NÃO É FÁCIL SER MULHER NA GUINÉ-BISSAU: uma análise a partir do pensamento de Amílcar Cabral

 

Ricardino Jacinto Dumas Teixeira  *

ricardino_teixeira@hotmail.com 

30.01.2012

Se as nossas mulheres continuam enfrentando dificuldade para se libertarem dos amaros impostos pela sociedade machistana Guiné-Bissau, nesta singela contribuição quero apontar uma das razões desse impedimento, quer no pano cultural e econômico, quer no âmbito político e social. Os escritos de Amílcar Lopes Cabral, herói da independência da Guiné e de Cabo Verde mostra que a cultura machista do homem guineense continua a ser o grande desafio para a emancipação plena das mulheres.

Em sua obra Arma da Teoria[1], volume I, Cabral demonstra compreender o funcionamento da sociedade guineense na relação de gênero entre as mulheres e os homens. Longe de abraçar o discurso machista segundo a qual é o homem que manda e desmanda na sociedade guineense, propagado nas relações familiares e sociais, Amílcar Cabral critica-o, lembrando o preconceito que reina na sociedade guineense que tem como a finalidade impedir a ascensão das mulheres em benefício pessoal dos dirigentes:

“Um responsável ou dirigente do partido cuja preocupação é, em qualquer lado que chegue, procurar as raparigas mais bonitas para conquista-las, esse está a agir pior do que um agente dos tugas. Porque está a cortar-nos a possibilidade de dignificar, de levantar mulheres da nossa terra. Está a dar mão exemplo para toda a gente e, além disso, desmobiliza o nosso povo” (Cabral, 1978, p. 181).

Esses dirigentes pertenciam ao partido que hoje está no governo, porém pode ser estendido aos demais partidos de oposição que almejam assumir a governação na Guiné-Bissau. Cabral atribui esse tipo de atitude aos governantes cujos valores não parecem ser exemplos para a nova juventude na resolução dos problemas da Guiné:

Nas condições da nossa terra, qualquer pessoa que manda pode ter, em geral, tantas mulheres quantas quer. Essa é que é a África de hoje ainda. Vejamos os ministros da África em geral: quantas mulheres têm? Mas não avançam nada com a sua terra. Cada responsável ou dirigente ou dirigente nosso tem que dar exemplo, bons exemplos (Cabral, 1978).

 

Na atual situação da miséria generalizada, alguns dirigentes do nosso país têm muitas mulheres, no entanto os seus desempenhos na gestão de coisa pública deixam muito a desejar. Quando as mulheres reclamam dos abusos e das violências domésticas dos maridos ou dos seus namorados pertencentes à classe dirigente, a resposta é que a “briga faz parte do casamento para manter o relacionamento”. O erro dessa lógica está no fato de que os dirigentes esqueçam que quem ama não machuca, não violenta. É preciso incentivar à decência, à responsabilidade e à reconstrução moral do nosso país.

 

Chegou o momento de acabarmos com responsáveis e dirigentes que têm mais do que uma mulher e que, na luta, têm feito mais filhos que trabalho. Chegou o momento de acabarmos com responsáveis e dirigentes que são capazes de prejudicar os outros para não os deixarem avançar, com medo que lhes tirem o lugar (Cabral, 1978).

 

Se, hoje, é difícil exigir dos nossos governantes que tenham apenas uma mulher, como alguns diriam, para Amílcar Cabral e aqueles que acreditam na emancipação das mulheres guineenses, a cultura de ter várias mulheres ao mesmo tempo, condiciona a autonomia das mulheres na democratização da sociedade guineense como um todo.

Neste dia (30/01/2012) em que se comemora o dia das mulheres guineenses em homenagem a Titina Sila, combatente de libertação do jugo colonial, estou convencido, para aqueles que ainda acreditam na emancipação plena das mulheres guineenses, de que condicionar a sua liberdade por interesses pessoais dos homens, um dos maiores problemas da sociedade guineense, se não o maior, é cometer um grave erro.

 

Viva as mulheres da Guiné-Bissau!


 

[1]CABRAL, Amílcar.A arma da teoria. Unidade nacional.  Lisboa, Vol. I, Seabra Nova, 1978 (Obras escolhidas de Amílcar Cabral, coord. por Mário de Andrade, vol. I)

 

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