FORMAÇÃO DO ESTADO GUINEENSE

 

 

Bruno César Pinto *  

 brucin85@hotmail.com

10.03.2011

Bruno César Pinto

Resumo

 

O presente trabalho trata-se de um período da formação do Estado guineense, após-independência, buscando ao fundo trazer os problemas que pairam a construção do mesmo. O propósito do trabalho foi de tomar a Guiné-Bissau como modelo de Estado-Nação e abordar as questões do seu fracasso na tentativa da implementação de um modelo importado, que por sua vez resultaram nas muitas das vezes na reação antidemocrata, sabendo o caso como o da Guine Bissau é de difícil compreensão, levando em conta os sucessivos golpes de estado, assassinatos, prisões arbitrarias que o país vem sofrendo desde período da descolonização, tendo em conta os fatores étnicos e da disputa do poder pelas as mesmas partes. O estudo se concentra em primeiro lugar, na descrição da chegada dos portugueses, tentando compreender as relações mantidas entre os colonizadores e os colonizados. Em segundo lugar, na relação conjugal das partes étnicas (resistência nacional) face ao problema da colonização.

Palavras chave: Estado, território, colonização.

 

A CHEGADA DOS PORTUGUESES

 

A primeira seção deste trabalho concentrar-se-à na descrição dos primeiros contatos dos invasores das suas chegadas ao território africano (Guiné-Bissau) mantendo relação direta com os povos que ali se encontravam. Este contato que viria se a transformar numa relação de dominação entre os dominantes (Portugueses) e dominados (guineenses/nativos).

Em 1446 pisou-se pela primeira vez no solo guineense os navegadores portugueses, quando Nuno Tristão vindo da costa senegalesa pela sua quarta viagem apartou-se no litoral africana e que posteriormente veio a ser a província portuguesa da guiné.

O domínio português na Guiné-Bissau teve seu início a partir do século XVI, quando colônias estabeleceram uma vila às margens do rio Cacheu. A partir desse momento a região passa a ser importante centro de comércio de africanos como escravos. O escravo era o bem mais valioso ao alcance dos navegadores, enquanto não descobriam os caminhos para o metal amarelo (AUGEL, 2007, p.52). Com as navegações portuguesas deu-se o motivo para a desintegração do império mandinga e, no século XVI, deu origem a diversos Estados mais ou menos autônomos, quando a autoridade máxima do imperador foi repartida com alguns vassalos que se proclamaram mansa (Reis).

Os portugueses pelas suas estratégias aproveitaram de forma direta a negociar com a família real de Kaabú do que com Mali. As relações entre D. João II (1481-1495) e os demais reis que o sucederam - e os chefes africanos regionais atestam a importância daquele reino, sendo a Monarca de Kaabú o maior vendedor de escravos daquela parte do mundo (LOPES, apud, AUGEL, 2007, p.53).

Diferentemente do que se fez com as outras colônias, como por exemplo, Angola, e Moçambique, Portugal se limitou, quase que exclusivamente a se servir da região como ponto de apoio para o comércio escravagista ao longo da costa ocidental africana, vendo-a como um ponto de comércio e não uma colônia de estabelecimento próprio para agricultura. Os permanentes contatos mantidos entre os portugueses e as autoridades africanas locais não tardam a demonstrar seus efeitos negativos, segundo Parente Augel.

                                     “Dos finais do século XVI em diante, o crescente florescimento do comércio escravagista contribuiu decisivamente para a desintegração dos reinos do Oeste africano, com isso facilitando a ação colonialista dos portugueses. Esses introduziram novos produtos, tornando o comércio mais lucrativo, e conseguiram, com isso, incrementar desavenças e rivalidades étnicas. Entretanto, quando se observa o desenvolver histórico da região, consta-se que o impacto da administração colonial, com seus efeitos desagregadores, só se deu de fato a partir do século XIX e início do XX e necessita de uma acentuada presença militar como apoio ao colonialismo sistemático para poder impor-se pela força e violenta repressão” (AUGEL, 2007, p.54)

No entanto, a intensa disputa entre os portugueses, franceses e britânicos, estes últimos tiveram, por um curto período de tempo, um assentamento em Bolama antiga capital da colônia. Em março de 1879 a colônia foi separada administrativamente de Cabo Verde e, passa a ser colônia portuguesa, com disputas fronteiriças com o Senegal, então dominado pela França, que só terminariam em 1886, em decorrência da conferência de Berlim. A arbitrariedade de toda essa divisão territorial e o artificialismo das fronteiras impostas pelos interesses imperiais colonizadores, desbaratando famílias clânicas, levando barreiras geográficas e políticas, provocaram e continuam a provocar tensões desastrosas no continente. 

