A SAÚDE DOS GUINEENSES NA GUINÉ E NA DIÁSPORA

Prof. Joaquim Tavares

Prof. Joaquim Silva Tavares (Djoca)

joaquim.tavares15@gmail.com

28.08.2008

Editorial de Agosto

Editorial de Agosto

 

Com as peripécias políticas guineenses e mais uma vez o fumo da incerteza a pairar sobre as colinas de Boé, por algum momento, pensei em cancelar o editorial de Agosto: será mais importantes as pessoas se concentrarem e debaterem assuntos políticos/militares, do que perderem tempo a ler sobre a Saúde e a Educação?!

Mas imediatamente, acordei desse pesadelo que tem vindo a fazer parte do sono REM (rapid eye movements) dos guineenses nos últimos 34 anos: constantes lutas pelo poder, dinheiro, raposices políticas e governo após governo, todos deixaram a Saúde e a Educação no mesmo estado ou em pior estado em que estavam em 1974!

5 de Janeiro de 1980! Ainda tenho bem viva na minha memória a imagem e as palavras evocadas por essa poderosa imagem: um grupo de estudantes guineenses (8 ou 10) no aeroporto de Bissalanca, prontos para embarcar no avião da TAP com destino a Lisboa, para prosseguirem os estudos; acompanhados por colegas do sétimo ano que iam também partir brevemente para outras paragens (União Soviética, Roménia, Cuba, etc.): a imagem era a de um meu primo distante: caquético, olhos de um ser humano que vê a vida esvaziar-se à sua frente, olhos de desespero; ele tinha acabado de obter uma junta médica para um hospital de Lisboa para ser tratado de diabetes (à luz do que agora sei, provavelmente estava a entrar na fase de ketoacidose diabética (diabetic ketoacidois ou DKA) ou HONK (hyperosmolar nonketotic state).

As conversas e palavras eram de todos nós (na altura presumivelmente considerados “os futuros da nossa terra”): “dentro de 6 -7 anos, quando regressarmos, vamos poder tratar destes casos aqui mesmo na Guiné, ninguém tem de viajar para cuidar da sua saúde! Vamos regressar, dar aulas e ajudar as nossas crianças e jovens; dar-lhes as munições intelectuais necessárias para competirem no mesmo nível que outras crianças de países mais desenvolvidos: tão ingénuos e "naives" que éramos: como o Don Quixote de La Mancha, como James Stewart no filme “ it’s a wonderful christmas”...

 

34 anos depois.....

 

Alguns de nós (o meu grupo), encontramo-nos radicados em países longínquos por vários motivos: família, sucesso na carreira, medo de voltar para a Guiné: de perder a nossa integridade física/moral e intelectual;

 

Resultado:

Os nossos doentes ficaram privados das nossas contribuições; as nossas crianças/jovens também perderam parte de um contingente que poderia ajudar-lhes a serem mais competitivos no mundo moderno.

 

Outros regressaram e muitos tiveram que deixar, de novo, a Guiné, por falta de condições de trabalho, frustração por saberem que têm capacidades para tratar doenças, mas não há condições ou matérias para desempenharem dignamente as suas funções.

 

Dos que regressaram e ficaram, tenho a certeza de que estão a dar o máximo, mas quando há carência de medicamentos, materiais de esterilização, soros, precárias condições de higiene, não importa que tipo de treino/preparação que tiveram, pouco podem fazer ou cumprir.

 

34 anos depois, ainda temos pacientes à espera de junta para irem a Portugal, Senegal, etc. para tratar complicações de diabetes, para fazer hemodiálises, para serem submetidos a intervenções cirúrgicas banais.

 

34 anos depois, ainda temos epidemias anuais de cólera; a malária (paludismo) ainda é endémica; doentes têm que levar lençóis para os hospitais.

 

34 anos depois, ainda privamos a nossa juventude de um ano lectivo completo (é o que classificamos literalmente de  child abuse).

 

34 anos depois, ainda não metemos nas nossas cabeças que quanto mais educada uma criança é, mais opções tem na vida e menos cobiça de poder tem, porque sabe que se perder o seu posto de presidente, primeiro-ministro, chefe militar, etc., ainda pode ganhar a vida exercendo outras profissões e não agarrar-se ao poder como se fosse o seu salva-vidas.

 

Aos 34 anos de idade, um ser humano já sabe o que quer na vida, tem prioridades delineadas, já conseguiu muitos dos seus objectivos e já não depende dos pais para viver o dia-a-dia; a Guiné, como nação, tem 34 anos no papel, mas como um todo, age como uma criança de 5 anos: ainda pede ajuda para alimentar os guineenses; ajuda para combater a cólera, ajuda para pagar aos nossos professores, etc.

 

Um apelo a qualquer governo que tome os destinos da nossa terra nas suas mãos: por favor não se esqueçam da Saúde e da Educação: sem saúde e sem inteligência, criamos os monstros de hoje e continuaremos a criar os monstros de amanhã, que tudo farão para um dia virem a ser Presidente, ministro, chefe militar, etc.

Na Guiné, sabem que é a única forma de serem alguém na vida, de terem dinheiro, de terem “sucesso”...porque padecem de sanidade física e mental para terem sucesso noutras esferas da vida.

 

34 anos depois, ainda estamos a trabalhar arduamente para hipotecar o futuro das gerações vindouras; os exemplos de “vendetta”, cobiça, ódio que temos vindo a demonstrar nestes 34 anos, só contribuirão para perpetuar a permanência da Guiné no mundo da escuridão: não é a Guiné que os nossos antepassados (de Honório Barreto a Amilcar Cabral, passando por Rafael Barbosa) visualizaram.

 

Mais uma vez vou reiterar: há necessidade de se organizar uma conferência/mesa redonda de profissionais de Saúde de origem guineense para discutirmos as várias formas em que podemos contribuir para elevar o nível de cuidados de saúde que oferecemos aos nossos cidadãos; mas essa iniciativa tem que partir do governo guineense.

 

Até lá, penso que não poderia encontrar melhores palavras do que as letras da metáfora da música da Orquestra Super Mama Djombo:

 

Ha nten (no ten) kassabe ku fadiga na corson...

 

Ha nten (no ten) kassabe de dus fidju femia

Carlota (educação) ku falcida Júlia (saúde)

 

Ke nha (no) djambacus mama djombo bo bin djudan(o)

 

JÚLIA - SUPER MAMA DJOMBO

 

 

Deus nos ajude (se ainda não se cansou de nos ajudar)!

 

Djoca!

 

J.TAVARES, MD, FCCP, FAASM

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