Fantasmas, Monstros e Tubarões

(Ponto de Vista)

 

“Acreditamos e continuamos a acreditar que o guineense que errou pode arrepender-se e voltar atrás. Acreditamos também que o guineense que não errou vai continuar a lutar para que a paz vingue”.

D. José Camnaté Na Bissign

 

 

 

Rui Jorge  da Conceição Gomes Semedo

rjogos18@yahoo.com.br

25.03.2010

 Rui Jorge SemedoComo sinal, pode se considerar de positiva a ação de operação interministerial coordenada pelos Ministérios da Função Pública e das Finanças, além do Ministério Público representado pela Polícia Judiciária, com o objetivo de desbaratar a rede criminosa batizada por Fantasma. Pois, numa realidade onde a corrupção pública é social e institucionalmente incentivada “i ka ami ou i ka el kuna kumpu Guiné, cabra nundé ki maradu lá ki tá kumé nel ou estin i matchu nan”. Iniciativa do gênero, por um lado, pode servir para administrar a falsificação de dados na folha de vencimento dos servidores públicos e, por outro, estimular cidadãos a promover a honestidade e a responsabilidade como valores indispensáveis ao desenvolvimento. 

Entretanto, vale reconhecer a coragem e o empenho, principalmente, do Ministério da Função Pública, em particular, na pessoa do ministro Fernando Gomes que, aliás, sempre se dispôs a lutar em defesa dos Direitos Humanos. Contudo, é relevante o elogio de reconhecimento, a ação de instituições e pessoas envolvidas nesse processo de desintegração da quadrilha, tem que ser visto apenas como uma missão de cidadania. Por isso, talvez seja mais sensato considerar o que está a acontecer apenas como uma contribuição de pessoas que querem saldar suas dívidas com o povo, conforme nos legou Amílcar Cabral.

E se essa operação conseguir atingir o desejável sucesso, nomes dos que contribuíram, com certeza, serão honrosamente gravados na memória dos guineenses, principalmente dos que mais sofrem com a desestruturação institucional do país que é a maioria. Espera-se que a poupança desses recursos que durante longos anos eram desviados pela(s) quadrilha(s), sirvam para melhorar a prestação de serviço, principalmente, nos hospitais e nas escolas, mas também que sirvam igualmente para melhorar a situação salarial dos servidores que é neste momento incompatível com a realidade das despesas que têm.

Uma das formas para controlar o desvio do bem público é garantir um ordenado compatível aos servidores públicos e simultaneamente, criar mecanismos eficazes de controle e aplicação rigorosa da lei. O que significa que, quem for apanhado a praticar atos ilícitos contra o patrimônio público tem que ser punido e retirado o direito de trabalhar nos órgãos públicos. Talvez com a aplicação dessa medida, nosso serviço público que é caracterizado por excessiva morosidade burocrática, por péssima prestação de serviços, quer pela deficiente qualidade técnica dos servidores ou pela indisciplina enraizada na permanente prática de extorquir quem precisa do serviço público, terá a oportunidade de reorganizar e oferecer um serviço de qualidade.  

No momento, a bola da vez é desmantelar os Fantasmas! E perguntamos para quando será a vez dos Monstros e Tubarões? Ou seja, dos ministros e outros altos funcionários do Estado (civil e militar) que supostamente tiveram comportamentos duvidosos durante o exercício da função. Aliás, José Mario Vaz, atual ministro das Finanças, poucos meses após a sua nomeação fez uma declaração à imprensa onde apresentou um cenário assustador da dívida que o Estado contraiu com as instituições financeiras do país na ordem de, salvo erro, 19. 000.000.000 (dezanove bilhões de Francos CFA).

Contudo, seus antecessores ainda não foram notificados pelo Ministério Público para prestar declaração sobre uma suposta má gestão da coisa pública. Pior é que, coincidentemente, nesse período os funcionários públicos já estavam com mais de três meses de salários em atrasos. Ou seja, existem indícios fortes (e isso está a ser comprovado com a atual operação) da extrema vandalização econômica no Ministério das Finanças antes da chegada do atual ministro.

 Não existe nada mais justo que fazer uma auditoria, pelo menos, dos últimos vinte anos para guineenses visualizarem não só ações improcedentes dos ministros que passaram pelas Finanças como dos que passaram noutros ministérios.

Se não for desta vez, um dia esperamos que fosse clarificada as privatizações feitas no país, entre as quais, da empresa Dicol, Guinave, Estrela do Mar, etc., e de alguns edifícios residenciais do Estado adquiridos a preço de uma cabra. Ou seja, a atual operação Fantasma fora da administração pública só terá sentido e coerência se houvesse uma justiça com equidade.

É relevante o que neste momento está a acontecer, no entanto, ainda incompleto com o propósito de estabelecer ordem na gestão da coisa pública. Todavia, acreditamos que é um processo lento e complexo que um dia conhecerá um justo fim na aplicação das responsabilidades.

Nos últimos tempos muitos cidadãos acumularam fortunas provenientes de atividades criminosas, aproveitando da paralisia do Estado e, sobretudo, da ausência de uma rigorosa fiscalização de órgãos competentes, nesse caso, do Ministério Público e da Polícia Judiciária. E uma das formas para começar a criar mecanismos de controle é a existência de parceria transparente entre os bancos e outras instituições financeiras com a Polícia Judiciária, no sentido de criar um controle responsável nos depósitos e/ou transferências suspeitas dos clientes.

Temos vários exemplos do descaso da fiscalização, a começar pela tragédia que a Guiné-Telecom hoje enfrenta por causa da má administração. E comenta-se nos bastidores que um dos administradores conseguiu construir um castelo no Alto-Bandim, enquanto os funcionários vivem na amargura de longos meses sem salários.

Outro caso em voga é o abuso financeiro das chefias militares e suas obras faraônicas, caso concreto dos edifícios que supostamente pertencem ao ex-CEMGFA, Tagmé Na Waie e ao ex-chefe da Armada Bubo Na Tchuto. Se realmente os referidos edifícios são deles, perguntamos onde saiu o dinheiro para os construírem?

Aliás, estamos a dizer coisa que não é segredo, pois a Guiné-Bissau é pequena, no entanto, conhecemos nossas raízes e fortunas. Não obstante, a verdade é que civis e militares ainda continuam a adquirir ilicitamente o que é público para construir palácios, comprar bens imóveis, móveis e possuir uma gorda conta bancária. Acreditamos que chegou a hora de assinarmos um pacto da honestidade e de responsabilidade pública em que devemos, de fato, ser iguais perante a lei e garantir a estabilidade do bem-estar comum.

Hoje assistimos à prisão de catorze servidores públicos por alegado desvio de procedimento e também a sociedade guineense espera ver os “intocáveis” a curvar perante a força da lei para provar que realmente a mudança veio para ficar.

Apesar de manifesta, sabemos que a sinalização da mudança não é bem-vinda em alguns setores sociais e do Governo, o que é natural, pois, em qualquer sociedade sempre existem dois grupos que reagem à situação de mudança: um favorável e outro contrário. Porém, presume-se que tem pessoas intencionadas a afastar Fernando Gomes, José Mario Vaz e Francisco Rosa Cá de seus cargos (este último diretor-geral de Contribuições e Impostos) apenas para travar o processo. No entanto, a sociedade guineense está de olhos abertos a ver as movimentações viciosas dentro das estruturas do partido no poder que visa inverter cenário.


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