É O PRELÚDIO DA AUTODISSOLUÇAO DO ESTADO GUINEENSE?

 

 

Bubacar Turé *

bubacarturefarim@yahoo.com.br

22.03.2009  

A violência sectária que vem assolando o nosso país nos últimos anos, atingiu os níveis extremos com os acontecimentos dos passados dias 1 e 2 de Março que culminaram com as mortes brutais do Ex-Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas Major General Baptista Tagme Na Waié e do Ex-Presidente da República General João Bernardo Vieira.

A proclamação unilateral da independência em 1973 nas matas de Madina de Boé, tinha como objectivo inicial construir um Estado soberano e independente capaz de promover o bem-estar social aos seus cidadãos. Aliás na sua tentativa fracassada de obter a autodeterminação por via do diálogo, Amílcar Cabral propunha aos então colonialistas portugueses, a ideia da formação de um Estado Guineense com base nos princípios da democracia e do estado de direito.

Volvidos mais de trinta anos de independência, a Guiné-Bissau continua a ser um dos lugares impróprios para a sobrevivência do ser humano, não obstante a tamanha generosidade da natureza. A liderança política que esteve nas rédeas da governação desde os primórdios da independência até à presente data, nunca soube estabelecer estratégias coerentes e exequíveis capazes de elevar o nível de vida do cidadão guineense em todos os aspectos. A corrupção, o nepotismo, a ganância e o clientelismo político, foram sempre premiados em detrimento da transparência, da honestidade e da competência. Em consequência, a pobreza extrema ganha dimensões alarmantes e o Estado está cada vez mais imponente, face à satisfação das necessidades públicas. O modelo económico de desenvolvimento proposto já atingiu os limites do seu fracasso, enquanto o edifício que sustenta o Estado, está a ruir compulsivamente. Todos os órgãos de soberania se encontram bastante frágeis, incapazes de exercerem plenamente as suas atribuições e competências. Enfim, o Estado perdeu a capacidade de impor coercivamente o seu poder nos casos em que isso se requer. Equivale dizer que a soberania do Estado guineense já não tem conteúdo material, ao ponto de permitir que pequenos grupos organizados em torno de objectivos ilícitos se infiltrem e se apoderarem das suas estruturas para prosseguirem fins criminosos. Refiro-me ao cartel da droga que está a transformar a Guiné como uma soberania dos narcotraficantes.

A soberania é a par da comunidade e do território, o outro elemento essencial à existência do Estado. Por vezes tende-se a identificar o conceito da soberania com o de poder político, que ainda que semelhantes não se podem confundir de modo algum. Um Estado dotado de soberania caracteriza-se por possuir um poder político supremo e independente capaz de impor a sua autoridade a qualquer altura e em todas as circunstâncias. Ora, um Estado soberano desprovido destas características e acima de tudo, refém das suas próprias Forças Armadas que definem o seu rumo político, coloca a questão de saber, se faz sentido continuar a considerá-lo como tal. O agravante ainda é o facto de o Estado guineense ter perdido a sua razão de ser conforme foi referenciado, na medida em que, não consegue cumprir uma das suas dimensões essenciais que é, a garantia da segurança dos cidadãos. A segurança traz a ordem e a paz social. Não é, porém, qualquer ordem social que pode interessar ao homem, mas apenas uma ordem justa. Porque em último termo, a paz social deve ser produto da justiça. Temos um sistema judiciário que para além de apresentar fortes indícios de corrupção, transformou-se numa ferramenta dócil de determinadas pessoas para fazer a vingança e instalar o caos, eximindo-se das suas responsabilidades constitucionais. Em consequência, a impunidade e a justiça privada foram institucionalizadas. Todas as estruturas civis do Estado que aparentemente ostentam uma certa manifestação do poder, na prática, estão amputadas das faculdades reais para exercê-lo efectivamente. Ou seja, a tutela militar do poder político, está-se a tornar numa grave afronta à democracia e os direitos fundamentais.

