Leonardo Gomes nos bastidores da integração

 

 

 

Leonardo Gomes

Leonardo Gomes

 

 

Filomena Embaló

fembalo@gmail.com

23.07.2009

 Filomena EmbalóFui recentemente contatada por um compatriota nosso residente na cidade de Evreux, em terras normandas da França. Queria apresentar-nos o seu primeiro livro publicado em março último. Um trabalho que aborda um tema de grande pertinência no contexto atual deste mundo cada vez mais globalizado e em que as fronteiras, por melhor guardadas que sejam, não impedem os fluxos migratórios e a coabitação num mesmo espaço de gentes e culturas diferentes.

 

Dans les coulisses de l’intégration[i]é o título desta obra escrita em francês, da autoria de Leonardo Gomes, aliás Mandolindoé, que sob a forma de uma peça de teatro, invoca a questão fundamental que se impõe a todos quantos por razões diversas são obrigados a deixar a sua Pátria em busca do pão ou simplesmente do direito de viver: a integração em terra alheia. Mandolindoé põe em oposição duas atitudes correntes nos hábitos dos emigrantes/imigrantes: por um lado, a integração total na sociedade de acolhimento com base no repúdio da cultura de origem e, por outro, a resistência total a todo o tipo de integração mediante a preservação da cultura ancestral.

 

Através da vida de duas famílias instaladas em França, cujos chefes provêm da mesma aldeia de um país africano, o autor, de uma forma simples, mas muito pedagógica, mostra a inviabilidade das duas posições extremas no processo de integração dos imigrantes nos países de acolhimento.

 

Na verdade, a família, que se refugia na cultura de origem e rejeita a cultura da sociedade onde vive, acaba por confrontar-se com graves problemas inter-geracionais, porquanto os filhos, obrigados a conviverem no seu dia a dia com os colegas e amigos de outras culturas, se rebelam contra a educação recebida em casa considerada intolerante. Por outro lado, fechando-se aos outros, tem menos possibilidade de progredir social e economicamente, o que reduz ainda mais a possibilidade de integração.

 

Por sua vez, a família que faz tábua rasa das suas origens vive numa situação de desconforto na medida em que, não sendo aceite pela sociedade de acolhimento como sua parte integrante devido à origem estrangeira, acaba por viver uma profunda crise de identidade. Tendo rejeitado a sua própria cultura e isolando-se voluntariamente dos membros da comunidade de que provem, perdeu pela mesma ocasião as suas referências identitárias. Não se sentindo nem uma coisa nem outra, acaba por ser rejeitada pelos dois lados. 

 

A conclusão a que chega Mandolindoé é a de que é necessário encontrar-se um “compromisso” entre as duas atitudes. Isto é, preservar os valores positivos da sua cultura de origem, que serão sempre as referências de base e os alicerces da identidade e, ao mesmo tempo, abrir-se aos valores culturais da sociedade de acolhimento de forma a poder adquirir as bases para uma integração positiva.

 

O autor faz a diferença entre integração e assimilação. A primeira supõe uma aceitação/respeito dos valores culturais da sociedade de acolhimento, mas com base na preservação da identidade de origem e a segunda pressupõe a alienação da cultura de origem e uma assimilação da cultura da sociedade de acolhimento.

 

A pertinência da abordagem deste tema e da forma como o mesmo foi tratado, deixou-nos a curiosidade de querer saber um pouco mais sobre o autor desta obra cuja leitura recomendamos absolutamente. Descobrimos antes de mais um patriota cioso de promover em França a Guiné-Bissau na sua rica diversidade, de forma a dar dela uma imagem positiva. Encontramos também um dinâmico militante associativo que preside há vários anos o núcleo de França da Associação dos Filhos e Amigos da Ilha de Jeta - A.F.A.I.JE. Conhecedor do percurso de integração dos emigrantes adultos e da problemática de integração dos jovens, Mandolindoé tem trabalhado para o desenvolvimento sócio-cultural e económico desta população.

