Militares e Civis na Guiné-Bissau: amigos ou inimigos? 

RICARDINO JACINTO DUMAS TEIXEIRA

(Dino) 
 
 
 Ricardino Dumas Teixeira

Ricardino Jacinto Dumas Teixeira é formado em Ciências Sociais com Habilitação Complementar em Sociologia pela Universidade Federal de Roraima. Nasceu em Bissau, bairro de Santa-Luzia, em 06 de Fevereiro do ano de 1978.  Entre os anos de 1997 e 2002, foi funcionário da Embaixada do Brasil em Bissau atuando como bibliotecário no Centro do Estudo Brasileiro (CEB). Como militante estudantil, que lutavam para a obtenção de uma bolsa de estudo no exterior, desempenhou, em 2001, o cargo de porta-voz dos estudantes junto ao Ministério da Educação para, entre outras atribuições, acompanhar a concessão de bolsas pelo respectivo ministério.   

Em 2003, foi eleito via eleitoral Vice-Presidente do Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal de Roraima (DCE). Em 2004, foi selecionado monitor das disciplinas Introdução à Ciência Política e Geopolítica pela mesma Universidade. Em 2006, foi selecionado em quarto lugar para o curso de mestrado em Sociologia Política, onde atualmente desenvolve uma pesquisa sobre o papel da Sociedade Civil no processo da transição democrática na Guiné-Bissau.


Ricardino Jacinto Dumas Teixeira (Dino)

Mestrando em Sociologia Política - Brasil

ricardino_teixeira@hotmail.com 
 


Geneviene Antonio Melaço (Gene)

Estudante de Turismo - Brasil.

veivimelaco@hotmail.com 
 


 

 
1- Introdução

      Desde a independência oficial da Guiné-Bissau nos anos de 1974, a situação política no país e as instituições da República vêm passando por uma série de testes. A vitória dos nossos combatentes contra a exploração e dominação de Portugal (após vários anos de luta armada), o processo da construção do Estado-nação sob comando do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), a liberalização política em 1990, ampliada pela realização das primeiras eleições democráticas, em 1994, entre outros acontecimentos, marcaram a difícil fase da transição histórica e política no país.

 Com base na análise da literatura internacional sobre as variáveis que garantem o sucesso ou o insucesso de transições políticas para a democracia e a relação civil-militar, nesse processo, este artigo busca contribuir para um maior aprofundamento e estudos sobre o modelo da democracia existente na Guiné-Bissau. Busca-se, fundamentalmente, analisar se realmente a relação entre militares e civis pelo controle de poder político na Guiné-Bissau é uma relação antagônica ou de conivência mútua. O nosso argumento defende a segunda hipótese, segundo a qual os golpes de Estado contra os governos civis democraticamente eleitos não significa, necessariamente, que as relações civis-militares são conflitantes e antagônicas.  


2 - Militares e Civis na Guiné-Bissau

A mudança social, política e econômica pelo qual o país enfrentou desde a sua independência contra o domínio e a exploração de Portugal, não geraram uma verdadeira democracia na base, defendida, no decorrer da luta de libertação pelo líder do PAIGC, Amílcar Cabral. O país vem enfrentando, desde a sua independência, várias crises sociais, políticas e econômicas que colocam em risco a coesão social entre os guineenses.

      Após algumas reformas institucionais, impulsionadas pelo vento da “terceira onda” de democracia, que teve início com a Revolução dos Cravos de 1974 em Portugal - assistiu-se na Guiné-Bissau a uma tendência de instalação de regimes autoritários sob comando de João Bernardo Vieira (1994-1998) e Kumba Yalá (1999-2003), o que acabou provocando o derrube dos seus respectivos governos através de golpe de Estado.

