A SAÚDE DOS GUINEENSES NA GUINÉ E NA DIÁSPORA

Prof. Joaquim Tavares

Prof. Joaquim Silva Tavares (Djoca)

joaquim.tavares15@gmail.com

12.02.2011

 

Editorial de Fevereiro

 

 

Geralmente, espero até meados ou fins de cada mês para fazer um editorial do respectivo mês, mas por vezes faço excepções como esta, para debruçar sobre um assunto que não pode esperar.

Os leitores vão ter oportunidade de ler, anexado a este editorial, uma troca de correspondência entre mim e o meu estimado colega e amigo Dr. Elísio Bento de Carvalho.

Há sensivelmente um mês, nas nossas conversas telefónicas regulares com o Henrique Ribeiro, ele deu-me conta que muitos colegas da nossa geração estavam a ter AVC’s (mencionou o nome dum nosso colega comum de infância – Beto - mas não estava seguro sobre o Elísio.

Eis que recebo um email do Elísio a dar-me conta da sua desventura. Felizmente, está a recuperar, graças a Deus.

Em pleno século 21, 37 anos após a independência, um médico, que em vez de emigrar para países europeus e ter uma vida decente, resolve regressar à sua Terra para ajudar os seus compatriotas, tem um AVC, quase que morre; recupera praticamente sozinho, ainda que com o apoio de familiares.

Não lhe é dado sequer oportunidade de ir a um país com melhores meios de assistência para fazer um exame completo, a fim de se tentar detectar a causa do AVC, e pelo menos, começar a prevenir outros ataques; Ainda assim, há pessoas que conseguem junta médica para exames de rotina, que até se podem fazer na Guiné!

E, ainda continuo a ler neste espaço Contributo que “está tudo bem na nossa Guiné!!! (é como naquele filme: ”Voando sobre um ninho de cucos”: ou somos todos malucos nós os que criticamos o que pensamos que está mal, ou são todos malucos os que insistem a dizer que  “Guiné Sabi”: talvez a verdade esteja no meio...

Voltando ao Elísio: Há muitas etiologias para um AVC: fibrilhação auricular (?), Estenose crítica da carótida (um pequeno espasmo provocado pela “Energy drink” pode ter precipitado o colapso), etc.

Como vamos saber? Com testes (TAC, MRI, sonograma das carótidas, ecocardiogramas, etc.).

 Sabendo-se a resposta, ele pode adoptar medidas preventivas (antiarritmicos e anticoagulação para a fibrilhação auricular, cirurgia para a carótida, se a estenose for significante, etc.); Mas, como ele não tem padrinhos, não é membro do governo, vai só ficar à espera do próximo ataque e morrer, porque talvez não tenha a mesma sorte da próxima vez: A Guiné tem sido um país de desperdício de talentos e oportunidades!

Ficar doente na Guiné, se não fores membro do Governo ou nao teres padrinhos, é como jogar a roleta russa com cinco balas num carregador de seis balas.

Até quando?

Numa viagem relâmpago à cidade invicta (Porto), de 72 horas de duração, para trocar impressões com colegas médicos de cuidados intensivos e aproveitar para fazer o exame da Comunidade Europeia para diploma em cuidados intensivos (EDIC)- para mim, foi mais para enriquecer o meu currículo e ter uma ideia do estado dos cuidados intensivos na Europa e ao mesmo tempo comparar os pontos fortes e fracos da prática dos cuidados intensivos entre os 2 continentes; Para não ser afectado pelo fuso horário, cheguei lá na quarta-feira (9 de Fevereiro), fiz o exame na quinta (das 11 às 2 da tarde - no hospital Santo Antonio do Porto), bati papo com colegas com experiência nos cuidados intensivos depois do exame, e parti na sexta de manhã (Porto – Lisboa - Newark (New Jersey) e Las Vegas.

Na vida, temos sempre que procurar desafios (challenges) para nos aperfeiçoarmos e, nos países ocidentais, obter sempre um ponto, um diploma extra que nos ajude a “vencer a competição”.

Pelas conversas com os colegas (um trabalha no hospital da Amadora, outro em Lisboa, 2 no Porto), a competição vai ser ainda mais aguerrida no futuro para médicos portugueses, porque os médicos dos países de Leste não brincam --- estudam, fazem concursos e vão ocupando posições tradicionalmente ocupadas por portugueses e  outros CPLPs.

