Mensagem
natalícia dos Bispos da Guiné-Bissau:
“NÃO TEMAIS: DEUS ESTÁ CONNOSCO!”
(Cf. Lc.2,
10-11)
Aos cristãos da Guiné-Bissau e a todos os homens e mulheres de boa vontade
Mais uma vez
estamos celebrando a solene festa do Natal, uma festa eminentemente
cristã mas que, com o andar dos séculos, se foi transformando também
numa festa civil, com o perigo de desfocar o seu significado profundo e
essencial, perdendo-se por vezes, sobretudo nos países economicamente mais
fortes, numa generalizante “festa da Família”, numa folclórica divulgação do
“pai-natal”, ou sobretudo num momento propício para lucrativos negócios de
brinquedos e de todo o género de ofertas e despesas!
Na Guiné-Bissau, com condições materiais e culturais muito diferentes dos chamados “países ricos”, também nós vamos celebrar festivamente o nosso Natal, apesar das condições materiais bem difíceis e adversas que estamos a viver. Mas nem por isso nosso Natal será menos verdadeiro, nem menos feliz.
Bastará para
isso que sejamos capazes de olhar para ele com olhos de fé e de
manter nossa atenção fixada na vida real por que está passando neste
momento a Guiné-Bissau. Natal, então, há-de ser para todos nós um momento
feliz de Esperança renovada num amanhã melhor, bem como dum empenhamento
pessoal para que, também neste canto da África Ocidental, se possam enraizar
os valores maiores que sobressaem do presépio pobre de Belém desde há dois
mil anos. Valores de fraternidade entre todos os cidadãos, de justiça
social, de justa distribuição de riquezas, de confiança nas dificuldades da
vida porque Deus nos visitou e está connosco, tendo armado sua tenda no meio
de nós (Jo.1, 14).
Gostaríamos
que esta Mensagem fosse um incentivo a todos vós, para fortalecer
vossa fé e vossa esperança e para encorajar vossos esforços na construção
duma nação guineense mais atraente para todos, apoiada em valores
fundamentais que o tempo não possa destruir e que ganharam maior brilho no
nascimento de Jesus Cristo em Belém. há pouco mais de dois mil anos.
Para nós
cristãos, o Natal é uma festa essencialmente religiosa, a ser vivida no
íntimo do coração e no silêncio da alma. É a certeza de que em Belém há
dois mil anos Deus veio realmente até nós; de que Jesus Cristo o Filho de
Deus se fez homem como nós, assumindo nossa condição humana e todas as
nossas inquietações e dores, para nos poder salvar em plenitude; é a
certeza de que, com a incarnação de Jesus em Belém, a nossa humanidade foi
infinitamente enobrecida, tornando-nos “filhos adoptivos” de Deus-Pai e
herdeiros do Paraíso. Com a incarnação de Jesus Cristo, Deus mesmo nos falou
e nos ajudou a entender melhor o nosso papel de criaturas humanas em relação
ao mistério de Deus, à nossa actividade no mundo e ao nosso destino final na
sua glória. Com a incarnação de Jesus chegou verdadeiramente para nós e para
toda a humanidade a Salvação.
É isto mesmo que
proclama alegremente a liturgia do Natal quando canta: “Hoje nasceu para
nós um Salvador que é o Cristo Senhor” (Lc.2,11). Ou então: “O Verbo
fez-se carne e habitou entre nós e nós vimos a sua glória” (Jo.1,14). E
ainda: “A quantos O receberam deu-lhes o poder de se tornarem filhos de
Deus” (Jo.1, 12!
Mas será que o
homem do terceiro milénio tem ainda necessidade dalgum Salvador que não seja
ele mesmo? - Nossa resposta de cristãos, em sintonia com o que
disse no Natal de 2006 o nosso Santo Padre o Papa Bento XVI, é apenas
uma e é a seguinte: “Nesta época de abundância e de consumo desenfreado,
ainda se morre de fome e de sede, de doença e de pobreza. Ainda existe quem
é servo, explorado e ofendido na sua dignidade; quem é vítima do ódio racial
e religioso, e é impedido (por intolerâncias e discriminações, por
intromissões políticas e coerções físicas e morais) de professar livremente
a sua própria fé. Há quem vê o próprio corpo e o dos seus entes queridos,
especialmente as crianças, destroçado pelo uso das armas, pelo terrorismo e
por todo o tipo de violência, numa época em que se invoca e proclama o
progresso, a solidariedade e a paz para todos (...) Não obstante as
numerosas formas de progresso, o ser humano permaneceu igual ao de sempre:
uma liberdade dividida entre o bem e o mal, entre vida e morte. É
precisamente ali, no seu íntimo, naquilo que a Bíblia chama de “coração”,
onde ele tem sempre necessidade de ser “salvo”. Quem pode defendê-lo
senão Aquele que o ama, a ponto de sacrificar na cruz o seu Filho Unigénito
como Salvador do mundo? Cristo é efectivamente o Salvador, também do
mundo de hoje” (mensagem natalícia de 2006).
