A SAÚDE DOS GUINEENSES NA GUINÉ E NA DIÁSPORA

Prof. Joaquim Tavares

Prof. Joaquim Silva Tavares (Djoca)

joaquim.tavares15@gmail.com

01.12.2007

Editorial de Dezembro

 

Caros amigos e colegas,

Antes de mais, os meus votos de Boas Festas e que o novo ano traga tudo de bom para nós, para as nossas vidas profissionais e para a Guiné.

Este editorial vai ser um pouco longo, mas como estamos num período de festas, vamos todos comungar pelo espírito de dar e receber.

O tema do editorial é sobre a nossa Geração, sendo que ao longo do mês de Dezembro, iremos abordar as seguintes áreas  temáticas da Saúde:

1- Cuidados Intensivos:

Compartilhar alguns casos clínicos interessantes que tivemos este ano, eu e a minha equipa de internos/residentes e estudantes;

2-  Diabetes:

a) Perguntas e respostas;

b) Resumo sobre o estado da diabetes (dados recentes dos últimos 2 anos, a pedido de muitos leitores);

Ainda não temos dados estatísticos sobre a incidência/prevalência da diabetes na Guiné, de forma que, são todos bem-vindos na abordagem deste aspecto.

 

                         A NOSSA GERAÇÃO

 Geração do desapontamento?

 Geração perdida?

Um dia alguém colocou-me a questão desta forma e, ainda hoje, questiono-me sobre isso mesmo.

Na minha modesta opinião, qualquer nação, em média, leva entre 80 a 100 anos para começar a desenvolver as suas potencialidades ao máximo.

Muitas esperanças foram depositadas na nossa geração;

O  certo porém, é que a verdade está aí, nua e crua: quer os da diáspora, quer os que corajosamente ficaram na Guiné, todos ficámos aquém das expectativas criadas sobre nós.

Sem dúvida, muitos têm tido grandes sucessos (por vezes, extremo sucesso), quer do ponto de vista profissional, quer do ponto de vista familiar. No entanto, estes sucessos não se traduziram no correspondente sucesso da nossa terra como um todo.

Sem querer ilibar-me ou ilibar a nossa geração desta falta de concretização dos nossos sonhos em relação a uma Guiné mais próspera, podemos enumerar muitas razões, por exemplo:

- Na diáspora

- A necessidade, por vezes, de se trabalhar o dobro ou o triplo do tempo que os nativos dos países de acolhimento têm de trabalhar, para obter a mesma posição;

- A necessidade de formar família e o "stress" do dia-a-dia;

Razões, numa perspectiva global, que fazem com que nos reste pouco tempo para darmos devida atenção aos problemas da nossa terra.

 - Na Guiné

- Os que corajosamente voltaram e ainda lá estão, têm que enfrentar diferentes tipos de mentalidades;

- Preocupar-se com os pais, tios, familiares remotos, etc. para não passarem fome;

- Muitas vezes têm que fazer pactos e assumir compromissos que nunca imaginaram assumir se as circunstâncias fossem outras!!!

Outros filhos da nossa terra falharam definitivamente para com o país, não pelos motivos acima referidos, mas por cobiça, egoísmo, cobardice, falta de escrúpulos, etc.

Ainda assim, embora qualquer geração pense (por egoísmo), que vai ser ela a resolver os problemas do país e ao mesmo tempo usufruir dos benefícios da prosperidade, eu, pessoalmente, não acredito que a nossa geração ou a geração dos nossos filhos venha a resolver os problemas da nossa terra ou gozar sua prosperidade. Como escrevi atrás, só a geração nascida depois do século 21 testemunhará essa prosperidade; dizendo isso, é nossa obrigação fazer com que isso seja possível, através do Ensino, Saúde e através de bons exemplos.

Para terminar esta parte, apresento-vos um poema de William Wordsworth (1807), do filme "SPLENDOR IN THE GRASS"  - "Esplendor na relva" de Elia Kazan - 1961. Não vou traduzir o poema para não adulterá-lo. Quero sugerir a todos a visualização deste filme ou a aquisição de uma cópia para mostrarem aos netos, bisnetos etc.


Though nothing can bring back the hour

of splendor in the grass, of glory in the flower,

we will grieve not, rather find

strength in what remains behind


A interpretação deste poema, feita por uma das personagens, em português:

"Quando somos jovens, vemos as coisas de uma forma muito idealista. Penso que Wordsworth quer dizer que à medida que crescemos, devemos esquecer os ideais da juventude e encontrar força..."

A mensagem, para mim, é que temos que fazer algo para garantir que a geração do século 21 não esqueça os ideais da Justiça, Igualdade e Respeito pela DIGNIDADE e VIDA do PRÓXIMO!

 Outro ponto de abordagem em relação à nossa geração que hoje partilho convosco vai no sentido de prestar a minha homenagem e manifestar a minha solidariedade para com a nossa classe médica na Guiné.

Por vezes, à noite, nos meus poucos momentos de inteligência e pensamento, claros, fico a pensar no que é que fiz para desfrutar das comodidades da medicina americana, onde não faltam meios e incentivos para trabalhar.

Chegas a casa à noite, cansado, mas sabendo que és bem recompensado, o teu trabalho é apreciado e valorizado por alguém.

Exercendo medicina nos Estados Unidos, tens a garantia de um salário, no mínimo, de dez mil ($10.000) dólares mensais (Estado); quinze mil ($15.000) dólares mensais (Privado), num máximo que varia entre os 30 mil ($30.000) e os oitenta mil ($80.000) dólares mensais, dependendo da especialidade e do número de horas que quiseres trabalhar.

