Na Hora Da Verdade, É Preciso Ousar, Meu Chefe!

(Ponto de Vista)

     

“Si garandi di kassa tá tchami, fidjus tudu tá nornori”.

 

Zé Carlos

 

Rui Jorge  da Conceição Gomes Semedo

rjogos18@yahoo.com.br

11.05.2010

Rui Jorge SemedoJá são inúmeras as situações de violência ocorridas no país e, quase todas elas protagonizadas por militares. No entanto, frequentemente existem tentativas explicativas equivocadas – seja por parte do poder político ou mesmo por parte de alguns analistas descuidados – que associam as causas de constantes agressões militares “apenas” aos problemas de abandono dos veteranos de guerra colonial e de má condição nas casernas, como razão. É verdade que não podemos negar essas constatações, mas, precisamos partir de uma leitura mais ampla para observar os fatores que estimulam a propensão de nossos militares à violência. Senão, nossas tentavas de abordar o assunto serão sempre vãs e desonestas face à resolução dos cenários que lhes estimulam a traírem os ideais democráticos consagrados na Constituição da República.

O problema do conflito na Guiné-Bissau sempre apresentou várias facetas, entre elas, citamos a histórica, a sociológica, a econômica, a jurídica, a político-institucional e até a geográfica. E não pode haver tentativa separada de análise, por isso, a importância de um estudo aprofundado de forma a permitir a criação de condição objetiva de controlar os conflitos. Neste momento, não pretendemos entrar em detalhes explicativos sobre cada ponto, contudo, gostaríamos de indicar que apenas compreenderemos a atual situação das frequentes sublevações político-militar quando conseguirmos fazer uma leitura mais elaborada, mais ousada e, sobretudo, comprometida com a defesa dos interesses nacionais.

Se pararmos para analisar cuidadosamente, chegaremos à conclusão que em nenhum momento na história das violências da Guiné independente pode ser dito que o real objetivo dos subsequentes golpes foi o de defender os interesses militares e/ou dos veteranos de guerra colonial. É bom dizer que os golpistas sempre foram impulsionados por interesses próprios e procuram associar isso aos problemas existentes nos quartéis para “respaldar o crime”. No entanto, ao consumar o assalto ao poder os ditos problemas continuam. O que nos leva a crer que a estratégia habitualmente utilizada sempre foi para afastar os que estavam a viver da sombra do crime da corrupção para viver dessa mesma sombra. Há poucos dias soube-se de exagerados milhões que são disponibilizados à instituição militar para apoiar a sua condição alimentar, mas que são certamente diluídos pelos chefes. De acordo com a queixa crime do vice-chefe do Estado Maior General das Forças Armadas, general Antônio Injai, contra o chefe do Estado Maior encarcerado, general Zamora Induta, dos 17.000.000, 00 xof que o governo disponibilizava quinzenalmente, este último subtraia 7.000.000,00 xof para fins pessoais e entregava tão somente 10.000.000, 00 xof. Ou seja, mensalmente a instituição recebia (ou supostamente ainda recebe) 34. 000. 000, 00 xof para a alimentação das Forças Armadas e, mesmo assim, ainda há má qualidade alimentar nos quartéis. Será que hoje podemos confiar que os 17.000.000, 00 xof estão sendo utilizados corretamente? Será que apenas o chefe embolsava? Quais são os mecanismos que o governo utiliza para acompanhar a forma como esse dinheiro é gasto?