A RESISTÊNCIA DOS NATIVOS: A MULTIPLICIDADE ÉTNICA

 

                                     “O século XX é decisivo para os africanos na sua luta pela libertação. Afinal, a independência dos Estados Unidos, ao da declaração dos Direitos Humanos, proclamada pela a Revolução Francesa, cria a possibilidades efetivas de questionamento dos limites da liberdade e da igualdade, restritas apenas aos aceitos como “civilizados”. Paradoxalmente essa mesma conjuntura compreende a nova fase do colonialismo, com o objetivo primordial de expansão, definidor da política externa dos países europeus com domínios em outros continentes. Esses acontecimentos, contraditórios em essência, despertam em graus diferenciados o desejo de soberania por parte dos povos conquistados” (HERNANDEZ, 2002, p.139). 

Como o argumento para a desigualdade é fundada na raça, essa idéia torna-se fundamental para unir os guineenses face à luta pela libertação nacional, embora assemelhados por sua origem, mas com especificidades particulares.

Portugal pela à sua política expansionista assentada no pressuposto de que as províncias são povoadas por “raças inferiores”, e incluí-las nos domínios da civilização cristã ocidental é o grande feito da colonização portuguesa nas terras africanas. 

Desde primeiro tempo da chegada dos portugueses, até a época de colonização houve reações conjugais da parte dos nativos. As reivindicações contra o domínio colonial foram por parte de todas as etnias, foram dos demais diversos tipos de reivindicações; o não pagamento dos impostos, do trabalho forçado, resistência passiva, emigração e protesto contra uma agricultura voltada à exportação. Um desses atos consiste na revolta do chefe “Beafada”, Infale Sonco, que se sentiu injusto pelos maus tratos dos portugueses, reagiu fortemente, matou um soldado português e prendeu o chefe máximo que veio a libertar depois. Por sua vez, os “pepéis” não pouparam esforço, pela sua localização geográfica deu-lhes possibilidades de negociação com os portugueses, ora colaborando com o invasor, ora hostilizando-o, restringindo-lhe o raio de ação e exigindo-lhe o pagamento de tributos.

Os Bijagós, povos das ilhas do arquipélago do mesmo nome, não se dobraram tão pouco à dominação portuguesa. A legendária rainha Okinka Pampa continua na memória dos guineenses como um baluarte contra o domínio colonial. Essa férrea resistência levou os portugueses a só poderam considerar o território completamente “pacificado”, isto é, dominado, em 1936, quando, depois de anos de ferozes combates, os povos insulares acabaram capitulando (MENDY, apud, AUGEL, 2007, p. 58).

 Não obstante, uma revolta há de vir ainda, o dito movimento nacionalista que levaram cabo a luta pela libertação nacional. Cabral, em 1956 ousou criar na clandestinidade o PAIGC – Partido Africano para Independência da Guiné e Cabo Verde, este de orientação marxista, cujo objetivo foi à conquista imediata da independência nacional.

A preparação para a luta armada mostra a determinação dos militares do PAIGC em utilizar todos meios para destruir a dominação colonial portuguesa. O movimento decide mobilizar os camponeses através da consciencialização dos problemas políticos ligados às suas necessidades políticas e interesses sociais.

Após a criação do PAIGC, a primeira ação do deste partido ao nível político foi à preparação de uma greve da União Nacional dos Trabalhadores da Guiné (UNTG), o movimento que já havia sido criado um ano antes (1958) do protesto dos operários contra os baixos salários. Um ano depois, isto é, em 1959, começa a execução do plano já previamente elaborado e, em agosto do mesmo ano tem lugar à greve. A resposta das polícias portugueses será o massacre de dezenas de operários no Cais de Pindjiguiti.

Com esse ato brutal da parte dos portugueses, fez-se permanecer o motivo da consciencialzação a nível do campo e a mobilização  internacional. Entre as diferentes ações realizadas pelo PAIGC é necessário sublinhar a elaboração de um relatório sobre o colonialismo português apresentado ao Comitê das Nações Unidas para os territórios administrados por Portugal, em junho de 1962. Aliás, Cabral já demonstrava em varias conferências o objetivo claro dos movimentos de libertação que é a luta contínua contra toda e qualquer manifestação colonialista na África. Nesse sentido, ressalta:

Devemos estar consciente, nós, os movimentos de libertação nacional integrador na CONCP, que a nossa luta armada contra o imperialismo, da luta do homem pela sua dignidade, pela liberdade e progresso. É neste quadro que teremos de ser capazes de integrar a nossa luta. Devemo-nos considerar como soldados, muitas vezes anônimas, mas soldados da humanidade, nesta vasta frente de luta que é a África dos nossos dias (CABRAL, apud, HERNANDEZ, 2002, p. 165).

E, mais adiante, completa:

(...) Nós somos, na CONCP, ferozmente contra o neocolonialismo, qualquer que seja a forma que ele tome. A nosso luta não é somente luta contra o colonialismo português, nós queremos, no quadro da nossa luta, contribuir de maneira mais eficaz para acabar, para sempre, com a dominação estrangeira no nosso continente (CABRAL, apud, HERNANDEZ, idem). 