      Os militares que protagonizaram os golpes alegaram, por um lado, o abuso de poder e apreensões arbitrárias acompanhadas da pobreza generalizada, como uma das principais razões para a deposição dos presidentes. Uma outra explicação dada pelas chefias militares era de que os civis são corruptos, por isso devem ser controlados por aqueles que conhecem a verdadeira inspiração do nosso povo, inspiração essa que norteou a luta armada para independência.

      Os civis, por outro lado, alegam que a Constituição da República (como acontece nos regimes democráticos) assegura, legalmente, que os militares são apolíticos e apartidários, por isso não devem insurgir na política doméstica, mas, sim, garantir a segurança interna do país contra a invasão externa e o funcionamento normal das instituições da República (em termos de discursos formais deveria ser deste modo).

       É importante não confundir, no entanto, a luta política pelo controle do poder entre civis e militares na Guiné-Bissau como a luta de amigos contra inimigos, pelo contrário, a participação militar na política doméstica é facilitada, em grande medida, pela conivência dos civis e vice-versa. Quando os civis precisam das ações militares para se promover politicamente ou até mesmo chegar o poder, o controle civil democrático sobre os militares deixa de fazer sentido, ou seja, deixa de ser autônomo.

      Já os militares, por sua vez, mostram-se solidários, responsáveis e obedientes com os governos civis que mantém intactos os seus privilégios políticos, sociais e econômicos. A lógica é simples: os militares podem fazer tudo que eles acham conveniente aos seus interesses e manutenção de status quo da classe castrense desde que não derrube o governo civil. E, o governo civil, por seu lado, pode governar desde que não procure estabelecer o controle civil democrático sobre militares. Trata-se, portanto, de uma relação de Mandjuas - uma relação de pessoas da mesma sociedade, do mesmo pensamento e modus operantis.

      Cabe, todavia, deixar claro que nem os militares conseguiram enfrentar a corrupção e garantir o funcionamento normal da Constituição e, com toda probabilidade, os sucessivos governos civis, mesmos os interinos, também não o fazem, pelo contrário, agrava-se no país uma situação jamais vista na história política, social e econômica da nação guineense.  
 

3 -  Em Defesa as Regras do Jogo e Sociedade Civil. 
 

      Qualquer que seja o interesse ou explicação subjacente a actos desses dois actores políticos (militares e civis) é bom deixar claro que, numa democracia, os atores políticos devem pautar suas ações e comportamentos dentro das “regras do jogo”, sem as quais, o sucesso da nossa democracia torna cada vez difícil e complicado. Insisto: o respeito às regras do jogo democrático são fundamentais, portanto, não há democracia sem respeito a essas regras. Mas, a democracia não se constitui só de regras institucionais.

      A dimensão social da democracia, como sabemos, também contribui largamente para o sucesso de qualquer regime político. Nesse sentido, a Sociedade Civil assume um papel importante na institucionalização da democracia e na relação entre Estado-sociedade, assim como na diminuição de assimetrias sociais, econômicas e políticas desde que a mesma mantenha a sua autonomia política e organizacional em relação à sociedade política (Estado).

      Com base no acima exposto, as respostas a quatro indagações que se seguem, podem ser um bom caminho a partir do qual podemos refletir juntos, o modelo da nossa democracia:

       - Seria democracia o ato de desrespeito ao Governo democraticamente instituído?

       - Seria democracia um país onde existem partidos e líderes políticos de toda espécie, inclusive os de aluguel, aqueles que se vendem em troca de um cargo no governo, ou buscam esse cargo através de golpes de Estado?

       - Seria democracia um país onde a pobreza, o crime organizado e tráfico de drogas saltam os olhos?

      4ª - Seria democracia um país onde na época de eleições os políticos refugiam-se nos discursos de cunho étnico como forma de manter a sua supremacia eleitoral nas suas regiões e nas suas etnias?

      A literatura mostra que, nos países onde os militares não entraram diretamente na política, o funcionamento da democracia foi reduzindo com o tempo o número de golpes de Estado; já nos países que possuem militares politizados, o caso da Guiné Bissau, o funcionamento da democracia foi drástico (HUNTINGTON, 1994).