Porquanto, a espiral de violência gratuita que tem culminado com os assassinatos de altas figuras do Estado tanto políticas como militares, ser o resultado do falhanço da liderança política e, acima de tudo, do sistema judiciário, em estabelecer uma ordem justa que conduza os criminosos à barra da justiça. De 2002 aos dias de hoje, três Chefes do Estado-Maior foram assassinados (Ansumane Mané, Veríssimo Correia Seabra e Baptista Tagme Na Waié), para além de outras figuras públicas, todas nas mesmas circunstâncias, tendo os actos criminosos de execução, sido protagonizados por elementos das Forças Armadas com a cumplicidade de certos sectores políticos. Ou seja, todos foram executados de forma cruel e bárbara, dando azo a sentimentos de ódio e de vingança. Os autores morais e materiais destes actos hediondos continuam impunes sob a aquiescência do Estado.

Não sou partidário de nenhuma dessas vítimas militares, nem do malogrado Nino Vieira, ao contrário, sou um crítico ferrenho sobre a conduta e a prestação de cada um deles durante os seus respectivos consulados. Aliás, o falecido presidente deixou um país devastado de má governação, de violações gritantes dos direitos humanos, enfim, um país profundamente dividido com um povo humilde mas desamparado, à procura de um destino melhor. Contudo, não é pela eliminação física de figuras do Estado, que se vão resolver os problemas dos guineenses.

Perante este quadro nebuloso, não seria pessimismo reflectir se estamos ou não, no prelúdio da autodissolução do Estado guineense. Reparem que são os altos responsáveis do Estado e os titulares dos seus órgãos supremos, que renunciaram às suas missões fundamentais para que foram designados enquanto representantes do povo, defraudando as legítimas expectativas do povo. São os seus instrumentos e as suas estruturas que foram utilizados, para a sua própria decapitação instalando sempre o terror e o medo generalizado.

Afinal o que resta aos Guineenses? Vale a pena acreditar na viabilidade do sonho de Amílcar Cabral e demais outros compatriotas que hipotecaram as suas vidas em nome da nossa liberdade e do nosso progresso colectivo? Continua a fazer sentido confiar neste actual figurino de Estado como entidade idónea para a satisfação do bem-estar social dos Guineenses? A minha resposta para estas e demais outras questões colaterais, depende muito daquilo que os actores políticos, sociais, económicos e os Guineenses em geral, convencionarem daqui para frente no que tange aos seus destinos. Para já, independentemente das iniciativas em curso, tanto nacionais assim como internacionais, acredito ser salutar e urgente pensarmos na refundação do edifício do Estado permitindo-o como pessoa de bem, reassumir em pleno as suas reais faculdades e atribuições. A nossa complacência para com este actual status quo, não será perdoada pela geração vindoura. É urgente que ressuscitemos a nossa identidade para reforçarmos de vez, a nossa auto-estima.

A violência e a simbologia da arma só atiçam os sentimentos do ódio e da vingança que, por arrasto, alimentam o ciclo vicioso de tantas matanças. Quando reagia pelo assassinato de Malcom X, o ilustre activista da causa dos direitos civis e políticos dos negros nos EUA, Martin Luther King disse, citamos «o assassinato foi uma lamentável tragédia. Oxalá saibamos tirar deste trágico pesadelo a lição de que a violência e o ódio só geram violência e ódio, e de que a palavra de Jesus continua a dirigir-se a cada Pedro em potência: Mete no seu lugar a tua espada com certeza que vamos continuar em desacordo, mas temos de discordar sem recorrer à violência para exprimir a nossa discordância. Vamos continuar a suportar a tentação do rancor, mas temos de aprender que o ódio é um fardo demasiado pesado para um povo que quer avançar com dignidade para o seu encontro com o destino». Fim da citação, quando é que estas palavras serão interiorizadas na mente dos guineenses?

 

* Jurista e activista dos direitos humanos

 

ESPAÇO PARA COMENTÁRIOS AOS DIVERSOS ARTIGOS DO NÔ DJUNTA MON -- PARTICIPE!


A TER SEMPRE EM CONTA: Objectivos do Milénio

PROJECTO GUINÉ-BISSAU: CONTRIBUTO - LOGOTIPO

VAMOS CONTINUAR A TRABALHAR!

Projecto Guiné-Bissau: CONTRIBUTO

www.didinho.org