Vale ressaltar ainda que a luta armada que se deu no território guineense, cujo caráter consiste na orientação leninista herdeiro da doutrina marxista do Estado, pois Cabral, ou seja, o partido que dirigiu a guerrilha se inspirou no princípio da libertação dos povos oprimidos como um dos alvos da suas estratégias revolucionária de luta contra o imperialismo, o que permitiu o princípio do direito da nação à autodeterminação. Dentre os argumentos doutrinários de Lenin, o mais difundido entre os movimentos nacionalistas é o da determinação dos povos, por ir ao encontro do maior dos anseios: o da liberdade.

Com a crescente mobilização da parte do movimento nacionalista, não para o esforço dos colonialistas em destruir a base formada pelo movimento anti-colonial. Contatado o estratega militar, General Spínola, que assumirá a responsabilidade de pôr em prática a destruição do partido (PAIGC). Reputado pelas suas ações, Spínola pelo seu método recorrido foram lançados milhares de panfletos prometendo apoio a todos que depusessem as armas foram distribuídos nas zonas libertadas, emitindo programa radiofônico em língua nacional e, ao mesmo fomentando o tribalismo, cisão entre guineenses e cabo verdianos, muçulmanos aos não muçulmanos etc. ainda esperançoso de que com a liquidação física de Amilcar Cabral seria possível a uma vitória da parte dos portugueses. Vejamos na obra de Lopes, as três fases do plano do inimigo. Assim está:

Primeira fase: numerosos compatriotas deixam Bissau e os centros urbanos para integrar as fileiras do PAIGC. O general Spínola pensa então poder introduzir agentes (antigos ou novos membros do Partido) nas fileiras do PAIGC. Os seus objetivos são estudar as fraquezas do Partido e tentar provocar uma cisão apoiando-se no racismo, no tribalismo, opondo os muçulmanos aos não muçulmanos, etc.

Segunda fase: 1. Criar uma rede clandestina (penetrando no Partido e nas forças armadas); 2. Criar uma direção paralela, se possível com um ou dois dos então dirigentes do Partido (escolhidos entre os descontentes); 3. Desacreditar o secretário-geral para preparar a sua eliminação no quadro do Partido ou, se necessário, a sua eliminação física; 4. Preparar uma nova <<direcção>> clandestina para a transformar em verdadeiro dirigente do PAIGC; 5. Paralelamente lançar uma ofensiva para aterrorizar a população das regiões libertadas.

Terceira fase: 1. No caso de falhar, atentar contra a direção do Partido assassinando o seu secretário-geral; 2. Formar uma nova direção baseada no racismo e opondo guineenses e cabo verdianos utilizando o tribalismo e a religião (muçulmanos contra não muçulmanos); 3. Impedir a luta no interior do país, eliminar os que se mantêm fiéis aos princípios do Partido; 4. Contatar o Governo português: falsas negociações, autonomia interna, criação de um Estado fantoche que se chamaria <<Estado da Guiné>> e faria parte da comunidade portuguesa; 5. Postos importantes estão prometidos pelo general Spínola a todos os que executem o plano.

Tudo isso não resultou em nada, talvez seja o motivo para que a independência seja lograda da parte dos guineenses. Em 20 de janeiro de 1973, Amilcar Cabral foi assassinado na sua casa em Conacri, mas os mandatários desse crime nunca foram descobertos. Meses depois, pelo segundo Congresso do Partido em Boé, foi designado como secretário-geral do Partido Aristides Pereira com o relançamento das bases da nova Assembléia Nacional Popular (ANP) e, em seguida afastar as forças colônias do território nacional.

Em 24 de setembro do mesmo ano, o PAIGC proclama-se a independência unilateralmente e proclamando, assim, o Estado da Guiné-Bissau. A intendência veio a ser reconhecida oficialmente por Portugal um ano depois (10 de setembro) com queda do regime ditatorial salazarista.

Entretanto, os esforços contidos durante a luta armada e na construção de um Estado Nacional são sem dúvida louváveis da parte de todas as etnias que enfrentaram essa dura batalha durante onze anos. Anos de luta, sacrifício e fome para a construção de uma sociedade justa, igualitária sem descriminação da cor, da raça, da religião, do sexo etc. Então, ficam em questão algumas indagações aos leitores desse trabalho. Será que a unidade tida durante a luta de libertação nacional que ainda estamos a viver na Guiné durante a conjuntura política e socioeconômica que o país tem passado? A unidade consolidada das partes étnicas é a razão principal da formação do Estado Nacional? Se assim for, por que não de continuar a mesma? Ou seja, essa é a razão principal da difícil tarefa da construção de um Estado-Nacional?

 

BIBLIOGRAFIA

 

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 Acesso em: 23.12.2010

 

  *  Graduando em Ciências Sociais (Antropologia, Ciência Política e Sociologia), pela Universidade Federal do Maranhão - Brasil.

 


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