Não sei se é por falta de motivação, mas dos 20 lugares disponibilizados pela EU (EDIC) para o exame, houve 12 inscrições: no fim, 7 dos inscritos desistiram e só foram 5 ao exame (um era eu, que não pretendo trabalhar na Europa)!

Pelo que concluí, falando com esses colegas, dos médicos oriundos das ex- colónias, a maioria “passa a vida a fazer bancos” e “não se interessam com o avanço e melhoria do currículo”!

Muito provavelmente foi um exagero da parte deles, mas um aviso para os nossos compatriotas: a competição vai piorar no futuro e se quiserem sobreviver, têm que agarrar todos os diplomas e cursos de aperfeiçoamento que puderem: porque, mais dia, menos dia, as leis aí vão aparecer, podendo originar desemprego.

Esta visita “médica”ao Porto (nem avisei familiares e amigos, porque não haveria tempo para falar e precisava de me concentrar no exame) trouxe-me memórias da minha primeira visita à cidade dos dragões para as competições universitárias, a nossa estadia de um dia no Hotel Tuela (desta vez, fiquei no Sheraton) com o Augusto Cassius, o Mário Paulo no mesmo quarto, a viagem de autocarro com atletas de outras modalidades desportivas (Paulo Frischknecht - natação entre outros), a ponte da Arrábida, etc. E a canções Porto Sentido e Guardador de Margens (Rui Veloso e Paulo Té)...Recordar é Viver...

De volta a Las Vegas, a Mashiko disse-me que telefonaram a dizer que tinha ganho “o prémio de médico favorito dos doentes”, que junto vou compartilhar com os leitores do Contributo.

É dos prémios que recebi até agora, um dos que vou guardar no coração: por vezes é difícil combinar a excelência científica com a arte do humanismo e compreensão das necessidades do paciente.

Ser escolhido pelos pacientes entre 720 mil médicos (só 6% dos médicos são nomeados anualmente) é uma grande honra para mim e não posso descrever o que sinto: afinal de contas, quando vimos para a medicina, é para servir os doentes e não para nos servirmos deles. Assim continuarei!

Só assim poderei dignificar a memória dos meus pais (João da Silva e Vitória Tavares); avós (Joaquim Tavares e Domingas Semedo) e de todos os que lutaram para que a Guiné se tornasse melhor (infelizmente, não por culpa deles, ainda não chegamos lá!)... Mas, havemos de chegar!

Para terminar, desejo a todos um bom Dia dos Namorados e dedico esta canção à minha esposa e em nome de todos os namorados e maridos, também dedicamos esta canção às suas namoradas e esposas, do eterno Romântico Roberto Carlos (Por isso corro de mais).

Djoca!

 

 

 

MENSAGEM DO DR. ELÍSIO BENTO DE CARVALHO



Bissau, 06.02.2010


Boa noite Dr.

Eis que reapareço de novo após uma curta (longa?) ausência, que nem de perto ou de longe imaginarias qual a causa.

Eu tive um AVC (AIT ??).

Pois é Dr. estive a beira da morte, quando no fatídico dia 17 de Dezembro, pelas 21:horas, ingeri uma bebida, até então para mim desconhecida! o Red Bull, uma latinha de «bebida energética». Passado 1 hora após a ingestão, eu me apaguei pura e simplesmente. Sempre estive consciente, meio tonto é verdade, mas consciente. Os membros tornaram-se flácidos, estava eu num «djumbai» numa casa não longe da minha (da família Soares, artistas). Eu aguentei até meia-noite e tal, pedi que me pusessem no meu carro, consegui conduzi até a minha casa e me retiraram do carro por 2 pessoas: o Silvério Soares e o meu guarda nocturno, que me conduziram até à minha cama. Bebi leite, 80mg (2 comprimidos de Lasix) e Adalat, e Aspirina de 100mg. Eu tinha esses comprimidos, pois sou hipertenso, um bocado negligente com o tratamento e dieta, embora seja rigoroso com os meus pacientes.

Acordei depois de um profundo sono, TETRAPLÉGICO. Foi horrível constatar essa realidade. Estava consciente, falava normalmente, mas paralisado.