Penso nos colegas do mesmo nível ou melhores do que eu e que estão a trabalhar na Guiné, sem meios para fazer um trabalho adequado, sem respeito e consideração por quem de direito e, ainda, ao regressarem às suas casas, confrontarem-se com a falta de alimentos para os seus filhos...

É vergonhoso para o nosso país! Apelo aos nossos governantes a dedicarem mais atenção a estes nossos/nossas "Cabrais", "Domingos Ramos", "Titinas Silás", "Chicos Tés" de hoje, que estão a sacrificar os anos mais produtivos de suas vidas, para ajudarem os nossos doentes, sendo que, muitas vezes têm que "fugir" para o estrangeiro para poderem trabalhar e viver decentemente.

Esperemos que no próximo Orçamento Geral do Estado, a fatia para a Saúde seja tida em conta para que as condições dos Hospitais, Centros de Saúde, dos Médicos, Enfermeiros e Técnicos de Saúde sejam melhoradas!

Geralmente, sectores como a Saúde e a Educação não merecem muita consideração nos países ditos subdesenvolvidos (não há receitas, só despesas)!

Tenho notícias para vocês, caros amigos: Não há maior e melhor receita do que a saúde e a vida de um ser humano; do que a imunização das crianças e o bem-estar das grávidas.

Aproveito para prestar homenagem aos nossos médicos na Guiné. Os nomes que me vêm à memória, neste momento (perdoem-me os demais), são:

Dr.ª Maria Lasalette Gama - Dotada de  inteligência e competência raras e que resolveu regressar à nossa terra. Sempre a admirei por ser uma das nossas primeiras mulheres médicas, o que ainda a torna melhor do que todos nós!

Dr. Alfredo Alves - Meu instrutor na famosa Escola do Tio Bernal - Chão de Papel/Varela

Dr. Francisco Dias - Nós que frequentamos o quinto ano depois da independência, tivemos sempre complexos de inferioridade em relação aos que fizeram o curso complementar antes da independência e o "Chico" foi um dos que sempre colocamos num pedestal.

A todos vós, meus caros, admiro a vossa coragem e dedicação, do fundo do coração.

Quero expressar igualmente, a minha solidariedade para com os Enfermeiros da Guiné, sei (ou talvez não saiba na totalidade), das penúrias por que têm estado a passar:

Salários em atraso, falta de condições de trabalho e muito mais.

Ainda hoje, li um anúncio, num dos nossos Hospitais daqui, em que oferecem a um "traveller nurse" enfermeiro viajante (enfermeiros residentes noutros Estados ou noutros países e que passaram o exame de equivalência para trabalhar aqui nos Estados Unidos, dois mil e oitocentos ($2.800) dólares semanais, ou cerca de onze mil e duzentos ($11.200) dólares mensais)...

Tenhamos respeito pelos nossos Enfermeiros/Enfermeiras, fazendo com que se sintam satisfeitos e valorizados na nossa terra!

Vocês são a espinha dorsal de qualquer sistema de saúde e, mais do que os médicos, são os enfermeiros quem os doentes põem no topo da lista dos profissionais em quem mais confiam.

Merecem todo o meu respeito e espero que haja bom senso e possam receber as compensações que merecem.

Há dias, estava a rever os últimos sete dias das notícias da RTP África e fiquei triste ao ouvir uma entrevista de um pai: Estava só a apelar para que pelo menos, houvesse este ano, dois períodos lectivos na Guiné-Bissau... alunos em greve, professores em greve, quando caminhamos, inexoravelmente, para a Globalização, sendo que, as únicas armas de que vamos dispor para lutar por uma posição decente no "ranking" mundial é o "brain power", a Educação, os livros (as metralhadoras, os canhões, os foguetes, não nos ajudarão, porque os Estados Unidos, a China, a Rússia, a Correia, etc. vão ter sempre mais armas e poder militar e, a nossa única forma de competir com eles, será através de uma Educação sólida e séria).

Imploro que tenham isto em conta nos futuros Orçamentos do Estado!

Sem PROFESSORES, não há Médicos, não há Economistas, nem há Governantes Educados!!!

As crianças; sempre as crianças! Temos que lhes dar confiança e apoio para que façam melhor do que nós!

Não queiramos que dentro de 20-50 anos, quando olharem para trás, digam: vocês abandonaram-nos à nossa sorte, deixaram-nos passar fome. Deixaram-nos morrer por falta de imunização e comida. Deus vos ajude e tenha piedade das vossas almas. Amén!

Termino com Bob Dylan e "THE ANSWER IS BLOWING IN THE WIND"


"HOW MANY EARS, CAN ONE MAN HAVE, BEFORE HE CAN HEAR PEOPLE CRY?"

"HOW MANY DEATHS WILL IT TAKE UNTIL YOU KNOW THAT TOO MANY PEOPLE HAVE DIED?"


Este Editorial, vou realçar, não é uma declaração ou manifesto político mas sim:

Um grito de desabafo de um médico que jurou dedicar a sua vida a salvar vidas.

Um grito de desabafo de um pai preocupado com o futuro da geração do seu filho.

Um grito de desabafo de um ser humano preocupado com o bem-estar de outros seres humanos!

Desejos de Boas Festas, Feliz Natal, Próspero Ano Novo e que Deus não se esqueça da nossa Guiné.

Votos de um ano de 2008 com muitos livros, muitas vacinas, ano lectivo de 3 períodos, menos armas beligerantes, menos mortes (já perdemos muitas vidas desde 1961).

Não queremos outro " DIPUS KE LEBAL, CASA FICA SIN NINGUIN "!

DIPUS KE LEBAL

J.TAVARES, MD, FCCP, FAASM

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