 

Foi esta a conversa que tivemos com Leonardo Gomes (Mandolindoé) e que queremos partilhar com os nossos leitores:

 

FE: O livro que publicou aborda uma questão de capital importância e bastante atual. Como surgiu a ideia de escrever sobre o tema da emigração/integração?

LG: A ideia de escrever sobre este tema veio de um projeto da nossa Associação intitulado “Diálogo pais-filhos”. Estávamos confrontados com o problema da educação dos nossos jovens em busca da sua identidade sociocultural. Havia e há uma grande incompreensão entre pais e filhos devido à diferença cultural. Por um lado temos a fraca integração dos pais na sociedade francesa (não falam quase a língua e desconhecem a cultura) e, por outro, os filhos que falam mal a língua materna, o que resulta na pouca comunicação e dificuldade na transmissão de valores e de referências.

 

FE: Poderia ter escrito um romance, porquê uma peça de teatro, que, aliás, não deixa de ser original?

LG: De início, tendo em conta a elevada taxa de analfabetismo que caracteriza a maioria dos membros da nossa comunidade, nunca tinha pensado em publicar o livro, mas sim em fazer uma peça de teatro, filmá-la para depois fazer um vídeo e vender os DVD. Pois para mim era a única maneira de fazer chegar a mensagem até às nossas casas. Por outro lado, é mais fácil dizer certas verdades fazendo teatro com humor...

 

FE: A peça já foi encenada?

LG: Não, nunca foi encenada. O livro acaba de sair e só contamos fazê-lo mais tarde.

 

FE: Qual tem sido a reação quer de africanos, quer de europeus a esta obra?

LG: No que respeita aos africanos, nos primeiros momentos, foi uma grande decepção para mim, pois esperava mais entusiasmo e solidariedade por parte das associações dos africanos, sobretudo dos meus irmãos de Jeta. Mas não houve nada disso. Da parte dos europeus sim, o acolhimento do livro até me surpreendeu e até posso dizer que foi graças à crítica favorável do livro da parte deles que alguns africanos o compraram.

 

FE: Que apoios teve para a publicação do livro? Alguma instituição francesa apoiou? Quem financiou?

LG: Não tive nenhum apoio da parte das instituições francesas. A obra foi financiada por MDC INVEST, que é uma empresa criada por três irmãos originários da ilha de Jeta, como eu. O irmão mais velho, que é gerente da sociedade, leu o meu manuscrito e gostou da forma como tratei do tema. Falou com os irmãos e decidiram financiar a publicação.

 

FE: Como tem sido feita a promoção da obra?

LG: A divulgação está por enquanto a ser feita através dos jornais locais.Também já fui convidado para participar em algumas conferências e jornadas  culturais,  organizadas pelas associações. O livro encontra-se à venda no Forum Espace Culturel em Evreux e na Livraria Anibwé[ii], em Paris.

A maior parte da venda até agora foi feita por mim e os meus associados, pois o livro saiu apenas no mês de Março. Tenho encontrado pessoas que estão a ajudar na divulgação. Por exemplo, o diretor de um collège[iii] na cidade de Evreux que estima que o livro pode ser estudado nas escolas e aconselhou-me a contatar certas pessoas importantes. Por enquanto, tenho muitas promessas e um contrato “moral” para encontrar alunos de um collège e ir de turma em turma debater sobre a obra. O livro está caminhando lentamente, mas com passos seguros, pelo que poderíamos fazer  um balanço de vendas em meados de Dezembro.

 

FE: Esta obra não é alheia à sua atividade associativa. De alguns anos para cá é presidente do núcleo de França da Associação dos Filhos e Amigos da Ilha de Jeta - A.F.A.I.JE. Quando foi fundada esta associação e com que fins?