A instituição militar é quem sempre embolsou a maior fatia no Orçamento Geral do Estado e nunca conseguiu melhorar sua condição alimentar e de trabalho. Por quê? Porque os chefes militares de ante-mão sabem da infuncionalidade dos órgãos competentes de fiscalização e têm consciência que o mau uso do dinheiro público não lhes acarreta penas. Realidade que diminui suas responsabilidades na gestão racional da verba que é colocada à disposição da instituição. Essa situação de impunidade gradativamente conduziu militares (e civis também) a uma desenfreada corrida ao luxo, tanto que hoje é incomum ver militares a andar nos seus tradicionais Jeeps e por todas as artérias de Bissau e cidades do interior vêem-se oficiais militares e, às vezes, até soldados com carros 0 km a subir e a descer pelas crateras das nossas estradas. Frequentemente trocam carros, semeiam amantes por quase todos os lados, constroem ou compram casas cujos valores são incompatíveis com o que legalmente ganham. E é nessa vida que todo o dinheiro disponibilizado para o funcionamento e melhoria de condições do efetivo é sempre gasto. Nos últimos tempos tem crescido o número de oficiais proprietários de imóveis estimados em milhões de francos cfa. É verdade que as casernas estão a cair aos pedaços, que falta pão e fardamento, só que os militares em nada estão a colaborar para melhorar a situação. Será que são necessárias dezenas de carros dupla-cabine que hoje infestam nossas ruas? Das duas uma: ou dedicamos a um sério trabalho que nos permita criar condições necessárias de trabalho, ou continuamos na ilusão de uma vida fora do alcance da nossa realidade financeira, que nos conduzirá a confrontos violentos. 

O problema dos levantamentos pode estar mais vinculado à cultura da ganância pelo dinheiro fácil, de uso e abuso do poder, do que da má condição nos quartéis. Por isso, mesmo criando condições, enquanto não for feito um trabalho de base de mudança da mentalidade, estaremos sempre sujeitos à interrupção da ordem. No geral, podemos dizer que se assiste a uma luta pelo controle do poder e consequentemente da posse de possibilidades econômicas além de influências na arena do poder civil. Entretanto, hoje alguns analistas e observadores acham que existe uma tendência dos oficiais balantas em tentar controlar as Forças Armadas, no entanto, essa leitura pode ser inconsistente à luz dos cenários que se desenham com a possibilidade de um eminente perigo de confrontação entre esses mesmos oficiais para controlar as Forças Armadas. E daí, nasce a obrigação de questionar: será que o conflito de há pouco mais de dez anos em que o país foi mergulhado, era realmente uma disputa étnica, ou uma predisposição à corrupção desenvolvida nacionalmente e que sobrepõe a legalidade e o espírito da nação? Talvez fosse melhor que todos nós começássemos a refletir sobre possíveis leituras em relação à mutabilidade desse fato que pode condenar nossa democracia a permanente impasse.

Essa excessiva corrupção adotou a violência e fez alterar a forma de pensar e de agir das pessoas que cegamente continuam a achar que o uso da força pode ser o mecanismo para materializar as ambições. E essas ações condenáveis são incentivadas pelos discursos pouco sensatos, por vezes bajuladores, de chefes políticos à ação militar, como ultimamente tem acontecido e que servem de base para legitimar ou incentivar o uso da violência como razão de atos reivindicativos.

Mesmo à vista desarmada pode-se concluir que a condição dos militares está muito longe de ser a pior do país. Eles não têm uma condição de trabalho e de vida pior do que boa parte das categorias sociais, entre as quais, elegemos os médicos, os professores, os agricultores, os pescadores, os operários, as mulheres, as crianças e os jovens. Aliás, um oficial militar por sinal ganha mais que um médico ou um professor e produz menos que estes. Entretanto, indaga-se qual é a contribuição das Forças Armadas no crescimento econômico nacional, a não ser os pesados fardos de golpes de retrocesso que frequentemente têm-nos impingido sem pudor, quer em ceifar cruelmente vidas de cidadãos quer em contribuir largamente para a redução de credibilidade (interna e externa) do país junto aos parceiros de desenvolvimento.

Contudo, reconhecemos que a mudança positiva de comportamento dos militares está intrinsecamente ligada à atitude das instituições políticas. E os políticos que hoje temos carecem de autoridade moral para disciplinar o funcionamento da instituição militar, sendo que os militares estão pré-dispostos a continuar a usar e abusar da força que têm para maximizar suas chances de dominar o poder institucional civil. E, enquanto permanecer essa realidade de insegurança, lamentavelmente, temos que reconhecer a triste realidade de que, mais pessoas, entre políticos e militares, ainda vão ser assassinadas num futuro próximo. 


PROJECTO GUINÉ-BISSAU: CONTRIBUTO - LOGOTIPO

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