Em resposta ao texto do senhor Fernando Seara no Diário de Notícias

 

Edson Incopté

edson_incopte@hotmail.com

16.12.2013

Caríssimo senhor Fernando Seara,

O que se exige de um político ou personalidade com espaço nos meios de comunicação social, é que seja despido de preconceito e/ou de ideias pré-concebidas quando faz as suas análises.

Ora, foi tudo o que não aconteceu na sua análise sobre a actual relação entre Portugal e a Guiné-Bissau. 

Em primeiro lugar, falar em “invasão” é no mínimo abusivo. Nem mesmo os dirigentes da transportadora aérea se aproximaram de tal palavra. E até que se prove, não houve qualquer entrada forçada no avião da TAP. Passageiros testemunham um embarque e um voo calmo, que decorreu dentro da normalidade.

Portanto, um exercício de medir as palavras, por vezes, é nos bastante útil.      

Em segundo lugar, a transportadora, o MNE e o Governo teriam reagido melhor se, por ventura, tivessem a coragem de assumir as suas responsabilidades no abrir de precedentes que promoveu este acontecimento.

A transportadora conhece, melhor do que ninguém, as condições de segurança do aeroporto de Bissau, mas preferiu ignora-las sempre, a bem do dinheiro e do monopólio que mantinha da rota Lisboa-Bissau-Lisboa.  

O MNE tem todos os dados que se relacionam com a migração guineense e/ou a partir da Guiné-Bissau para Portugal. Porque razão não apresentou, durante todos estes anos, os números que ilustravam a emigração ilegal proveniente da Guiné-Bissau, como forma de pressionar e trabalhar com o Governo guineense para travar esse problema?! Não será porque o MNE, à semelhança de toda a estrutura governativa de Portugal, tem tratado a Guiné-Bissau com relativo desprezo?!

O Governo, por sua vez, através da sua representação diplomática em Bissau, não é um dos principais fomentadores do género de emigração que acabou por fazer os sírios virem para Portugal?! Se consultar a edição do Expresso datada de 14.12.2013, verá que segundo os próprios sírios, na Guiné-Bissau “é relativamente fácil conseguir um visto de turismo para Portugal”. E eu acrescentava, para quem tem muito dinheiro, é evidente! Ora, quem emite os vistos, se não a Embaixada de Portugal na Guiné-Bissau? Porque não chamar a Embaixada, igualmente, a sua responsabilidade? Em vez disso, é mais fácil julgar e condenar, mais uma vez, a Guiné-Bissau.

Em terceiro lugar, a Guiné-Bissau é um Estado fragilizado, sem dúvida. Os guineenses são os primeiros a reconhecer isso. Mas este acontecimento não dá ao Governo português ou à Transportadora Aérea Portuguesa o direito de julgarem e condenarem todo um país. Um país que se diz “irmão” não toma tal atitude; que o senhor Fernando Seara aplaude.  

O que se espera de um Estado fragilizado é um esforço para superar as suas fragilidades. E caso não tenha acompanhado devidamente este caso antes de se considerar capaz de o comentar, forneço-lhe mais informações:

1-  Decorre o referido inquérito, que teve início no dia seguinte ao acontecimento, com data prevista para terminar e se conhecerem as suas conclusões (próxima quarta-feira). Se acha que em Portugal as coisas funcionam de forma mais célere, está redondamente enganado. Se, por ventura, são tomadas, em Portugal, medidas para o povo ver e para a Europa gabar, não se deve aconselhar outros Estados a fazerem o mesmo.

2-  O presumível responsável pelo encaminhamento dos sírios em Bissau, já foi detido e pode consultar a notícia no Público (http://www.publico.pt/portugal/noticia/policia-guineense-detem-suspeito-de-recrutar-74-presumiveis-sirios-que-viajaram-para-lisboa-1616367). O que significa que, os prevaricadores de que fala, já estão a ser encontrados. E o Estado que diz não ter reagido e não estar a fazer nada, afinal até está.

Em quarto lugar, não sei que insinuação faz o senhor Fernando Seara quando diz “O que mais me perturba, nestes tempos, é alguns julgarem que os "outros são parvos". Mas quero que não tome, igualmente, os guineenses por parvos. Se conhece a história comum entre Portugal e a Guiné-Bissau, sabe que de parvo o guineense não tem nada.

Acha que havendo uma “invasão” como diz, era difícil perceber consequências diplomáticas?

Em quinto lugar, sendo ou não um Estado precário, a Guiné-Bissau é o Estado que é. E é o Estado que representa todos os Guineenses. O que significa, caríssimo Fernando Seara, que ofender esse Estado, é ofender todos os guineenses. O que EU, enquanto guineense, não lhe posso admitir!  

