Identidade cultural: entre o “Ser” e o “Sentir”...

 

 

 

Filomena Embaló

fembalo@gmail.com


 Filomena Embaló


29.11.2007

Ao invocar aqui o tema da identidade cultural, pretendo tão-somente dar aos leitores um repto para um intercâmbio de opiniões sobre um tema particularmente delicado no seio da sociedade bissau-guineense, constituindo quase um tabu.

 

Por identidade cultural, entende-se o conjunto de valores através dos quais se manifestam as relações entre indivíduos de um mesmo grupo que partilham patrimónios comuns como a cultura, a língua, a religião, os costumes, para citar apenas estes. Não sendo um processo estático, ela vai evoluindo à medida que a sociedade avança do ponto de vista cultural, social, económico e político. É graças a ela que um indivíduo se identifica com um determinado grupo com o qual a partilha e é a ela também que se deve a coesão da sociedade.  Uma crise dessa identidade põe em causa a própria ordem social.

 

Com base nesta definição, num país como a Guiné-Bissau, autêntico mosaico de culturas, poder-se-á falar de uma identidade cultural nacional?

 

É certo que cada um dos grupos que compõem a população guineense possui uma identidade cultural própria, que o define como um todo coeso. Não obstante, por esses diversos grupos partilharem um território, uma língua  e uma história comuns, história essa forjada numa convivência secular de resistência em que a Luta de Libertação contribuiu grandemente para uma convergência de valores, pode-se, falar, no meu entender, de uma identidade cultural nacional. E é essa identidade cultural comum, que se sobrepõe às identidades dos grupos populacionais, que faz a coesão da sociedade guineense, sobretudo nos momentos de crise, evitando que esta tome proporções maiores.

 

Admitindo, então, a existência de uma identidade cultural guineense, pode-se interrogar por que razão, periodicamente, em geral em tempos de crise, surge o debate à volta da questão dos “fidjus di tchon” e dos “burmedjus”, fazendo a diferença entre o guineense “genuíno” e o guineense descendente da imigração, (nomeadamente portuguesa, cabo-verdiana ou libanesa).

 

Perante esta oposição, a reflexão que se impõe é a seguinte: em ambos os casos, existe subjacente à identidade cultural comum (nacional), uma identidade cultural própria ao grupo populacional a que cada um pertence. Essas identidades individualmente não definem por si só  a identidade cultural guineense, pese embora o facto de terem contribuído para a formação desta. Como também não atribuem, por si só, a um indivíduo do grupo de que emanam, a identidade cultural  guineense. Isso é verdade tanto para o caso do guineense “genuíno” como do guineense descendente da imigração, ambos parte integrante da população do país. Explicitando esta ideia: sabemos que por razões históricas as nações africanas foram divididas pelas fronteiras decididas pela colonização. O mesmo povo viu-se “distribuído” por diversos países. No entanto, estejam onde estiverem, os membros desses grupos partilham uma identidade cultural comum. Por exemplo, um fula ou um mandinga da Guiné-Bissau identifica-se com um fula ou um mandinga do Mali. No entanto esse facto, não vai fazer do fula ou do mandinga maliano um guineense. E isto por eles não partilharem dos valores que determinam o “sentir” guineense, isto é aquilo que faz a identidade cultural guineense.

 

Posto isto e voltando à sociedade guineense, pergunto: convivendo todos no mesmo espaço, partilhando valores culturais, morais, sociais, políticos, entre outros, para além de uma língua comum, o kriol, um expoente máximo da identidade cultural nacional, por que razão seria considerado “mais guineense” o guineense “genuíno” do que o descendente da imigração? O que é afinal ser guineense? Haverá critérios “epidérmicos” a ter em conta nessa definição? Seria um absurdo! E quem poderá julgar do “sentir guineense” de cada cidadão nacional, uma vez que esse “sentir” vem da própria vivência que o próprio tem do país e que o faz identificar-se com ele?

 

Sei que este debate tem as suas raízes na própria história colonial da Guiné-Bissau, durante a qual a população mestiça foi privilegiada e instrumentalizada pelo regime. Não ignoro também que houve comportamentos excessivos de alguns desses privilegiados em relação ao resto da população. Como não desconheço, que pela força das circunstâncias e fruto desses privilégios, foram os descendentes dessa franja da população que, numa fase inicial do pós-independência, tiveram acesso aos cargos mais importantes da função pública, pois foram eles que até então puderam aceder à formação. Mas tudo isso não pode de forma alguma impedir aos cidadãos em questão de se afirmarem plenamente como guineenses que são, como guineenses que partilham o “sentir” de todo um país que os viu nascer e os formou à imagem dos seus valores e dos seus sonhos de uma nação forte, fraterna e coesa!

 

É apenas uma opinião. A minha. Qual é a sua?

 

 

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