Natal sem Pão, nem Esperança e com Greves

(Ponto de Vista)

 

 

Por: Rui Jorge  da Conceição Gomes Semedo *

 

rjogos18@yahoo.com.br

Rui Jorge Semedo

16.12.2008

“A dificuldade que a União Europeia enfrenta na sua cooperação com a Guiné-Bissau explica-se pelas constantes quedas dos Governos”.

 

Franco Nulli

 

 

Apesar de constitucionalmente pertencermos a um Estado laico, não se pode negar que herdamos da colonização uma forte cultura cristã. Ou seja, nossos hábitos sociais se assemelham mais à cultura ocidental do que de outras civilizações. Uma das principais heranças, além da língua, é o hábito de comemorar a quadra festiva. Momento em que parte considerável da família guineense conseguia levar para a sua humilde mesa, uma “única refeição anual de carne”, às vezes, acompanhada de um copo de vinho num ambiente familiar, que faça esquecer a pobreza, como diz o músico. De uns anos para cá, a possibilidade de conseguir fazer essa única “boa refeição anual” é quase impossível. A alegria da maioria dos guineenses ficou entregue ao desespero, aliás, que ainda não se transformou em tragédia, porque os imigrantes têm sido solidários com as famílias. Os guineenses hoje estão convencidos da incapacidade do Estado em resolver seus problemas e, nos diferentes meios de convivência social, não é incomum escutar pessoas a dizer da ausência ou fracasso do Estado.

A desestruturação a que o País chegou, nos faz obrigatoriamente responsabilizar o Governo por toda essa situação, que é uma verdade. Mas, só que, não se pode atribuir culpa ao governo, pelo menos, nessa nossa curta experiência democrática, sem responsabilizar os Presidentes Nino Vieira e Koumba Ialá pelo estado de caos. Por que afirmamos isso? Se nos permitirem, essa é a leitura que passaremos a fazer. Por opção própria, talvez não seria “pertinente” começar a fazer o relato de A a Z, porque a história já fora contada inúmeras vezes e se tornou azeda escutar. Apenas iniciaremos a partir do pleito de 2004. Após longos anos de incertezas e, principalmente, de desastre institucional provocado, principalmente, por Koumba Ialá, a “sorte” fora generosa com o país nesse pleito e nos proporcionou um Executivo que, apesar das dificuldades, estava a tentar estruturar a vida social e económica nacional. De repente, por determinação de forças exógenas e endógenas, tivemos o desprazer de ver o General Nino a assumir a presidência. E, no espaço de pouco menos de um mês (após a sua posse) por falta de senso institucional derrubou o governo que estava a tentar fazer correcções dos erros que o próprio Nino Vieira, Koumba Ialá e seus discípulos provocaram. Depois, condenado pela própria consciência, Nino Vieira afirmou nas vésperas desta última campanha eleitoral (2008) que derrubou o governo do PAIGC sob a liderança de Cadogo Júnior porque o fizeram acreditar que era necessário fazer isso. Mas como? Como é possível acreditar fácil e rapidamente e, pior ainda, cometer um grave erro político e jurídico? Onde estão os assessores políticos e jurídicos? Onde está a experiência de longos anos de mandato?

A dúvida que a sociedade não tem, é que a “boa gestão” e a regularidade no pagamento de salário que existiam naquele governo sofreram desequilíbrios porque seus sucessores foram incapazes de atender as demandas de governação. Reflexo, hoje vive-se num desespero de quatro ou cinco meses de salário e subsídio atrasados. Que fazer agora Sua Excelência, Senhor Presidente da República, General Nino Vieira? De quem é a culpa por esse estado de desespero social? É do actual Governo? Ou são as suas mexidas impróprias, responsáveis por esse “n´dalé ká”? Aliás, ainda na semana passada, o representante da União Europeia, Embaixador Franco Nulli, no encontro com os jornalistas afirmou que a maior dificuldade que a sua instituição encontra na cooperação com a Guiné-Bissau é a constante queda dos Governos. Esta mensagem não deve servir aos jornalistas, é indirectamente, um gentil recado ao Presidente da República, que deve reflectir nos custos e benefícios dessa atitude impopular e anti-desenvolvimentista. É bom que se saiba que as instabilidades não são provocadas apenas pelo cantar das balas. Ela também advém das atitudes anticonstitucionais e o uso excessivo de prerrogativas constitucionais.

