LEITURA JURÍDICO – CONSTITUCIONAL DAS CONSEQUÊNCIAS DE APROVAÇÃO DA MOÇÃO DE CENSURA AO GOVERNO

 

 

 

dr. Lassana SeidiArtigo de opinião de Lássana Seidi*, Licenciado em Direito pela Universidade Clássica de Lisboa

 

 

*          Foi Deputado da Nação, Ministro do Interior do Governo Constitucional do PAIGC derrubado pelo Presidente da República a 28 de Outubro de 2005, Inspector Superior Contra a Corrupção e Director-Geral de Identificação Civil, Registos e Notariado

 

 

Saída Constitucionalmente Possível.

 

Antes de prosseguirmos com a analise do nosso assunto, convém antes de mais passar em revista, o conceito geral, papel e a importância jurídica de uma Constituição.

 

No seu conceito geral, a Constituição pode ser entendida como um conjunto de normas básicas que definem o ordenamento político de um Estado. A sua motivação foi no início, garantir os direitos individuais perante os monarcas absolutos cujos poderes ficaram desde então bastante limitados.

 

Hoje em dia, considera-se que não haverá Constituição se nela faltarem os artigos correspondentes à declaração dos direitos individuais, a divisão e interdependência de poderes.

 

Por isso, nos sistemas democráticos de Estados modernos sejam eles parlamentares, Presidencialistas ou Semi-presidencialistas, nenhum órgão de soberania pode exercer o monopólio ou supremacia sobre os demais.

 

Graças aos princípios de separação e interdependência dos poderes e de subordinação de todos eles à Constituição, há possibilidades de controlo e fiscalização mútua para manter o equilíbrio necessário entre eles.

 

Esta realidade, é claramente visível no Sistema Semi–Presidencialista adoptado pela nossa Constituição, onde se constata que, a par do importante papel de árbitro do Presidente da Republica, existem mecanismos de controle mutuo consubstanciados nomeadamente na parte do Presidente, na possibilidade da dissolução da ANP, de promulgar ou vetar os diplomas do parlamento e da parte da ANP, na possibilidade de superar o voto presidencial, de investir o Chefe de Estado, requerer o exercido da acção penal contra este e autorizar-lhe a declarar a Guerra e fazer a Paz – Artgºs 69 nº 2,  67 e 85 nº 1 a) e j) da Constituição.

 

De facto, nenhuma sociedade organizada em Estado moderno pode funcionar sem uma públicos, na demarcação das suas competências e em consequência na manutenção de um clima de unidade, coesão, paz, harmonia política e social, valores fundamentais ao desenvolvimento e prosperidade de qualquer nação.

 

Por conseguinte, não haverá nenhuma sociedade livre nem justa, muito menos estável, sem respeito pela Constituição e pelas leis.

 

Posto isto e, continuando a análise da questão, vamos ao art.103º da Constituição que diz que “o Governo é politicamente responsável perante o Presidente da Republica e perante Assembleia Nacional Popular”.

 

Estamos assim perante a consagração do principio constitucional da dupla responsabilidade do Executivo, traço característico do sistema semi-presidencialista que na prática significa que, o Governo é responsável perante o Presidente da República e perante o Parlamento, podendo qualquer destes órgãos demitir o Governo. Aliás, é o que dispõe o artigo 104º nº 1 d) da Constituição que diz “acarreta a demissão do Governo, a aprovação de uma moção de censura”.

 

Em relação ao Presidente da República a mesma faculdade é-lhe dada pelo número 2 do artigo 104º da Constituição que estabelece que, “em caso de grave crise política que ponha em causa o normal funcionamento das instituições da Republica, ouvidos o Conselho de Estado e partidos políticos com assento na ANP”.

 

Além do caso acima mencionado, a ANP pode ainda demitir o Executivo através da não aprovação de uma moção de confiança (art. 104º nº 1, d) da Constituição ou pela não aprovação pela segunda vez consecutiva do Programa do Governo pela Assembleia – art. 104º nº 1 b) da Constituição;

 

A responsabilidade política do Governo perante a ANP é ainda visível nos vários outros preceitos constitucionais versados sobre a competência do Parlamento nomeadamente, na votação das moções, resoluções e Orçamento Geral de Estado, previstas no art. 85º nº1 c), d) e g) da Constituição.