Celebramos a
festa do Natal de 2007 num ambiente sócio-político e económico muito
difícil, embora não desesperado. No firmamento da Guiné continuam a
desenhar-se nuvens negras, que são outros tantos sinais de preocupação e
desgraça para toda uma população que desde há muitos anos, mas sobretudo
desde Junho de 1998, não tem parado de sofrer. Entre esses motivos de
preocupação, não podemos naturalmente deixar de apontar a subida de preços
dos produtos de primeira necessidade (não explicável apenas pelo mau ano
agrícola que tem sido este ano de 2007), bem como a continuação da crise em
domínios variados da vida nacional (devido a atrasos crónicos no pagamento
de salários e às consequentes e dolorosas greves que se lhe têm seguido), ou
ainda as dificuldades de acesso aos bens primários de saúde pela maioria da
população, ou ao não-funcionamento normal das aulas nas escolas públicas do
país.
Há porém um
problema particular, que constitui para nós pastores uma preocupação
especial e que não podemos calar neste ambiente de quadra natalícia. É o
problema do narcotráfico no nosso país. Trata-se dum assunto delicado,
do qual se fala frequentemente mas para o qual não se vêem ainda resultados
palpáveis no combate concreto que lhe tem de ser movido. E até nos parece
que a nossa população ainda não se deu conta da extensão e da gravidade
moral deste negócio. Por causa deste problema, o nome da Guiné tem aparecido
mais frequentemente nas bocas do mundo, infelizmente não para dizer bem mas
para vergonha nossa.
Hoje,
queremos dizer consciente e claramente que o narcotráfico é um
negócio enganador e altamente nocivo: é enganador porque pode
proporcionar lucros fáceis e rápidos; mas é nocivo porque conseguido
injustamente à custa da saúde e da vida de quem consome a droga, além das
consequências graves para a família e para a sociedade. Tanto aquele que
vende a droga como aquele que a consome praticam um acto desonesto e que
para nós cristãos constitui indubitavelmente um pecado grave, que a todo
o custo deve ser evitado. Seria altamente lamentável se nós cristãos, que
consideramos a vida como o dom mais precioso que Deus nos deu, viéssemos
agora a colaborar também com semelhantes negociatas desonestas!
E aproveitamos
também para deixar o nosso pedido às Autoridades do país e à Comunidade
Internacional para que tudo façam para passar das palavras aos actos,
agindo legalmente mas com severidade sobre todos aqueles – pequenos ou
grandes – que quiserem continuar a enveredar por esta pista ruinosa para a
nação. E pedimos igualmente a cada cidadão guineense que assuma com
firmeza a sua responsabilidade neste campo.
Mas, apesar de
tudo e neste ambiente propício do Natal, nem tudo são sombras negras nos
horizontes da nossa terra. Há alguns sinais positivos, que apontam
felizmente para dias melhores para todos nós nos tempos que se avizinham.
Apontemos apenas alguns, sem pretensão de sermos exaustivos. Por
exemplo, o desejo crescente e cada vez mais generalizado de reconciliação
entre toda a família guineense, tanto da parte de militares como de civis.
Além disso, podemos verificar que há também uma vontade evidente da
Comunidade Internacional em querer ajudar a Guiné para que possa sair do
fundo do poço em que ainda se encontra. E, sobretudo, podemos constatar que
não faltam jovens quadros guineenses que, se quiserem e se os deixarem,
poderão gradualmente conduzir o país para um modo de vida muito mais
gratificante para todos.
Gostaríamos
que estes sinais positivos (e outros semelhantes, não referidos aqui) se
pudessem sobrepor aos sinais negativos atrás apontados, embora sem de modo
algum os esquecer, porque são perigosos e nocivos, pondo em causa a paz e
convivência sociais.
A terminar,
queremos invocar a protecção de Jesus-Menino, o “Deus connosco”, para que,
por intermédio de Maria sua e nossa Mãe, abençoe a Guiné-Bissau e a todas as
famílias deste país conceda um Natal feliz e um futuro mais promissor.
Para
todos vós, os nossos votos dum Santo e Feliz Natal!
Bissau,
20 de Dezembro de 2007
D. José Câmnate na Bissign D. Pedro Carlos Zilli
Bispo de Bissau Bispo de Bafatá