LG: A Associação dos Originários da Ilha de Jeta (Guiné-Bissau) foi criada oficialmente em França em Fevereiro de 1990. Mas convém precisar que muitos anos antes, os filhos de Jeta, conscientes das dificuldades vividas na ilha, já tinham começado a cotizar para realizar alguns projetos. O objetivo principal da associação era o de reunir e criar laços de fraternidade entre os originários de Jeta em França, de modo a participarem no processo de desenvolvimento da ilha. Mais tarde, conscientes de que a nossa luta incumbe a todos os filhos de Jeta, decidimos lançar uma grande campanha de sensibilização e foi assim que nasceu em 1996, em Bissau, a nossa nova associação denominada Associação dos Filhos e Amigos da Ilha de Jeta. A  A.F.A.I.JE. conta com três núcleos: AFAIJE CENTRAL (Bissau e Jeta); AFAIJE-FRANCE (França e Inglaterra) e AFAIJE-núcleo de Portugal (Portugal e Espanha). Temos também membros no Senegal, mas temos dificuldades na estruturação.

 

FE: O que tem feito a AFAIJE na Guiné-Bissau e aqui em França junto da comunidade?

LG: Na Guiné-Bissau, na Ilha de Jeta já interviemos em três áreas de desenvolvimento: Saúde, com a construção e eletrificação (painel solar) de um Centro de Saúde com fundo próprio e envio regular de medicamentos e outros equipamentos medicais; Educação, com a construção de uma escola de ensino básico, co-financiada pelo Fundo Canadiano para o Desenvolvimento e a Embaixada dos Estados Unidos na Guiné-Bissau; Transporte, com aquisição e envio de embarcações (a partir de França ) equipadas com motores fora de bordo.

Em França apostamos na inserção social dos membros acompanhando-os nos seus trâmites administrativos. Lutamos igualmente pela afirmação da identidade cultural bissau-guineense organizando, nomeadamente, jornadas culturais onde já atuaram muitos artistas e grupos culturais, tais como Sidó Pais, Mário Cooperante, Nito Costa, Nené Tuty, Rey David, Batchass Kô, Justino Delgado, Kakanda, Ballet Manbôf, vindo de Portugal, o grupo musical “Bumbulum” vindo da Itália, entre outros.

Como a maioria dos membros da nossa comunidade são manjacos que têm a nacionalidade senegalesa éramos todos considerados senegaleses. A título de anedota, conto esta pequena história: um dia num ateliê de Escrita sobre as origens, uma rapariga de 16 anos disse-me que procurou, no mapa do Senegal, o Sector de Calequisse, mas não o encontrou. Os pais da rapariga têm a nacionalidade senegalesa, mas nasceram em Calequisse e como nunca falaram abertamente da sua origem guineense, a pobre menina sempre pensou que Calequisse se encontrava no Senegal. A partir desse dia engajei-me a informar a nova geração da razão por que os Vaz passaram a ser os Basse, os Gomes Gomis, os Mendes Mendy etc.

No princípio, certos pais não estavam contentes porque achavam que estava a divulgar os “segredos deles” aos brancos, mas mais tarde alguns me agradeceram.

Convém também realçar que de vez em quando, organizamos reuniões de informação com os nossos Serviços Consulares

 

FE: Como são montadas as atividades na Guiné-Bissau? Existe uma coordenação local da associação? Trabalham com ONG’s locais?

LG: A AFAIJE Central é coordenada pelo Sr. Joãozinho Sá que é o Coordenador Nacional de Wetlands Internacional, trabalhando no Gabinete da Planificação Costeira. A Swissaid e a Tiniguena são nossos parceiros.

 

FE: Quem adere à associação? Suponho que maioria dos membros sejam naturais de Jeta, existem no entanto pessoas originárias de outras regiões que também aderiram à associação (os amigos da ilha de Jeta)?

