MISSÃO DE OBSERVADORES ELEITORAIS EM ÁFRICA: que lições para a Guiné-Bissau nas próximas eleições ?

 

 

Por: Ricardino J. D. Teixeira[1]

Ricardino Dumas Teixeira

ricardino_teixeira@hotmail.com 

04.11.2008

 

Nos debates sobre observação internacional nos processos eleitorais em África, no quadro do “reforço” dos valores da expansão do modelo liberal da democracia e dos Direitos Humanos no continente, seus reais objetivos e interesses nem sempre foram objeto de uma análise crítica. É como se, pelo simples fato de defenderem a bandeira da democracia e dos Direitos Humanos, dando entender que são “democráticos”, suas intervenções, ações ou pretensões tivessem automaticamente que ser consideradas legítimas. Há nessa visão uma boa dose de voluntarismo, ou seja, um desejo de nos livramos de um passado autoritário. Daí os países europeus surgem como alternativa para desfazermos desse passado, deixando para traz as ditaduras personalistas ou simplesmente legitimá-las.

 

As solicitações de envio de missões de observadores por parte dos sucessivos governos africanos não visam, necessariamente, garantir a legitimidade dos atos eleitorais em África, mas a legitimidade de regimes “autoritários” disfarçados de democráticos. A verdade é que os observadores internacionais defendem a democracia, no sentido de terem tido um papel importante na expansão dos valores liberais pelo mundo, mas isto não oculta e nem afasta, necessariamente, os seus interesses econômicos no continente.

 

Os países europeus são os mais propensos em considerar as eleições de livres, justas, participativas, sem violência e intimidação em África. Para os observadores eleitorais, o que importa são os recursos econômicos da África utilizando-se do discurso da democracia e dos Direitos Humanos, mas nem sempre fica claro que tipos de democracia e dos Direitos Humanos defendem.  Isto porque ao mesmo tempo em que  procuram defender (pelo menos em discurso) esses valores, na prática transforma-se em retórica de difícil aplicação. Basta rememorar as antigas e as recentes decisões políticas transformadas em leis que a Comunidade Européia tomou em relação aos imigrantes sem possibilidade destes defenderem seus direitos dignamente humanos. A Europa e os Estados Unidos da América vêem a África (extensivo aos países árabes) apenas na perspectiva de riqueza e ganhos econômicos e financeiros, com pouco ou nenhum interesse com a consolidação da democracia.

 

Foi assim no Afeganistão e no Iraque, onde os interesses dos Estados Unidos e da Inglaterra se expressam de forma exacerbada. A democracia liberal foi a categoria que os dois países, com uma longa história de relacionamento, utilizaram para justificar a invasão e a exploração. Na mesma perspectiva da acumulação de riqueza, em 2004, as críticas do grupo de observadores europeus nas eleições de Geórgia, da Ucrânia e do Quirguistão ajudaram a fomentar o divisionismo na região, o que ficou conhecido nacionalmente e internacionalmente de revolução laranja, que se deu a poucos dias do discurso de Bush. Tanto os EUA como a EU acusaram os governos depostos, nesses países, de defenderam uma política de restrição do mercado nacional ao capital externo. Assim, os EUA e a UE - guiados pelos interesses essencialmente econômicos - conseguiram substituir os governos e presidentes hostis aos seus interesses temendo suas aproximações com a Rússia.

 

 

 No caso especifico africano, a Inglaterra e os Estados Unidos lideraram uma plataforma de oposição contra o governo de Zimbabwe, anteriormente visto por dois países como modelos da democracia e dos Direitos Humanos, mesmo com o autoritarismo das elites governamentais do governo de Robert Mugabe.

 

À semelhança do que aconteceu no resto do continente, nos países africanos ex-colônias de Portugal, mesmo independentes, ainda têm suas questões políticas e culturais pautadas por interesses econômicos da antiga metrópole. Em Angola, por exemplo, na ultima eleição realizada em Setembro de 2008 da qual participam observadores portugueses, o representante da UE, Luísa Morgantini, ao apresentar o relatório da sua equipe, preferiu considerar eleição angolana "um avanço para a democracia", mas esquivou-se de considerá-la "livres" e "justas".

 

 No entanto sabemos que a ausência de material eleitoral, em particular em Luanda, somada ao fato de que a Televisão Pública de Angola, a Rádio e o Jornal Nacional fizeram uma cobertura de campanha eleitoral extremamente tendenciosa favorecendo o partido no poder MPLA, que há mais de uma década dirige o país sob personalismo político José dos Santos, sem grandes ganhos sociais que pudesse melhorar a qualidade de vida dos angolanos. Aproveitando-se da crise econômica e da miséria generalizada criadas pela incapacidade das elites governamentais, o MPLA desenvolveu uma estratégia que visava comprar a consciência da população local e da diáspora intelectual angolana com promessas de melhoria de vida e concessão de cargos chaves no governo.  