Escrever “eu diria que o Governo precário da Guiné-Bissau se queria mostrar autoridade - que não legitimidade…” é desdenhoso e carregado de preconceitos e ideias feitas.

Em sexto lugar, o senhor Fernando Seara, acha que não se pode “conceder segundas oportunidades” a um poder precário. E eu pergunto-lhe se a Guiné-Bissau é o único país, com quem Portugal se relaciona, que tem um poder precário? Não será mais uma política externa por conveniência, que depois termina com avultados custos, fazendo pessoas “engolir sapos”?! Do género, fechar os olhos para o que convém.

Pergunto-lhe mais, se não se dão segundas oportunidades aos poderes precários, explique-me então como é que Portugal tem sobrevivido dentro da UE? Ou o poder português, comparado com o resto dos países membros da EU não é precário, com falhas gritantes e constantes?

Quando se quer ajudar, caro Fernando Seara, o extremar de posições é tudo o que não se deseja. Quando não se escuta nenhuma "viúva carpideira", não se dialoga e não se resolvem problemas, não se ultrapassam diferenças, não se remedeiam “más impressões”, caro senhor.

Em sétimo lugar, o Estado da Guiné-Bissau, precário ou não, tem as suas hierarquias. Podem não estar a funcionar em pleno e de forma que agrade a todos os guineenses, mas elas existem. Mas como bem sabe, acontece em Portugal, existem falhas nas diferentes estruturas que formam a hierarquia do poder do Estado. O que significa que não se pode condenar todo o Estado. Pede-se a quem de direito que averigúe o sucedido e tome as devidas providências, que é o que está a acontecer com o inquérito. Se no fim, o inquérito não der em nada, aí podemos todos pedir explicações a quem de direito. Mas até lá, é bom não extremar posições nem fechar portas ao diálogo.  

Em oitavo lugar, o conceito de Estado falhado, é nada mais que uma idiotice que alguém resolveu inventar. Se não vejamos, Estado designa um conjunto de instituições que administram uma nação, um país soberano, com estrutura e organização política própria.

Ora, um Estado, como o da Guiné-Bissau, por exemplo, por mais que o Governo não consiga responder às necessidades básicas da população, nunca perderá a sua soberania territorial. Por mais que as instituições que administram a nação sejam frágeis, elas nunca deixam, verdadeiramente, de existir. Por mais que funcionem mal, a Guiné-Bissau tem um Governo e as suas forças armadas.

Portando, esse conceito de Estado falhado, não se aplica, verdadeiramente, em lado nenhum.

Por outro lado, o Governo de Portugal há muito que não tem ajudado a Guiné-Bissau. Pelo contrário, basta ver o seu recente posicionamento na CPLP para se perceber que, na verdade, só tem desajudado.

Se o senhor acha que a Guiné-Bissau não merece ajuda portuguesa, só tenho a lamentar a sua posição. Mas pode ter a certeza que Portugal também sairá a perder! Se alguém lhe convenceu que a Guiné-Bissau não tem nada que interesse a Portugal, então estude melhor o caso. Aliás não foi por acaso que em 1998 Portugal participou, de forma camuflada, na guerra civil, apoiando a Junta Militar, por receio de perder posição na Guiné-Bissau para os franceses que apoiavam o então presidente Nino Vieira. Informe-se senhor Fernando Seara. 

Em nono lugar, um país que se diz amigo, não espera do outro, por mais frágil que este seja, uma atitude de rebaixamento, de auto-humilhação, como o senhor induz com as suas palavras. (“Julgando que o "encolher de ombros" é regra mesmo que perante um conjunto de lágrimas caídas como aqueles que brotam nos rostos de uma personagem de uma falhada telenovela.”)

É necessário entender que o relacionamento entre os Estados tem de ser um relacionamento de igualdade. Porque, em verdade, não reina nessas relações a boa vontade ou a simples solidariedade de uma das partes. Reina sim uma conciliação de interesses das duas partes. Não nos enganemos.

Em décimo lugar, e por aqui termino, quero pedir-lhe, senhor Fernando Seara, que se dispa de preconceitos e ideias feitas, induzidas por uma comunicação social manipuladora, que funciona por interesses, da próxima vez que falar da Guiné-Bissau.

Passe bem.

NOTAS SOLTAS

FERNANDO SEARADa vaidade

por FERNANDO SEARA Hoje17 comentários

 

 

1-As relações de Portugal com a Guiné-Bissau estão significativamente perturbadas em razão dos acontecimentos ocorridos com a "invasão" do avião da TAP. O Governo, em particular o MNE, e a transportadora aérea reagiram bem. E prontamente. E o mínimo que se exigiria, mesmo a um poder político precário, era a imediata identificação dos prevaricadores e a delimitação da respetiva liderança. O que mais me perturba, nestes tempos, é alguns julgarem que os "outros são parvos". É o exemplo de um tipo de vaidade contemporânea. Como acontece, em outro sentido, perante a opinião pública global, com o cidadão sul-africano que "falsificou a linguagem gestual" numa das cerimónias públicas de homenagem a Nelson Mandela e a sua desculpa "bem esfarrapada"!