  Um outro fator que não podemos perder de vista é a irresponsabilidade e ambição política dos nossos governantes que criam, assim, instabilidade no funcionamento equilibrado das instituições democráticas apelando à intervenção dos militares, quando lhes convém, como forma de se promoverem politicamente. Aliás, como é de conhecimento de todos, a atual elite política guineense, todos, de alguma maneira, chegaram ao poder nas costas dos militares.

  Uma democracia só estará relativamente funcionando quando, dentro de determinada condição política, um sistema específico de instituições tornar-se regra geral, ou seja, quando as leis forem cumpridas por todos e quando os perdedores de eleições desejarem tentar outra vez no quadro das mesmas leis sob as quais acabam de ser derrotados, sem recorrer a formas autoritárias para a obtenção do poder (PRZEWORSKI, 1994).

  Nem todos os políticos e militares são a favor da democracia, alguns usam o discurso democrático apenas como recurso para destruir tanto os aliados quanto os adversários. A busca da “unidade nacional” de que tanto falam não passa de um “disfarce” para uma nova tentativa de golpe de Estado. O sistema democrático representa, para muitos deles, a desordem, mas a democracia é necessária exatamente porque não podemos concordar com este ponto de vista, por ser um sistema político no qual as pessoas têm a oportunidade de discutir os conflitos sociais, no qual o direito da maioria e da minoria são respeitado.

  A democracia é um sistema de governo no qual existem divergências, vencedores e perdedores. No sistema militar de governo (autoritarismo), não há conflitos de idéias. A democracia não significa que todos os problemas sociais desaparecem e muito menos significa que todos devem fazer o que bem entendem colocando em risco a vida e a estabilidade política e econômica do país. A democracia ajuda a buscar consenso dentro do Estado e, ao mesmo tempo, nos proporciona mecanismos políticos e jurídicos contra governantes violentos, corruptos e demagogos. Uma democracia é “sustentável” quando sua estrutura institucional (tribunal) promove regras e objetivos especificamente desejáveis, conforme PRZEWORSKI (1994), mas também quando essas instituições são adaptadas para punir o não cumprimento de tais regras.

  A solução para os golpes de Estado na Guiné-Bissau depende da profissionalização das Forças Armadas, de reorientá-las para missões externas, de reduzir a presença militar nos órgãos públicos, da criação de Centros de Treinamento para fortalecer técnicas de combate, de encorajar para a reserva oficiais analfabetos (acelerando a promoção de oficias mais jovens e com alto grau de instrução, dotando-os de conhecimentos básicos sobre os direitos humanos e Estado de Direito), de criar mecanismos constitucionais que visem inibir o golpe de Estado, isto é, punir legalmente os seus responsáveis como forma de evitar o sucesso de um novo golpe de Estado. 
 

  4- Conclusão

   Podemos concluir lembrando a famosa frase de Amílcar Cabral, quanto este afirma com bastante propriedade que a Guiné-Bissau precisa ser dirigido pelos melhores filhos do nosso povo, e não aqueles que só pensam no seu progresso e bem-estar da sua família em detrimento da sociedade como um todo. Lamentavelmente este continua a ser a agenda política de um pequeno número de militares e políticos, aquela classe social que Cabral compreendeu desde início suas ambições e ganâncias, aquele grupinho que queriam comer galinhas, cabritos, beber bons vinhos ao lado dos tugas (CABRAL, 1978, p. 127).  
 

      5- Referencias Bibliografias

CABRAL, Amílcar. A arma da teoria, unidade e luta. In: ANDRADE, Mário (org.). Obras Escolhidas de Amílcar Cabral. Portugal: Seara Nova, 1975. 
 

HUNTINGTON, Samuel. A Terceira Onda: a democratização no final do século XX. São Paulo: Ática, 1994. 
 

PRZEWORSKI. Democracia e o Mercado. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994

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