 

Na Guiné-Bissau, após as primeiras eleições multipartidárias de 1994, o governo de Portugal, que participou na observação eleitoral, ajudou a derrubar o presidente João Bernardo Vieira, temendo aproximação do país com a sub-região apoiada pela França. O mesmo Portugal, pressionado pela França, aceitou o pedido de exílio do presidente e apoiou o seu retorno à Guiné-Bissau para concorrer o pleito de 2005, que o reconduziu pela segunda vez presidente via eleição.

 

O que mais chamou atenção é o fato de que, apesar de denuncias de perseguições, apreensões e até matança de adversários políticos e de civis por parte dos elementos do Antigo Regime, as primeiras eleições pluralistas no país foram consideradas pelos observadores internacionais de democráticas, justas e sem intimidação e violência. Essa prática fez-se novamente presente nos sucessivas eleições que decorrem no país.

 

A comunidade internacional pouco tem demonstrado interesse efetivo com a consolidação da democracia no continente. Os conflitos políticos violentos misturados com as disputas étnicas e regionais mostram, de alguma maneira, que o interesse dos observadores europeus é apenas observar. Não há um papel efetivo e interventivo no processo eleitoral e na institucionalização da democracia, mesmo nos casos em que as eleições foram controladas por elementos das Forças Armadas nacionais que, por conseqüente, acabam por definir a agenda política e o novo governo.

 

O caso guineense é paradigmático. Em todo processo eleitoral - uma parte significativa das Forças Armadas - teve um peso importante na (re)definição de resultados eleitorais, seja pela intimidação, seja ainda através de ameaças de novo golpes de Estado caso um candidato hostil aos interesses das chefias militares seja eleito. Os partidos políticos - que lutam para assumir o poder a todo custo – buscam de alguma maneira representar na arena política as demandas da classe castrense apelando à intervenção militar quando as situações lhes proporcionam oportunidades para acender no poder.

 

A imparcialidade de equipe de observadores internacionais em denunciar esses atos, em alguns casos, tem facilitado a proliferação de conflitos políticos pós-eleições. O discurso segundo o qual o papel dos observadores é apenas observar e não imiscuir na vida política do país tem gerado autoritarismo na Guiné-Bissau, apesar do país ter entrado no caminho da democracia liberal-minimalista que prioriza eleições em detrimento da participação efetiva da sociedade no espaço publico.

 

A tarefa da consolidação das nossas democracias em África deve partir essencialmente dos atores políticos nacionais com a participação da sociedade civil. A Comissão Nacional de Eleições (CNE) não pode continuar a ser indicada ou dirigida por elementos oriundos de partidos político. E talvez o que mais geraram ou tem gerado as contestações dos resultados pós-eleição por parte dos partidos de oposição seja a falta da autonomia dos órgãos e figuras representativas da CNE. Esta, no uso das suas atribuições legais e estatutária, não deve apenas depender dos recursos ou esperar os relatórios dos observadores da União Européia para considerar ou não o processo eleitoral livre e transparente. Isto porque os mesmos não dispõem de tempo, responsabilidade, conhecimento de terreno e cultura política do país para fazê-lo.

 

A CNE deve fazer de tudo para não deixar dúvidas que coloquem em causa a credibilidade da instituição, ou seja, ela deve assumir suas responsabilidades técnicas e jurídicas em todo processo eleitoral e pós-eleitoral, o que não significa desconsiderar o papel que a observação eleitoral pode desempenhar para ajudar minimizar a crise dos Estados africanos que tem suas bases nos fatores tanto exógenos como endógenas.

 

No caso concreto da Guiné-Bissau, além dessas medidas, ainda é necessária uma reforma urgente do sistema eleitoral guineense como um todo (à semelhança de outros regulamentos da República), bem como dotação orçamentária autônoma da CNE de forma fazer com que a participação e o pluralismo democrático sejam praticados em condições de igualdade e de legitimidade; que o ato eleitoral e a prática democrática sejam única regra de jogo a seguir e pautar todos os interesses políticos dentro das mesmas regras de forma facilitar a consolidação do processo eleitoral e democrático em curso na Guiné-Bissau. Esse processo da construção do espaço público democrático não pode se restringir ao sistema político, mas à participação da sociedade civil e da sociedade política na busca de novas alternativas possíveis.

 

[1] Mestre em Sociologia Política pela Universidade Federal de Pernambuco. Professor de sociologia na Faculdade de Ipojuca - Brasil

 


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