Com efeito, e no momento em que escrevo, apenas sabemos que decorre um processo de inquérito na Guiné-Bissau. Eu diria que o Governo precário da Guiné-Bissau, se queria mostrar autoridade - que não legitimidade -, deveria ter identificado, de imediato, todos aqueles que violaram, grosseiramente, regras internacionais inequívocas. Ao não o fazer mostrou cumplicidade. Ao adiar confirmou a fragilidade do seu poder. Ao não concretizar qualquer medida demonstrou a crise de autoridade que o condiciona. E perturba. E, em rigor, o humilha. E a um poder precário sem autoridade e sem a mínima influência não se poder conceder uma segunda oportunidade para remediar uma "má impressão". Tem de se agir com toda a firmeza. E não escutar nenhuma "viúva carpideira". Tem de evidenciar que há hierarquia e valores e que esta hierarquia não pode vacilar perante atos graves, factos grosseiros e situações perigosas. E perante precedentes que, face à fragilidade dos poderes - ou em rigor dos poderes fácticos - se podem repetir. "Os Estados falhados" devem ser ajudados. Mas precisam de mostrar, sempre, que querem e merecem ajuda. Não podem os seus temporários titulares julgar os "outros" como "serenamente parvos" ou, eles próprios, serem "desculpáveis permanentemente". Julgando que o "encolher de ombros" é regra mesmo que perante um conjunto de lágrimas caídas como aqueles que brotam nos rostos de uma personagem de uma falhada telenovela. O que fica é uma decisão rápida e responsável do Governo da República. Mostra autoridade. Bem necessária nos tempos que correm e naqueles que se aproximam.

2-Entre o ensino de Eça e o gosto pela leitura há uma relação de compromisso. É pela palavra que Eça nos conquista. Pela minúcia da narrativa, pela finura da graça e pelo inigualável poder de efabulação. O recorte semântico e ficcional da escrita interage com a nossa própria capacidade de sonhar e adensa o nosso fascínio pela linguagem.

É, nesta perspetiva, que a escrita e a leitura da obra de Eça de Queirós se tornam consequentes. É na excecional criatividade do uso da palavra e na perfeição formal da prosa queirosiana que se mantém sempre atual. Ensinar a ler ou ler e ensinar Eça de Queirós, alteia o nosso legítimo anseio de cultivar a literacia nacional e estimular a vivacidade da língua portuguesa. Para além de qualquer relatório ou disputa política meramente semântica como aquelas que nos dominam e condicionam nos dias de hoje.

A narrativa de Eça de Queirós estende-se a uma crónica dos costumes, da cultura, da política, da civilização, dos movimentos sociais do século xix verdadeiramente notável.

Deixo-lhes, aqui, uma leitura audaciosa de Eça de Queirós a partir de uma "correspondência de Fradique Mendes" no século xxi: "(...) Nunca a vaidade foi, como no nosso danado século xix, - escreve Fradique - o motor ofegante do pensamento e da conduta. Nestes estados de civilização, ruidosos e ocos - prossegue Fradique de forma notavelmente profética, parecendo parafrasear a famosa opinião de Andy Warhol sobre os 15 minutos de fama a que todos teremos direito na era atual - (...) a forma nova da vaidade para o civilizado consiste em ter o seu rico nome impresso no jornal (...).

Nas nossas democracias, a ânsia da maioria dos mortais é alcançar em sete linhas o louvor do jornal".(...)"

Neste Verão, uma manhã, muito cedo, entrei numa taverna de Montmartre a comprar fósforos. Rente ao balcão de zinco, diante de dois copos de vinho branco, um meliante, que pelas ventas chatas, o bigode hirsuto e pendente, o barrete de pele de lontra, parecia (e era) um huno, um sobrevivente das hordas de Alarico, gritava triunfalmente para outro vadio imberbe e lívi-do, a quem arremessara um jornal: - É verdade, em todas as letras, o meu nome todo! Na segunda coluna, logo em cima, onde diz: "Ontem um infame e ignóbil bandido..." Sou eu ! O nome todo! E espalhou lentamente em redor um olhar que triunfava."

Anteontem o jornal. Ontem e hoje a televisão. Hoje e amanhã as redes sociais.

http://www.dn.pt/inicio/opiniao/interior.aspx?content_id=3589506&seccao=Fernando%20Seara&page=2

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