Cabedú, Janeiro de 2006. Bubu Camará e esposa. Foto de Ernst Schade.

 Foto de Ernst Schade

 

Guiné-Bissau: E Se As Eleições Legislativas de 2008 Fossem Adiadas?

 

Por: Geraldo Martins *

14.06.2007

 

As eleições não são uma panaceia

Se o calendário eleitoral for respeitado, os guineenses voltarão às urnas em Março de 2008 para eleger um novo Parlamento. Essa seria a terceira vez, após o conflito político-militar de 1998-99, que se realizam eleições legislativas na Guiné-Bissau, depois dos escrutínios de 1999 e de 2004. Embora estas duas eleições tenham decorrido de forma globalmente satisfatória, elas não contribuíram para a estabilidade governativa do país. Entre 1999 e 2006, a Guiné-Bissau foi dirigida por sete Primeiros-Ministros e o tempo de vida médio dos vários governos que se sucederam foi de um ano.

Por outro lado, durante esse mesmo período, o país não conseguiu vencer a letargia económica provocada pelo conflito político-militar de 98-99 que contraiu a riqueza nacional (medida em termos do PIB) em 28%. Entre 2000 e 2004, o crescimento real anual do PIB foi de apenas 1%. Em 2006, segundo o FMI, o PIB só cresceu 1,8%, valor bem inferior aos 4% inicialmente estimados. A crise económica tem naturalmente repercussões nas condições de vida das populações. Os salários dos funcionários públicos dificilmente são pagos e a pobreza é patente. Dois em cada três guineenses vive com menos de 2 dólares por dia. O desenvolvimento humano degradou-se nos últimos anos como mostram os vários relatórios do PNUD sobre a matéria.

O actual Governo, saído de um compromisso político entre os três principais partidos nacionais - o PAIGC, o PRS e o PUSD -, no âmbito de um pacto de estabilidade, entrou em funções em Abril de 2007 e mal terá tempo para se organizar com vista à execução de um programa mínimo de reformas, já que a eleição de um novo Parlamento dentro de nove meses, dará lugar, naturalmente, à formação de um novo Governo. A questão, no entanto, que vale a pena colocar é esta: votar agora para quê?

Refundar o pacto de estabilidade

É fácil perceber que nenhuma mudança extraordinária ocorrerá na composição do actual Parlamento em resultado das próximas eleições. A leitura dos resultados das eleições legislativas de Novembro de 1999 e de Março de 2004 e a observação cuidada das tendências políticas recentes, permitem concluir que a distribuição de lugares no próximo Parlamento não proporcionará maioria absoluta a nenhum partido, afastando-se, desse modo, a possibilidade de o próximo Governo vir a beneficiar de um apoio parlamentar inquestionável.

O recém-assinado pacto de estabilidade apresentava-se como uma janela de oportunidade para a estabilidade política e governativa do país. Em teoria, a aliança firmada entre os três partidos políticos signatários deste pacto significava a constituição de um bloco político monolítico de 97 deputados dos 100 que compõem o actual Parlamento. Na prática, porém, as clivagens internas no seio de cada um destes partidos, a volatilidade das alianças políticas no Parlamento e motivações pessoais circunstanciais de alguns deputados acarretam riscos enormes para a estabilidade parlamentar e governativa. Ou seja, este pacto de estabilidade encontra os seus limites nas vicissitudes próprias deste Parlamento, como ficou demonstrado com a dissolução do chamado Fórum (a anterior aliança parlamentar) ou a ameaça, explícita ou velada, de vários deputados de rejeitar o programa do actual executivo a fim de fazer cair este Governo.

 Esta batalha parlamentar permanente é de rejeitar se a Guiné-Bissau quiser encarar seriamente a sua democracia. O país não pode permitir-se ficar refém de disputas partidárias que ponham em causa o seu desenvolvimento. O que interessa hoje não é a realização imediata de eleições legislativas, mas a estabilidade política e governativa necessária para a realização de reformas cruciais que reconciliem o país com o crescimento económico. As reformas exigem tempo e não podem ser realizadas com sucesso por Governos a prazo. A realização de eleições legislativas em 2008 provocará a interrupção de eventuais reformas iniciadas hoje e suscitará, mais uma vez, o compasso de espera da comunidade internacional, que, logicamente, prefere financiar Governos estáveis.

O adiamento das eleições legislativas de 2008 não terá quaisquer custos para o país. Do ponto de vista político, é muito provável que as populações acolham favoravelmente essa decisão, sobretudo se elas perceberem que os actores políticos estão realmente empenhados em trabalhar para melhorar as suas condições de vida. O desafio justifica plenamente o sacrifício do dever cívico que representa o voto popular. Do ponto de vista financeiro, o país pouparia cerca de 4 milhões de euros que poderiam ser utilizados, por exemplo, na regularização dos atrasados de salários na função pública, ou em investimentos nos sectores sociais. A comunidade internacional e os parceiros de desenvolvimento aplaudiriam a decisão por lhes proporcionar garantias de estabilidade governativa e de previsibilidade na actuação do executivo.

O que se propõe é o estabelecimento de um pacto alargado de estabilidade política, com a participação não apenas dos partidos políticos, mas também de outras organizações e movimentos representativos da nossa sociedade (organizações da sociedade civil, sindicatos, forças armadas, etc.). A ideia-chave deste pacto seria o adiamento das eleições legislativas por um período razoável a definir, a garantia de estabilidade parlamentar e governativa, a renovação do diálogo social, a prossecução de reformas críticas à recuperação da confiança interna e externa do país, e a organização, durante o período da vigência do pacto, de eleições autárquicas, cuja importância a  classe política nacional insiste erradamente em negligenciar.

O país precisa de estabilidade política para sair do marasmo em que se encontra. O pacto nacional aqui proposto não é, provavelmente, o único caminho possível para se alcançar essa estabilidade, mas poderá ser uma opção mobilizadora se todos se comprometerem de forma patriótica a resgatar a Guiné-Bissau do ciclo vicioso da instabilidade. Em 1997, nas vésperas do conflito político-militar, o rendimento médio nacional por habitante era de 240 dólares. Hoje, o rendimento médio nacional por habitante é de 180 dólares. Em dez anos, o país tornou-se mais pobre. Inverter este quadro é um imperativo nacional. A condição necessária  é trabalharmos todos juntos para garantir a estabilidade do país. Isso passa pela criação de um largo consenso nacional, de um pacto de estabilidade política , abrangente, de médio prazo, necessário para fazer entrar a Guiné-Bissau no ciclo virtuoso do desenvolvimento.

* Especialista em Desenvolvimento Humano no Banco Mundial

 * Ex- Ministro da Educação da Guiné-Bissau

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