Mais uma peça teatral de Koumba Ialá

(Ponto de Vista)

 

Não é pela aparência que se avalia o verdadeiro religioso, mas pela fé.

“Sabedoria popular”

 

 

Por: Rui Jorge  da Conceição Gomes Semedo *

rjogos18@yahoo.com.br

Rui Jorge Semedo

09.08.2008

 

Sem mínima pretensão de subestimar a inteligência dos profissionais do teatro que, obviamente, são homens e mulheres com elevado grau de cidadania e compromisso social, aqui nesta reflexão usamos o termo numa outra perspectiva que pode ser observado nesta opinião.

É verdade que constitucionalmente o nosso país é um Estado laico, no entanto, cada cidadão ou grupo é livre para escolher e professar a sua crença religiosa, da mesma forma, que em termos de direitos sociais e políticos que o assiste pode aderir sindicato, associação comunitária, partido político, etc. Todavia, apesar desses direitos que a lei lhe conceda, é bom que saibamos prestar atenção e fazer leituras de situações oportunistas que acontecem ao nosso redor. Principalmente, quando se trata da fé religiosa, coisa séria que mexe com a vida espiritual de milhões de crentes, e que não deve ser misturada e, muito menos, confundida com coisas mundanas, como falsidade, mentira, oportunismo e outras práticas contrárias aos ensinamentos do Profeta Mohamed, Jesus Cristo, Buda ou mesmo dos nossos tradicionais “Balobas”.

Na semana passada falou-se bastante e com muito entusiasmo na conversão do ex-presidente Koumba Ialá, agora Mohamed Embaló Ialá, ao islamismo, que aliás, segundo a imprensa foi o cumprimento de promessa de campanha eleitoral. Se realmente essa é a justificativa, perguntamos de outras que não foram cumpridas como redução de corrupção, consolidação das instituições, liberdade de expressão e outros valores democráticos prometidos por Koumba Ialá? Qualquer guineense verdadeiro sabe que de 1980 aos dias de hoje a Guiné-Bissau transformou-se num Pasto de Corruptos, mas, é durante a presidência de Koumba Ialá que a praga se escandalizou, e é ainda nesse mesmo período que assistimos a mais violenta repressão contra a imprensa, onde alguns órgãos foram fechados suas portas e seus profissionais presos. Falando das promessas, quem não se lembra que durante a campanha de 1994 Koumba Ialá nos seus discursos havia prometido “vassoura e lixívia” para varrer e lavar ministérios que ele considerava sujos de corrupção como o das finanças, direcção geral das alfandegas e outras instituições públicas? Chegou ao poder fez o que não devia ter feito e não fez o que devia ter feito.

A conversão de Koumba Ialá na minha leitura e acredito que na de maioria de observadores não pode ser visto além do ponto de vista eleitoral. Por que digo isso? Por dois motivos que passarei a apresentar: primeiro, é a perda do carisma, ou seja, Koumba Ialá surgiu na cena política nacional como um grande fenómeno e conseguiu com suas astúcias atrair grande massa. Facto que o fez ficar como segundo candidato mais votado na primeira corrida presidencial realizada em 1994. Como se costuma dizer, nem toda “derrota é perda”, pois, apesar de não vencer ele saiu muito fortalecido em termos de apoios, tanto internamente por parte dos eleitores, quanto pela magnitude que o seu nome ganhou no cenário político externo, como quem tem grandes possibilidades de destronar Nino Vieira numa outra eleição e introduzir reformas de que o País precisa. Na eleição de 1999, o reflexo da Guerra de 07 de Junho de 1998 que desprestigiou o PAIGC e o seu candidato Malam Bacai Sanhá, inquestionavelmente fez Koumba Ialá aparecer na corrida como favorito, e confirmou o favoritismo com cerca de 72% dos votos. Ao assumir o poder, Koumba Ialá decepcionou e desagradou tudo e todos, situação que contribuiu na queda de sua popularidade. A nossa leitura pode ser observada no resultado eleitoral de 2005, disputa em que Koumba Ialá obteve um fraco desempenho, e foi superado nas urnas por dois velhos adversários, Bacai Sanha e Nino Vieira.

O segundo, é mais uma questão de protagonismo político, ou seja, quem conhece ou acompanhou os comportamentos de Koumba Ialá sabe que ele é um político que gosta de forçar o seu aparecimento público, ora com discursos violentos e desestabilizadores, e agora para suavizar apareceu como “Profeta”. Entretanto, vale ressaltar o que os brasileiros costumam dizer que o “peixe morre pela boca”. Ou seja, durante a eleição presidencial de 2005 Koumba Ialá atacou violentamente o candidato Bacai Sanhá e a tradição islâmica com essa palavra: a “Chaleira” não vai entrar no Palácio da República e muito menos o “Nam” será respondido nesse lugar. Entretanto, Koumba Ialá a partir do 18 de Julho passou a comungar dos mesmos hábitos desta tradição, no entanto, se for eleito presidente gostaríamos de saber que hábito vai adotar com a sua família no Palácio? Aliás, a política não é circo, é uma actividade nobre em torno da qual a estabilidade e o desenvolvimento de qualquer país dependem, principalmente numa sociedade como nossa, que é multi-étnica e complexa por peculiaridade própria, e exige um comportamento responsável por parte de figuras públicas.  

Hoje não precisamos de estudiosos para saber, que se nada for feito para alterar o actual cenário de relação étnico-social que é estabelecida nas instituições o risco de termos um confronto é eminente. Este perigo se aumenta a cada dia dada a incapacidade dos partidos políticos em ocupar seus espaços de instrumentos canalizadores das demandas da sociedade às estruturas governativas. Implantou-se de forma explícita a disputa étnica, principalmente nos órgãos de controlo da violência (forças armadas e polícia), os actores procuram colocar seus elementos nos sectores chaves de comando, mesmo que este carece de preparos administrativos adequados.

Em 1994 quando Koumba Ialá apareceu com “barrete vermelho” a sociedade guineense ignorou a estratégia, e hoje a mesma pode reconhecer que a mensagem latente incita o fanatismo étnico e banaliza o princípio da unidade nacional. Agora com a insuficiência eleitoral da estratégia de “barrete vermelho” Koumba Ialá pretende esconder atrás da fé dos outros para desencadear mais uma outra ofensiva para desestabilizar. Como cidadão, gostaria de chamar a atenção de toda a sociedade guineense, em particular, da islâmica, para não permitir qualquer tipo de manipulação de quem quer que seja que possa desintegrar os guineenses e desviar a religião de sua principal missão que é a busca da verdade e igualdade. A comunidade islâmica da Guiné-Bissau sempre preocupou e participou no processo de construção e unificação desta sociedade. Ganhar fiéis é sempre bom, tanto para fazer crescer a congregação quanto para mostrar o fruto da doutrinação, mas, mais do que isso é poder contar com pessoas com fé e vontade de ajudar e não de complicar a missão evangelizadora.

No jogo político os candidatos precisam construir estratégias para manter no poder e vencer as disputas, e Koumba Ialá precisa repensar a sua forma de estar e fazer a política. Porque tentar enganar Deus, como enganou “alguns homens” pode ser fatal para a sua sobrevivência política. Infelizmente, na nossa terra é proibido efectuar a pesquisa de opinião (que avalie a popularidade dos candidatos ou partidos) que nos possibilite observar em termos empíricos como cresceu ou decresceu o peso político de determinados partidos e/ou candidatos.

 

*Mestrando em Ciência Política na Universidade Federal de São Carlos, SP, Brasil


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