GUINÉ-BISSAU: DEMOCRACIA OU REFORMA?

 

 

Por: Ricardino Jacinto Dumas Teixeira *

Ricardino Dumas Teixeira

ricardino_teixeira@hotmail.com 

13.03.2008

 

Como entender as mudanças políticas que a Guiné-Bissau vem enfrentando nos últimos trinta anos? Os sucessivos golpes militares perpetrados por civis e executados por chefias militares; a destituição de governos democraticamente eleitos, a perseguição política acompanhada de prisões arbitrárias de adversários políticos, etc., comprovam que nos encontramos perante uma crise de democracia.

Como entender as coabitações partidárias, as sucessivas retiradas de confiança política diante de constantes ataques e contra-ataques entre políticos e, consequentemente, a desconfiança e espírito de vingança que reina na democracia guineense?  Se analisarmos sob esse prisma aos olhos do cotidiano, de fato, fica difícil entender. No entanto, se analisarmos as coisas além das aparências que os nossos olhos aparentam, compreenderemos, em parte, as estratégias e as táticas da classe política guineense, começando por Velhos Combatentes até aos Jovens Políticos oportunistas e populistas, que utilizam o discurso étnico e regional, os interesses pessoais e coabitações partidárias difusas como forma de chegar ao poder ou reeleger na eleição seguinte.

Desde que a Guiné-Bissau ficou oficialmente independente contra a exploração em massa dos recursos naturais pelo colonialismo do governo de Portugal, o processo de re (construção) nacional sob comando do PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde) não trouxe a melhoria da qualidade de vida das populações e muito menos garantiu a estabilidade para o seu povo, tanto a nível rural quanto na zona urbana. Esperava-se que, com o processo de transição política para a democracia, em 1994, somado à abertura da economia nacional ao capital internacional e sub-regional (UEMOA), as crises sociais e políticas permeadas por questões étnicas, estariam resolvidas ou minimizadas. No entanto, os resultados, em grande medida, não geraram uma democracia equilibrada ou consolidada devido aos sucessivos “golpes” militares e civis na luta pelo controle do poder político.

 Para compreender a dinâmica política e social na Guiné-Bissau - objeto deste artigo - nada melhor que uma análise cujo propósito central é analisar as mudanças que estejam ocorrendo no país, contextuando-as a partir da descolonização, da formação do Estado Novo e da democratização da sociedade. 

Quando o processo da descolonização e da independência da Guiné-Bissau começou, na segunda metade da década de 70, o governo do PAIGC não conseguiu efetivar o seu programa menor, que era o desenvolvimento (entendida como a modernização), mostrando-se incapaz para enfrentar novos desafios. Assistiu-se a uma tendência autoritária, inspirada no modelo leninista do governo (mesmo que o PAIGC não se definisse como socialista), o que dificultava a ruptura com o passado autoritário, contribuindo para criação de um ambiente político e social cada vez mais difícil e instável. O projeto político da institucionalização da democracia revolucionária, conceito de origem leninista, proposto por Amílcar Cabral - líder fundador da nacionalidade guineense e cabo-verdiana - foi substituído pela política do FMI e BM, consentida pelo governo do PAIGC para renegociar a dívida externa e conseguir novos  créditos (KOUDAWO, 2001; MENDY e CARDOSO, 1996). Mas, por outro lado, a dívida contraída pelo governo não melhorou a condição de vida dos guineense, tanto a nível urbano quanto das populações rurais, sendo estes os que mais apoiaram a luta de libertação. Essas comunidades, cuja base econômica é essencialmente camponesa, estiveram entre os setores mais explorados e marginalizados pelos sucessivos governos da Guiné-Bissau.

A desastrosa política do governo do PAIGC também se fazia presente no setor da educação. O sistema de ensino adotado pelo regime do partido único, como acontece nas ditaduras, limitava-se apenas na difusão e propaganda da ideologia do partido (criação de homem novo e desenvolvimento da cultura popular), mas não facilitava e nem permitia o desenvolvimento da consciência crítica ou visão contraria que permitiriam aos indivíduos perceber as contradições sociais, políticas e econômicas da sociedade na condição de sujeitos sociais coletivos.

Portanto, é razoável dizer que a pobreza aumentou significativamente desde que os dirigentes nacionais - ligados ou não ao PAIGC – assumiram a frente da máquina pública, além de disputas políticas subjacentes, questões étnicas e regionais, que culminaram na deposição do primeiro presidente indicado pelo PAIGC, Luís Cabral. Este golpe foi dirigido pelo Comandante de Guerrilha, João Bernardo Vieira, que havia dirigido a luta contra os portugueses no Sul do país. O golpe sela a separação política entre a Guiné e Cabo Verde, acabando com o sonho da unificação dos dois países. Além da questão étnica, o golpe de Estado de 1980 também trouxe, para espaço público, os conflitos no interior do PAIGC entre a ala flexível do PAIGC - na sua maioria jovens quadros (reunidos no grupo 121), que tinham acabado de retornar dos estudos nos países onde os valores democráticos eram incentivados e difundidos – e a ala militar, na sua maioria, os Velhos Combatentes da guerrilha que lutavam para preservar os privilégios herdados durante a luta e também no período do Estado Novo.