Nessa mesma manhã (dia 18 de Dezembro) iniciei a Acupunctura, mantive o tratamento com Adalat, Colsprin 100, Nootropil. Um médico cubano que veio me ver, no dia 19 à pedido do Amidu Silá, aconselhou associar o Captopril. Apesar de ter estado sempre consciente, acho que estava as vezes meio confuso, pois tomo com referência, o dia 25 de Dezembro, quando perguntei a minha esposa a data, e tomei a consciência que não sabia bem como tinham passado tantos dias. Não me recordava exactamente de coisa alguma relativamente aos acontecimentos entre 17 de 26 de Dezembro.

Consegui defecar no dia 27, mal me sustinha de pé, para que a minha esposa me lavasse.

Eu não fui ao Hospital, pois segundo a minha opinião, pessoal, não temos Hospital à serio, e também, médicos com paciência, para aturar os doentes, e eu não queria ser mais um objecto sem valor nas mãos de certas pessoas (Médicos?!). Mesmo o cubano só reapareceu depois do Novo Ano, o Amidu Sila, o artista José Manuel Fortes como testemunhas. Eu nunca abandono os meus pacientes assim, eu me colo a eles, sou conhecido por isso.

No 10º dia, fiz um tratamento tradicional, muito usado aqui na Guiné em casos de AVC. Me aplicaram uma mistura de Petróleo + Alho + Malagueta vermelha, seca, pilada.

Foi muito doloroso, aguentei durante umas 3 horas, mas nesse mesmo dia me levantei da cama, e cambaleando, ajudado pela minha esposa, fui até a casa banho para me refrescar, do ardor da malagueta. Até me ri em voz alta, para a surpresa dos inúmeros amigos e familiares que estavam presentes. Eu me ria da felicidade, pois agua fria, diminuiu por alguns instantes o efeito da malagueta.
Eu me senti reactivado, o lado esquerdo (braço e perna) começou a mover-se.

Eu chorei uma vez nesses dias quando constatei que estava paralisado, pensei que era o Fim da Estrada. Mas graças À Deus, aos amigos (tive muito calor humano), e ao tratamento convencional eu estou hoje, em que te escrevo quase recuperado. Reaprendi a andar num curtíssimo prazo, pois o lado direito se recuperou mais lentamente, reaprendi a escrever, pois nem o meu nome conseguia escrever, então fazia o abecedário (de a à Z, de 1 à 10), comecei a ter capacidade de ler pequenos textos, mas agora está tudo como dantes, leio sem restrições, estou a conduzir o meu carro, a minha motorizada. Amanhã vou apresentar-me no quartel da Marinha.

Não posso descansar, porque não tive, não tenho e nem terei apoios para me deslocar à Portugal, ou mesmo à Senegal, pois não pertenço à classe mandante. Mas também não é preciso, eu tenho Deus, bons amigos, e sou médico (dos bons, dos melhores aqui na nossa miserável terra, isso eu digo sem receio algum).

Queria ir descansar em Bolama, mas não posso, porque não tenho dinheiro. Tinha e ainda tenho 2 meses de salário atrasado, que me retiraram de forma abusiva, à mando do Zamora Induta, um individuo que nem curso médio tem, pois ainda me apanhou em 1987 na ex-URSS. Eu acabei a Academia de Medicina Militar, a única que existe na Rússia, mas não tenho valor nenhum, pois o conhecimento, o diploma não tem valor na nossa terra. Por isso eu me entreguei à Deus, à boa amizade (amigos), aos poucos conhecimentos da medicina que tenho e eis que estou bem vivo, quase recuperado, (pois ainda sinto umas pequenas diferenças), mas estou bem, Djoca.

Ontem o Humberto Monteiro, DG da Comunicação Social, me veio visitar, pois soube do meu infortúnio. Teve uma grande surpresa, pois me encontrou a trabalhar aqui no Consultório, nem quis acreditar, pois ouviu que o Elísio apanhou uma Trombose.

Não quero continuar a escrever sobre isto, porque ainda me zango. Eis o que me aconteceu Djoca.

Tchau, cumprimentos à familia.

Eis a minha receita: Deus, bons amigos e alguma medicina (tradicional e moderna).

EBC

VAMOS CONTINUAR A TRABALHAR!

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