 

Da conjugação do art. 85º nº 5, e 104 nº 1 d), resulta que a não aprovação de uma moção de confiança por maioria dos deputados ou aprovação de uma moção de censura pelo mesmo numero, subscrita pelo menos por um terço de deputados em efectividade de funções, acarreta a demissão do Governo.

 

As decisões da ANP, assumem de acordo com o art. 91º nº 2 da Constituição, a forma de leis, resoluções e moções.

 

Assim, da leitura do texto constitucional conclui-se que as moções votadas pela ANP, não são se quer objecto de promulgação ou veto do Presidente da Republica, porque estes institutos são apenas aplicáveis segundo os arts. 68º s) e 69º nº 1 c) da Constituição, aos diplomas da ANP e do Governo, deixando  propositadamente de fora as moções.

 

O que quer dizer que, o conceito de diploma aqui utilizado não abrange as moções, razão pela qual estas não fazem parte da lista do nº 1 c) do artigo 69º da Constituição e consequentemente, não podem ser objecto de veto. Nem podia ser de outra forma porque o acto da ANP em causa decorre da sua competência de fiscalização política do Governo.

 

Portanto, com a provação de moção de censura pelo Parlamento nos termos constitucionalmente exigidos, a única saída jurídica possível para este caso, é o respeito pela decisão da ANP da qual decorre ipso jure a queda do Governo não precisando de qualquer acto formal do Presidente da República. Significando isso que a partir da decisão soberana da Assembleia Nacional Popular, o Governo passa a ser de gestão.

 

Outra situação completamente diversa que aliás, não deve oferecer nenhuma hipótese de confusão nem oferecer uma alternativa de saída jurídica ou política viáveis à demissão do Governo já ditada pelo Parlamento, é a prevista no art. 69º nº 1, a) que diz o seguinte: “O Presidente da Republica pode dissolver a Assembleia Nacional Popular, em caso de grave crise política, ouvidos o Presidente da ANP, os Partidos políticos nela representados e observados os limites impostos pela Constituição”.

 

Portanto, a possibilidade do Presidente de Republica poder legitimamente usar deste preceito para dissolver a Assembleia, depende da verificação entre outras condições, da existência de uma grave crise política por um lado e a observação dos limites impostos pela Constituição por outro.

 

Começando pela ultima condição, os limites impostos pela Constituição ao exercício das competências do Presidente da Republica são, além dos previstos nos artigos 71º números 4 e 5 e 94º nº 1, os próprios princípios de separação de poderes entre os órgãos de Estado e da subordinação de todos eles à Constituição (art. 59º nº 2).   

 

Daqui resulta que, para que os actos de um órgão de Estado, sejam validos perante a  Constituição e aceitáveis na ordem jurídica, devem ser praticados dentro dos limites  das respectivas competências Constitucionais.

 

Quanto a primeira condição, esta não está preenchida no caso em questão, uma vez que esta hipótese, só se colocaria na falta de uma clarificação da maioria parlamentar a favor do Governo ou dos partidos promotores da moção de censura. Isto é, caso houvesse um empate técnico na votação da moção, o que não foi o caso.

 

A solução para a clarificação da maioria, foi conseguida clara e democraticamente dentro da própria Assembleia, único órgão competente para resolução desta questão (art. 85 nº1 – e) da  Constituição.

 

Em conclusão e ao contrario de muitas opiniões, só a situação de um eventual empate técnico e apenas nesta no caso concreto em analise, poderia justificar constitucionalmente o recurso à dissolução do Parlamento.

 

Na eventualidade de acontecer esta hipótese remota, o Presidente da Republica deverá convocar nos termos do Artº 3º da Lei Eleitoral, eleições legislativas antecipadas com  antecedência de 90 dias.

 

Fora da hipótese descrita, o recurso à dissolução da ANP, como alternativa à demissão do Governo e, tirando antes o chapéu aos ilustres Constitucionalistas, não é, na minha modesta opinião, uma boa solução, nem constitucional nem politica, por quanto redundaria numa situação de “deitar agua na fervura” que levará para outros caminhos ainda mais complicados e difíceis de trilhar que são neste momento totalmente desaconselháveis para  a manutenção do necessário clima de estabilidade no País.

 

Finalmente, esta opinião não pretende ser mais do que uma contribuição que visa proporcionar a opinião pública, elementos úteis para a compreensão da questão e fornecer uma pista orientada para uma saída constitucional e airosa do caso.

 

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