A penitência que hoje se vive, é o reflexo de abuso do poder. No entanto, teremos novamente Cadogo Júnior a liderar o Executivo, e na sua primeira entrevista aos dois órgãos públicos (RTGB e RDN), mostrou sentir saudades da presidência do Senhor Henrique Rosa, ex-Presidente que segundo Cadogo Júnior colaborava para que o governo encontrasse soluções para as suas árduas tarefas. E do presidente Nino Vieira, o que podemos esperar? Será que terá a coragem de novamente derrubar o Governo que brevemente tomará a posse? Se isso vier a acontecer, a nossa leitura é a seguinte: se derrubar o governo, pode significar o anúncio da morte política, mas, se conseguir esquecer o orgulho, o poder e os compromissos indevidos, e deixar o Executivo cumprir o seu tempo de mandato, pode significar a “restauração da imagem política”. Se conseguir cumprir o segundo pressuposto, podemos atribuir certificado de incompetência ou de competência ao Executivo. Muito embora, sabe-se que dentro dos partidos existem “Lobbys” para derrubar o seu próprio governo e poder dar oportunidades a outros militantes para apenas terem acesso às redes da corrupção que o poder oferece na Guiné-Bissau.

Neste País é muito incomum as visitas dos governantes aos estabelecimentos públicos, como hospitais, escolas, etc., para se inteirar da realidade social e laboral. Por exemplo, é angustiante a situação da pediatria do Hospital Nacional Simão Mendes. As condições em que as crianças se encontram não são dignas do nome do espaço que as acolhem – não existem leitos, as mães precisam levar “esteira” para o filho doente dormir nela, ainda, por falta de salas, os corredores estão lotados de pacientes e a própria condição higiénica deixa a desejar. Que mãe, que pai, que ser humano, consegue conviver com essa calamidade sem se sentir incomodado? Que governante, que Primeiro-Ministro, que Presidente da República deixa isso acontecer no seu próprio país? Infelizmente, esse e outros casos de fazer chorar, estão a acontecer na nossa terra. 

Como se não bastasse os horrores, são os sindicatos agora a fazer pressão ao governo numa desenfreada corrida à greve. Longe de negar os direitos que assistem os sindicatos, a nossa consideração crítica se enquadra mais no aspecto organizativo e acção destas instituições que é péssimo. Pois, existe uma proliferação desnecessária de sindicatos, o que fragmenta e fragiliza seus interesses e dos trabalhadores. Não é a existência de dois sindicatos de profissionais de saúde, de dois sindicatos de professores, de mil sindicatos de quem quer que seja, que vai resolver o problema da classe trabalhadora. É a capacidade de organizar e mobilizar a classe para a defesa de seus interesses junto à entidade patronal que vai dignificar o sindicalismo nacional e valorizar os serviços oferecidos pelos funcionários públicos e privados. A onda de greves que se quer fazer agora, porque estamos na quadra festiva, é uma brincadeira com a sociedade guineense, senão um homicídio social. Porque se existisse o senso de responsabilidade e noção de direitos que temos, não seria agora que iríamos acordar para brincar de fazer greve. Mas, como são criados sindicatos, partidos políticos e outros movimentos sociais apenas para garantir o bem-estar dos líderes, para a população deve restar a morte anunciada.

    

 

*Mestrando em Ciência Política na Universidade Federal de São Carlos, SP, Brasil


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