Assim, o conflito político dentro do PAIGC se dava entre dois grupos. De um lado, os que defendiam a abertura política e institucionalização da democracia, e do outro, aqueles que viam na democracia uma ameaça a status quo. A prática do uso da força física e da força bélica na mediação de conflitos políticos e sociais na Guiné-Bissau fez-se presente, mais uma vez, no próprio governo que a iniciou. João Bernardo Vieira, mentor e autor de golpe de 1980 - foi destituído do cargo de Presidente da República, em 1998, por Ansumane Mané. Este desempenhava o cargo de Chefe de Estado-Maior do Exercito no governo de Vieira.

Em 2003, Kumba Yalá, líder do PRS (Partido da Renovação Social), eleito no pleito de 1999 também foi derrubado através de um golpe militar, desta vez por Veríssimo Seabra. Esses e outros acontecimentos políticos na Guiné-Bissau fazem-nos indagar sobre o modelo da nossa democracia, onde a luta política para obtenção do poder não acontece com base nas regras do jogo democrático, mas sim, com base nos golpes de Estado, afinidades étnicas e regionais, prisões arbitrárias, exclusão política partidária, matança de adversários políticos civis e militares.

Nessa ótica, a Guiné-Bissau ficou sem uma democracia (que pressupõe visões contrárias e luta pelo poder com base nas regras democráticas através do voto da sociedade civil), mas também sem uma reforma política e econômica que a sociedade civil tanto reclama e luta para ver concretizada. Assim, a democracia guineense não é um método de seleção de líderes através de eleições livres, mas sim um método de seleção de militares e partidos políticos para destituição de governos democraticamente eleitos. Não existe o principio da limitação do poder do general presidente, isto é, a distribuição de cargos e funções entre o poder Executivo, o poder Judiciário e Legislativo, tal como aconteceu na recente eleição para o cargo de Presidente do Supremo Tribunal, entre outras eleições, é ilustrativo. O objetivo é o mesmo de sempre: aumentar cada vez mais o protagonismo do presidente em todas as esferas institucionais da República.

Para a atual e antiga elite política, o equilibro de poder entre a Sociedade Civil, Sociedade Política e instituições da República está fora de questão, sendo substituído pelas alianças entre o presidente e partidos políticos que utilizam o discurso democrático nas cerimônias e documentos escritos, mas, frequentemente, nos bastidores, não fica claro que tipo de democracia defendem; se é aquela que o povo é destituído de qualquer poder e influencia no mundo político ou aquela democracia que pressupõe diminuição da pobreza e da desigualdade social e econômica; criar as condições pelos quais se viabiliza o aumento da participação política e consenso a respeito das questões decisivas para o desenvolvimento social e econômico do país. A democracia não surgiu num vácuo social e nem se resume num conjunto de arranjos partidários de ascensão econômica ou política, como tem sido rotineiro na nossa sociedade onde os políticos vendem suas ideologias em troca de um cargo no governo ou buscam esse cargo cooptando chefias militares para a destituição do governo eleito.

O povo clama por projetos alternativos da sociedade e da democracia, nos quais a Sociedade Civil será obrigada assumir as responsabilidades sociais e econômicas evitadas historicamente pelos sucessivos governos. Mas, a Sociedade Civil precisa manter, a todo custo, a sua autonomia institucional e organizativa em relação à Sociedade Política na consolidação de uma concepção da democracia fundada no bem comum; na defesa de um projeto que articula a reforma social, política, econômica e cultural contra a herança desagregadora destruidora da antiga e atual classe política.

 

Referencias Bibliográficas.

 

CARLOS, Cardoso. Classe política e transição democrática na Guiné-Bissau. In: KOUDAWO, Fafali e MENDY, Peter (coord) Pluralismo político na Guiné-Bissau. Guiné-Bissau: Nova Gráfica, 1996.

 

KOUDAWO, Fafali. Cabo Verde e Guiné-Bissau: Da democracia revolucionária à democracia liberal. Guiné-Bissau: INEP, Novagráfica, 2001.

 

MENDY, Peter. A herança colonial e o desafio da integração. Guiné-Bissau. In: Soranda. Revistas de Estudos Guineenses, 1993.

 

MENDY, Peter. A emergência do pluralismo político na Guiné-Bissau. In: KOUDAWO, Fafali e MENDY, Peter (coord) Pluralismo político na Guiné-Bissau. Guiné-Bissau: INEP, Novagráfica, 1996.

 

*Mestrando em Sociologia Política - Brasil

PROJECTO GUINÉ-BISSAU: CONTRIBUTO - LOGOTIPO

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Projecto Guiné-Bissau: CONTRIBUTO

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