Guiné-Bissau: Motivações do assassinato de Baciro Dabó

 

 

Por: José Gama *

10.06.2009

 

José Gama

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

No dia 2 de Junho, recebi uma informação alertando que a ausência, em Bissau, do Primeiro-ministro Carlos Gomes Jr. (deslocara-se a Lisboa antes do falecimento de Luís Cabral) seria aproveitada, para porem em marcha um plano destinado a abater Koumba Yala. O plano foi abortado por traição de um operativo. Em alternativa, foi avançado um “plano B” que resultou com as tragédias da madrugada de sexta-feira (4 Junho).

 

ANÁLISE

 

 De acordo com as estimativas, o assassinato do candidato presidencial Baciro Dabó, foi destinado a inviabilizar o processo eleitoral para proporcionar vantagens eleitorais ao candidato oficial do PAIGC, Malam Bacai Sanhá. A lei eleitoral na Guiné determina adiamento e cancelamento da data estabelecida das eleições em caso de morte ou desistência de um dos candidatos. A morte de Baciro Dabó promove um ambiente de insegurança do interesse politico do executivo. Induz o eleitorado a  votar no seu candidato oficial visto que as mortes ocorridas foram da autoria das autoridades e é a mesma que se apresenta,  na posição de garantir que já não haverá  mortes. Os efeitos estão a ser verificados na prática. O Candidato Pedro Infanda retirou a sua candidatura invocando razões de segurança.  As autoridades optam por um discurso de demonstração de  vontade  em manter a data marcada das eleições entendida como medida de artifício para propagar  o seu compromisso com o processo eleitoral.

 

A morte do candidato Baciro Dabó, permite ao PAIGC  preparar as bases de apoio de Bacai Sanhá. Baciro nasceu em Bigene no norte da Guiné. Partilhava a mesma linha islamizada com Bacai Sanha, mandinga/biafada, que estava a identificar-se como base de apoio a Baciro Dabó. Sondagens on-line apresentavam-lhe como o quarto candidato mais preferido sendo o primeiro, Henrique Rosa (preferido da diáspora e da classe intelectual), seguido de Bacai Sanhá e Koumba.

 

Dentro da estratégia da oposição política em promover a “queda democrática” do PAIGC, está planeado o apoio que vários partidos iriam dar a Koumba Ialá. O PRID manifestou, há três semanas, de forma informal. O Partido Unido Social-Democrata (PUSD) estava a manter contactos exploratórios para o mesmo fim. O propósito seria arrastar Koumba Yalá e Bacai Sanhá, os dois candidatos em posições avançadas, para provocarem uma segunda volta eleitoral. Estando consumado, estariam próximo de uma vitória de Koumba que é Balanta (etnia maioritária). O apelo do voto étnico que estava nas previsões de  Baciro Dabó em favor de Koumba fragilizaria Bacai Sanhá, o candidato do partido no poder. Um irmão seu, Yaia Dabó, oficial da segurança de Estado foi preso na tarde de segunda-feira (8) após, dias antes, ter ameaçado revelar a quem o irmão iria apoiar.

 

Um possível regresso ao poder de Koumba Yalá equivale a mudanças “radicais” nas estruturas do Estado. Alteração das chefias militares partindo pela correcção da inconstitucionalidade que mantém Zamora Induta à frente do CEMGFA. Inevitável demissão do executivo de Carlos Gomes Jr. A linha dura  do PRS de Koumba Yalá é apologista de que uma vez o seu líder, eleito Presidente da Republica deve-se avançar com processo judicial contra Gomes Jr. em torno de implicações de práticas não muito boas, cujos dossiês comprometedores estão na posse do PRS. Baciro Dabó  dominava o assunto. Semanas antes de morrer ameaçou o PM e no dia do seu assassinato os militares procuraram pela papelada em sua casa.

 

O propósito de incutir na população a existência de um plano de golpe de Estado não foi aceite internamente, nem pela comunidade internacional. Mamadou Dieng, um general senegalês colocado em Bissau como embaixador, chegou a levantar dúvidas numa reunião com a Ministra dos Negócios Estrangeiros, chegando a alertar que quando se dá golpe de Estado as pessoas não dormem em suas casas. Questionou se os militares tinham mandato de captura.

 

“GAPS”  DE INTELIGÊNCIA

 

Os Serviços de Informação do Estado na Guiné-Bissau (SIE) são dirigidos por um DG, o Coronel Antero João Correia que era muito ligado a Nino Vieira. Serviu-lhe em sucessivos governos como Chefe da segurança, Cônsul em Paris e Comandante Geral da Polícia. A semana que antecedeu os assassinatos do dia 4, o Coronel Antero esteve em Lisboa, a sua ausência teria sido aproveitada para penetração em alguns operativos. No dia do crime, recusou assinar o comunicado que atribuía tentativa de golpe de Estado e acabou por ser detido. Por volta das 09h36 de sexta-feira, o documento seria assinado por um adjunto seu, o Coronel Samba Djaló.

 

A execução de Baciro Dabó denotou debilidades e falta de precisão dos serviços de informação. Os cálculos do plano expuseram erros de inteligência.  Foi evidenciado que o comunicado do SIE é um “draft” preparado antes de os assassinatos terem ocorrido. A  sua divulgação  não foi resultado de uma prévia reunião de alto nível como deve acontecer em caso de uma tentativa de golpe de Estado (DG detido, PR e PM ausente). Tendo o comunicado sido emitido sem o consentimento do poder executivo revela a existência de um poder “paralelo” que terá ordenado as execuções e divulgação do documento  para coincidir com o comunicado emitido pelo comandante Zamora Induta. Ambos os comunicados contradizem-se. O SIE diz que solicitaram apoio da “polícia militar”, já Zamora Induta diz que o SIE pediu  reforços às suas tropas.

