linhas com história de vida, linha-a-linha contadas na sua memória facial no tempo, e apenas porque sabe de si, enquanto um desesperado no controle do território social, que a vista oferece, como oportunidade de luta até vencer o dia inteiro, um dia de cada vez como se fosse o último…

Nisto, todos os dias não desiste, faz e vai fazendo tudo sozinho, como quem constrói um castelo sem areia e pedra, com água, para matar a sede, só.

 

Um vivente no seu limite e no meio da multidão, vive, põe à prova o amor-próprio, que trouxe imune à dor, a tristeza, a infelicidade, vindo duma trajetória difícil trazido até aqui, hoje como adulto e maturo, continua no palco da vida, prefere continuar a ser musgo em pedra dura, a viver como uma flor exótica num canteiro público, regado a mijo na calada da noite…

 

Conserva o amor que bicho não pega, não come, não conhece sequer, é puro e duro, que mantém viva esta energia vital deambulando nos territórios da Cidade, na sobrevivência apressada durante o dia, desesperada e caótica que é, mas cumprir mais um dia, é sempre fiel ao estados de espírito.

 

Reconhecida como instinto, este limite precisar de "tinto" de uvas, para enganar o estômago, como suplemento quase único, alimento.

 

Já houve “leite” da Mãe, como testemunha viva em tempos longínquos, mas hoje longe e sossegada, só espera ouvir o coração fora do peito, palpitando longe mas perto, já quase sem som do seu rebento, mas presa no silêncio vinculativo está, esperançosa que sustenta esta ressonância afectiva, de quem tem coração no mundo em que vive “preso” às gentes que a natureza oferece, sem mais...

 

No limite encaramos vida tal e qual, como a saliva na boca pronta a ser cuspida diante dos outros, sem etiqueta ou pudor, sem medos.

 

Vivendo às vezes no fio da navalha, mas sem magoar ninguém, numa solidão com gente dentro. Nesta sociedade global como família alargada, lembrando umas cuecas largas e rotas, que não se seguram na cintura, somente presas no estendal ou no corpo, ficam acertados no sítio, exercem alguma função física e psicológica, sem deixar no entanto de ser problema para resolver.

 

Talvez por aí, a angústia escondida no fundo das cuecas, é quase o segredo onde podemos ler a persistência do roçar peculiar duma ansiedade angustiada, de vida dura ou duma história de vida triste, no seu limite. Sempre no mesmo sítio, actuando a esfregar até que arranja lugar cativo, furando o pano, para se impor no lugar, “furados” se ganha o nome de doença crónica, de “cuecas furadas ao estendal” ou diagnóstico de pobreza escondida, envergonhada, com o rabo de fora, será?

 

Por um lado faz a carne mais resistente com calos no cu, por outro, pode até denunciar a morte envergonhada de alguém que a vida encostou entre a espada e a parede. Perdemos o cu mas ficam as cuecas e os buracos, feitos “selo” ou sinal, anunciando alguém que as manteve no seu limite até onde pode resistir, e não passou deste, um passo fatal, para não perder o estatuto de cidadão normalizado, impotente mas educado, nesta desonra sofrida sem manifestar sequer sua dor, a revolta, e ainda conseguir estar nesta vida, dentro do limite!

 

Visto como exemplo, isto, ajuda a perceber o limite até onde chegou uma vida, aqui atrás desta janela na foto, aparentemente fechada, mas alguém espera que o sol aqueça os retalhos da sua vida, acredito. Pendurada no estendal com toda a dignidade, para sair à rua com ou sem as “bolinhas” no sítio certo, a dançarem de um lado para o outro em busca de vida com dignidade, mas demitidos das ocupações ditas normais…

 

Nisto está gente madura desta sociedade, com certeza honesta, séria, atenta a tudo, mas que fez um pacto com Deus, “…não matarás” é a lei, por isso ainda assim, neste limite se vive com a revolta contida, quase explosiva, marcando passos no mesmo sítio do costume, no limite das suas vidas, para não explodir de vez.

 

Este limite é consciente, persistiu na descarga fazendo buracos neste pano, é o rosto desta paciência esgotada do Povo, o cair duma nódoa no pudor fragilizado, na auto-estima esburacada, mas firmemente através de um corpo atrás do pano ou da janela, vive-se com dignidade. Sem utilizar ninguém como objecto, há gente boa, e sabemos que alguém sobrevive e resiste no seu limite, sem abandonar o Ser! 

 

A solidão normalmente impõe tudo à força e vence quase sempre, por tempo indeterminado, mas não há mal que perdure sempre. Mas este Ser atrás do pano, ainda tem forças para esperar que o  sol faça o seu trabalho ao ar livre, a borla. É bom sinal, porque resiste.

 

Pedir ajuda aqui confunde tudo e pode parecer pedir desculpa pelo "buraco-social" existente chegado às cuecas, sem mudar de pano ou de sociedade, o mesmo, no reino duma solidariedade hipócrita, onde cada vez mais as "portas" se fecham, deixando por ironia uma janela atenta…

 

Não vá o político furtar-lhe as cuecas (ao cidadão explorado) e, passar a ser moda, usarem cuecas rotas no cu, e aí é pior, tem a porca de torcer o rabo para tapar o cu, porque tudo que é moda, sabemos nós, fica mais caro.

 

Porque é a verdade nua e crua, vale a pena  uma janela aberta para a sociedade, o que significa antes de mais que há gente dentro, do que uma mansão fechada a sete chaves, sem vida lá dentro!

  

Viver no limite, quase sempre está ligado ao imprevisível, ao limite da paciência, da nossa tolerância à frustração, ao sentimento de compaixão em relação ao próximo, da estabilidade psicológica e física da pessoa, estando também “ligado” ao stress, a solidão, a depressão, a melancolia, ao medo, a dúvida, a convivência do individuo no seu dia-a-dia, e tudo isto é uma constante, embora incerta, está contida no viver no limite de cada um de nós.

 

Este “limite” acorda connosco e veste sempre a mesma roupagem emocional e física reflexa do dia-a-dia ou anda “nu”, de cara destapada, ocupando o ser na totalidade, para mais um dia de sol a sol, como um traço forte no carácter, neste vínculo sem período de descanso, que nunca deixa de ser quem é, do próprio, no seu limite!

 

Quem desconhece o seu limite, não sabe o mal que faz aos outros, só.

 

Djarama. Filomeno Pina. 

 

Filomeno Pina 

* Psicólogo clínico U.C.

 

 COMENTÁRIOS AOS DIVERSOS ARTIGOS DO ESPAÇO LIBERDADES


VAMOS CONTINUAR A TRABALHAR!

www.didinho.org

   CIDADANIA  -  DIREITOS HUMANOS  -  DESENVOLVIMENTO SOCIAL