LG: Sim, a maioria dos membros são originários da Ilha de Jeta, mas temos membros de outras origens sobretudo em Portugal e na Guiné-bissau. Aqui em França as coisas são diferentes devido a certas mentalidades. Muitos Guineenses que chegaram à cidade de Evreux, onde se encontra a Sede da AFAIJE em França, beneficiaram das atividades da Associação, sobretudo no que diz respeito ao acompanhamento social, mas não aderiram totalmente à Associação. Participam pontualmente em certas atividades culturais e isso deve-se à falta da abertura (lamentável) da maioria dos membros e também da nossa “casquette” na área da ajuda ao desenvolvimento, pois muitas vezes para financiar alguns projetos somos obrigados a estipular cotizações excepcionais que podem ir até aos 300€. Foi o caso na construção do Centro de Saúde.

 

FE: Há algo que gostaria de acrescentar?

LG: Para terminar gostaria de agradecer ao Projeto Guiné-Bissau CONTRIBUTO por me dar esta oportunidade de falar do meu livro e da Associação AFAIJE.

Eu gostaria também de lançar aqui três apelos: o meu primeiro apelo vai para todos os originários de Jeta, a quem peço que deixem todas as pequenas “guerras” intestinas e nos mobilizemos para a causa da nossa Ilha. Estou certo de que juntos poderemos fazer muita coisa e se o problema for de “leadership”, então discutamos. Como já disse muitas vezes, sou o Presidente da AFAIJE-France, não por ser o mais competente, mas sim devido à minha implicação e abnegação total na causa de Jeta. E se algum de nós precisa do poder para assentar o seu estatuto social, essa pessoa não é o Leonardo.

O meu segundo apelo vai para os nossos serviços Consulares: o nosso país perdeu muitos dos seus cidadãos por causa da guerra contra os colonialistas e depois devido à miséria causada pela má administração do país. Mas todos continuam a gostar do nosso país e até alguns pensam em voltar uma vez que a segurança lhes for garantida. Portanto os Serviços Consulares deveriam ter uma política de aproximação da nossa diáspora. Falando da França, quero dizer-lhes que talvez a ELITE guineense se encontra em Paris, mas nas outras cidades francesas vivem guineenses muito mais preocupados com os problemas do nosso país. Por essa razão deveriam aproveitar duma data como o 24 de Setembro para nos reunir todos os anos, escolhendo de cada vez uma cidade onde haja uma forte representação comunitária. Isso permitir-nos-ia não só  dar a conhecer a nossa cultura, manter o amor à Pátria nos corações da nossa diáspora, mas também recuperar os filhos perdidos.

O meu terceiro e último apelo vai para os nossos governantes. Quero lhes dizer a mesma coisa que eu disse ao nosso Primeiro Ministro, Sua Excelência o Senhor Carlos Gomes Jr.: muitos Guineenses deixaram o nosso país como simples camponeses, operários e no estrangeiro investiram na família. Agora têm filhos engenheiros, doutores, técnicos, financeiros, desportistas de alto nível. Estão todos empilhados num barco flutuando num mar de incertezas à procura dum porto para desembarcarem. Pedimos a esses senhores que nos abram esse porto começando por eliminar da nossa Constituição certas disposições que impedem a união de todos os Guineenses; essas disposições que só servem para proteger “Kilis ki ka fiança na sê capacidades[iv].

Mais uma vez obrigado, Projeto Guiné-Bissau CONTRIBUTO.

 

E o Projeto Guiné-Bissau CONTRIBUTO retribui:

Baran[v] Mandolindoé, pelo excelente trabalho realizado pela promoção e desenvolvimento do nosso país e junto da nossa comunidade emigrada! Batchi ka Lucubum![vi]

 

 


 

[i]              Dans les coulisses de l’intégration, de Mandolindoé (Leonardo Gomes), Edição de MDC Invest, ISBN: 978-9533740-0-1

[ii]             Livraria Anibwé, 52 rue Greneta, 75002 Paris, França - Tel./Fax : ++ 33 1 45 08 48 33  http://www.anibwe.com

               Horário de abertura: de terça feira a domingo das 14h às 21h

[iii]             Estabelecimento de ensino secundário do sexto ao nono ano de escolaridade

[iv]             Os que não acreditam nas suas capacidades

[v]             Obrigado

[vi]             Deus pagar-te-á

 

 

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