 

O comportamento das vítimas não denuncia atitude de tentativa de golpe de Estado, razão pela qual a própria população recusa a versão do governo. Hélder Proença e  Baciro Dabó não estavam no activo. Baciro não gozava de simpatia das forças militares (tratavam-no por Major da polícia). O Comunicado dos serviços de inteligência refere que nas horas a seguir ao alegado golpe, o grupo de Baciro e Hélder Proença iriam indicar  um Primeiro-ministro do “Governo de transição” para propor a um chamado “alto comando das forças revolucionárias”, a composição do novo governo. Este dado em si, contraria com a agenda que as vítimas teriam no dia seguinte. Mostra que as autoridades, ao planearem os assassinatos não levaram em conta este pormenor.

 

 O candidato Baciro Dabó tinha na agenda, para sábado,  a orientação de uma parte do grupo da campanha que iria deslocar, a Bafatá, zona leste do país na qual procederiam ao lançamento da mesma. Ultimamente mantinham reuniões que se estendiam até mais tarde. Horas antes do seu assassinato esteve reunido com Lamine Djata, o director da sua campanha, para discutir o programa do dia seguinte. Acabaram por converter a reunião em convívio estendendo-se  até tarde. Baciro, que era cantor, tocou guitarra com os convidados e assaram carne de cabra à moda local. Às 2h10, Lamine Djata retirou-se da casa do mesmo. Por volta das 3h um grupo de 30 elementos invadiu a casa de Baciro, neutralizou a sua guarda pessoal,  confiscou os telemóveis dos vizinhos e dirigiu-se ao seu quarto onde seria assassinado. Para além de terem-nos encontrado a dormir, estes dados contrariam mais uma vez com a versão do comunicado do SIE que fala em troca de tiroteios. A casa de Baciro não mostra sinais de tiroteios. Apanhou dois tiros no estômago e um na cabeça. O seu irmão mais velho, Yaya Dabó fala em 11 tiros.

 

Hélder Proença, o ex-ministro da Defesa que vivia temporariamente em Dakar, deslocava-se a Bissau naquela noite.  Logo após a guarda fronteiriça ter avisado aos mentores dos assassinatos, estes ordenaram que o deixassem atravessar a jangada “em paz”. Foi perseguido ate ao troço que dava para a ponte João Landim, a 15 de minutos de Bissau, onde seria executado por volta das 9h da noite.  Hélder Proença, iria passar a noite no Aparthotel Ruby (de uma amiga, Dina Adão) a poucos perímetros do edifício das Nações Unidas em Bissau. Hélder era um reconhecido empresário. Uma das características de um golpe de Estado é que normalmente é dado por militares que reclamam problemas financeiros invocando abuso à constituição. Não era este o caso de Proença.

 

Um músico conhecido por Domingos que ultimamente encontrava-se em situação de penúria, foi neste dia  visitar o ex Primeiro-ministro Faustino Imbali, que lhe acolheu para uma refeição. Precisamente na  hora em que este comia, um grupo de militares atacou a residência do ex PM. Ambos foram espancados. O músico Domingos está desaparecido. O ex-Primeiro Faustino foi citado por Zamora Induta como estando  detido  nas mãos do SIE. A esposa desafia que mostrem-no. Há informações baseadas nos métodos de procedimento das autoridades que apontam que já tenha sido morto.

 

O SIE, no seu comunicado cita que os supostos golpistas queriam matar Zamora Induta e Carlos Gomes Jr, . O facto de estas duas figuras estarem a ser apresentadas como vítimas revela que têm algo a dizer. Ambos têm as imagens desgastadas, por efeito, da cumplicidade que ultimamente emitem ter. A sociedade guineense revela-se desiludida pela submissão de Carlos Jr ao chefe militar interino e ao mesmo tempo desapontada com a postura benevolente a Zamora Induta.

 

 A ideia de incutir na população o acto de “golpe de Estado” foi amadurecida duas semanas antes do crime por Zamora Induta que insistentemente aparecia à imprensa a dizer que certos políticos estavam a instigar os militares para uma subversão. De acordo com leituras apropriadas, a insistência das denúncias do comandante Zamora Induta indica ter sido uma medida estimada a propiciar e justificar mais à frente que os militares andavam mesmo a ser instigados.

 

Não obstante as detenções sumárias, há informações que os detidos estão a ser torturados para serem forçados a confessar que a tentativa de golpe de estado é real. A Comunidade internacional deve pedir imediatamente a soltura dos mesmos. As previsões apontam para mais assassinatos. A tese de envio de tropas multinacionais para a Guiné, mas negada por Zamora Induta é uma medida inadiável.

 

Os assassinatos do dia 4 mostram ser um “golpe de estado” provocado por militares a favor de uma linha do PAIGC como medida prévia para sua manutenção no poder. Foi um ajuste de contas destinado a amortecer o poder de figuras pro-Nino dentro do partido no poder.

 

 

* José Gama é  representante na África do Sul do Clube dos angolanos no exterior www.club-k.net
- Formado em Geofísica pela Tuks University em Pretória, com distinção em Física Moderna
- É  finalista do curso de Relações Internacionais pela University of South Africa.
- É articulista do Jornal Angolense e tem comentado para SABC Internacional,  televisão sul africana  sobre política externa

 

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