Fantasma da Residência Presidencial

 

“Só o que manda com amor é servido com fidelidade.”

- Quevedo

 

 

Por: Rui Jorge  da Conceição Gomes Semedo *

 

rjogos18@yahoo.com.br

Rui Jorge Semedo

05.11.2008

 

Desde a época colonial, o governador da então Guiné-Portuguesa tradicionalmente tinha um edifício residencial próprio para a sua comodidade. Com a independência, e, mesmo apesar de uma certa rejeição aos monumentos históricos dos protagonistas da colonização, entre os quais, a estátua de João Teixeira Pinto, Honório Pereira Barreto, Diogo Gomes e Nuno Tristão, manteve-se a tradição de o Presidente da República alojar-se na antiga residência do governador colonial, que fica entre o Palácio da República e a sede do PAIGC. Nessa residência, passaram Presidentes como Luiz Severino Cabral que só a abandonou com a sua deposição em Novembro de 1980. O seu sucessor, General Nino Vieira, residiu nela por um período de quase dezanove anos e, igualmente, sob a mesma circunstância a abandonou na manhã de 6 de Maio de 1999, e foi substituído por Koumba Ialá, que entrou e saiu pela mesma porta do golpe de Estado.  

Entretanto, em 2005, o General Nino vieira voltou por vias democráticas ao poder, mas escusou-se de ir morar na residência presidencial. Preferiu morar numa casa supostamente de “uma de suas esposas”, onerando assim o Estado com o custo de pagar o arrendamento. Mas, mais complicado do que esse assalto aos cofres públicos, é a inadequação da presença do Presidente num bairro que não está projectado e, muito menos, preparado para tê-lo como morador. Podemos dizer que, a presença do presidente, General Nino Vieira, constitui um absoluto incómodo aos moradores da Rua Angola e de outras ruas vizinhas. Este facto, inegavelmente viola os direitos que os cidadãos têm de ir e vir sem se sentirem ameaçados pela mira das armas. Pois, o aparato militar da guarnição é assustador. Pior é que os moradores que transitam de veículos nesse recinto, vivem num permanente estado de insegurança e de medo, de um dia não serem baleados ou espancados por se atropelarem com a comitiva presidencial. Aliás, me contaram uma estória de que uma pessoa muito conhecida no meio social urbano-guineense, quase apanhou porrada dos seguranças porque acharam que quase provocou acidente e ainda fez gestos que não agradaram aos seguranças.

É lógico que o Presidente tenha o direito de ir e vir sem ser importunado, por isso, é comum em todos os países (Guiné-Bissau não é, nem deve, ser a excepção), um lugar oficial reservado para a sua comodidade. No entanto, os cidadãos também devem gozar desse mesmo direito, já que politicamente os dois são iguais. É verdade que os ex-presidentes interinos, Malam Bacai Sanhá e Henrique Pereira Rosa, durante o exercício de suas funções preferiram ficar em suas próprias residências, no entanto, suas presenças nunca foram incómodas porque abdicaram de ter um esquema de segurança semelhante a de quem está em guerra. No caso do Presidente, General Nino Vieira, precisamos levantar algumas questões que nos orientem a compreender o porquê dele preferir se juntar à sociedade civil naquela condição: Será que podemos traduzir esse comportamento como um acto de insegurança? O Presidente não está a usar seus vizinhos como escudo? Por que o Presidente trocou o “conforto” e a “dignidade” da residência oficial por uma residência “desconfortável”? Será que os “videntes tradicionais observaram Fantasmas” e aconselharam-no a não residir na mansão presidencial?

Independentemente da explicação e/ou razão dessa escolha, somos da opinião de que a Rua Angola não é um lugar adequado para Presidente da República, assim como o espaço presidencial não é para um cidadão comum. A cada um é reservado o seu próprio habitat: macacos na selva, peixes no rio, militares e policiais nos quartéis, Presidente da República na residência presidencial e a sociedade civil nos bairros a ela reservada.

Perante isso, algo nos leva a resumir essa preferência comportamental numa insegurança declarada que, aliás, nos últimos meses ficou mais visível. Ou seja, em cada ida e vinda do exterior do Presidente vê-se um corredor de homens fortemente armados (militares e policiais) no perímetro que sai de sua residência ou da presidência da República, passa pela Avenida 14 de Novembro ao Aeroporto Internacional Osvaldo Vieira. Pela noite, o raio que sai dos serviços da Meteorologia à Assembleia Nacional Popular e contorna toda a região circundante da Rua Angola fica sob um forte esquema de militares fortemente armados. Mas para quê tudo isso numa área civil? Essa situação não nos era comum!

Há bem pouco tempo falou-se nas “tentativas de golpe de Estado”, no entanto, há que reconhecer a existência de situações complexas que perturbam a vida do Presidente da República e põem em risco a tranquilidade e paz nacional. Porém, além de não se poder negar que se hoje existem incertezas, ameaças e medo, muita gente contribuiu e, inclusive o Presidente, General Nino Vieira. Nesta perspectiva, na qualidade de cidadão e observador, muito embora com a consciência de que a nossa opinião não tem peso algum, achamos necessário deixar algumas considerações ao Presidente, General Nino Vieira. Estamos não muito longe do ano eleitoral presidencial, e percebemos não só a motivação, mas a movimentação do Presidente em querer renovar o mandato. Não existe dúvida de que independentemente da capacidade governativa, o General Nino Vieira marca e marcará o cenário político nacional como um “grande jogador”: admirado por alguns e rejeitado por outros. Mas, no entanto, o melhor para um “grande jogador”, é encerrar a carreira em forma e não esperar a fase em que a genialidade começa a perder o fulgor. Essa é uma atitude complexa, mas necessária para qualquer que seja jogador inteligente que queira preservar não só a sua história competitiva, mas a própria honra. É verdade que a retirada do General Nino Vieira do campo da política activa pode deixar séquito de bajuladores na rua da amargura. Muita gente vai sofrer, sabemos disso, mas, talvez seria o melhor para o General Nino Vieira, para o País e, mais ainda, para a sua família. Pois, tem fase na vida, depois de “muito trabalho”, precisamos disponibilizar o nosso tempo à família, cuidar principalmente, dos netos e desfrutar dos últimos momentos da vida.

Em África não é comum este tipo de comportamento, mas conseguimos encontrar três exemplos relevantes: dois aconteceram aqui ao lado, um no Senegal com o Leopold Sedar Seghor e o outro no Mali com Alpha Oumar Conaré e, ainda um pouco mais distante, temos o ímpar exemplo do histórico Nelson Mandela na África do Sul. Por isso, gostaríamos de sugerir ao General Nino Vieira que pensasse de forma corajosa nesses exemplos. Não queremos continuar a acreditar que a tomada dessa atitude no final desse mandato poderá ser mais difícil do que a decisão que tomou há uns quase 42 anos atrás para aderir a luta de libertação e sair das matas do sul como um rei.  

Infelizmente, vivemos numa terra onde observadores e jornalistas são concebidos como inimigos do poder, o que é uma falta de honestidade intelectual e política. Aliás, se os poderosos considerassem apenas 1% das observações e críticas positivas que os referidos analistas fazem, hoje seriam capazes de edificar castelos e fazer desse pequeno país um paraíso da paz e do bem-estar social.

                                                                                       

*Mestrando em Ciência Política na Universidade Federal de São Carlos, SP, Brasil


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