A SAÚDE DOS GUINEENSES NA GUINÉ E NA DIÁSPORA

Prof. Joaquim Tavares

Prof. Joaquim Silva Tavares (Djoca)

joaquim.tavares15@gmail.com

12.04.2010

 

 

Editorial de Abril

 

Nos tempos da Inquisição, há uma história (sera lenda?) que tem como protagonista Galileo Galillei: Numa altura em que Homens da Ciência questionavam a teoria alicerçada nos tempos de Aristóteles de que a Terra era o centro do Universo e que tudo girava à volta do Terra, incluindo o Sol; começando com Copernicus e passando por Galileo (Telescópio), com observações científicas, estava-se a chegar à conclusão de que afinal a Terra não era o centro do universo e que ela girava à volta do Sol. Por estas e outras posições, Galileo foi preso e condenado pela “Santa” Inquisição; como de costume, com torturas, obrigaram-no a denunciar por escrito a sua teoria, o que ele fez: ”a terra não gira à volta do Sol, a Terra é o centro do Universo, etc.”

Mas diz a lenda (ou verdade histórica?) no final da confissão, e como P.S., ele acrescenta: … CONTUDO, ELA GIRA!

 

Neste nosso site, o editor chefe e muitos outros contribuintes do Contributo, têm vindo a alertar-nos ao longo dos anos para a proliferação da droga, para os negócios da droga na nossa Terra e dos perigos que isso representa para a instabilidade sócio-política na Guiné: Lá vieram críticas de “criarem instabilidade no país”, de estar tudo bem no país e que tudo era invenção da diáspora para desestabilizar a Guiné; as notícias postas no site (BBC e outras agências) não eram nada mais do que tentativas da CIA e outras agências ocidentais de “dar um mau nome à Guiné”…

 

Depois dos factos dos últimos 10 dias, em nome do meu amor à Pátria que me viu nascer, em nome da “estabilidade social e política” na minha Terra, devo também confessar que ”Está Tudo Bem Na Guiné ”… CONTUDO, ameaçam-se mulheres e crianças de fuzilamento e drug kingpins são desmacarados…

 

Em Bissau há 3 ou 4 semanas, uma irmã de um amigo meu morreu em casa. Tinha 26 anos de idade e pelo que pude inferir tinha uma hemoglobina de 4.0 (geralmente o valor normal situa-se entre 11 e 15). Quanto mais informações recolhia sobre o caso, mais me convencia de que 37 anos da nossa existência como sociedade foi para a latrina… A Guiné, como País, deveria ter vergonha de se olhar ao espelho…

 

Uma jovem de 26 anos, tem uma monstruosa anemia por meses, morre em casa porque não tinha dinheiro para pagar táxi e taxa para ser vista no hospital; teve “vergonha” de pedir dinheiro emprestado e morre deixando crianças por cuidar…

 

Em primeiro lugar, vivemos numa era em que nos podemos comunicar facilmente (telefone, internet, etc.); se um médico está a seguir um paciente (HEMOGLOBINA de 4) por semanas e não chega a um diagnóstico, é altura de pedir uma segunda opinião (NÃO É PELO FACTO DE TERMOS NASCIDO NA GUINÉ que os médicos na diáspora deixam de ser bons médicos ou experts): telefonem, enviem email para discutir este tipo de casos.

 

Discutir um caso, pedir uma segunda opinião, não é sinal de “incompetência”; é sinal de que nos preocupamos com os nossos doentes e pomos os interesses dos nossos doentes acima de quaisquer outros interesses (não passam 3 dias, sem que eu tenha que pedir opiniões a colegas da mesma especialidade ou de especialidades diferentes sobre casos difíceis.

 

Em Segundo lugar, como se explica a inexistência de ambulâncias hospitalares/estatais de Primeiros Socorros, com técnicos treinados em entubações, intravenosas, etc. (se alguém tiver um ataque asmático em casa, está condenado a morrer de asfixia, em casa ou no táxi?

 

Em Terceiro lugar, informaram-me que não se pode ser atendido no hospital sem pagar (com salários em atraso, nao sei como…).

Mas, em nome da Estabilidade, da Reconciliação nacional, declaro que está tudo bem… CONTUDO, morre-se aos 26 anos porque não se tem dinheiro para pagar transporte, enquanto a vida nocturna prolifera nas ruas das nossas cidades e carros de dezenas de milhares de dólares (muitos provenientes de “ajudas”) proliferam nas cidades e não temos ambulâncias de emergência…

 

Em qualquer profissão, há sempre uma MECA, VATICANO, GANGES para a qual temos que peregrinar anualmente, para nos rejuvenescermos intelectualmente; para mim, aqui nos USA esse lugar de peregrinação foi sempre Massachusetts; Aliás, na costa Leste dos Estados Unidos ainda corre a seiva da inovação, da prática de medicina por gosto; por isso, as instituições mais prestigiadas ainda lá estão: Harvard (Mass general), Lahey Clinic, Dartmouth, Yale, Princeton, Johns Hopkins, Cornell (New York Hospital, Memorial Sloan Kettering), Duke, Vanderbilt. Esta tradição ainda se propagou a outras instituições a leste do Mississipi River (Mayo Clinic, Cleveland Clinic e Washington University em St Louis);

 

A oeste do Mississipi, temos raras excepções: Stanford e talvez UCLA; o resto é mais “Wild, Wild West” (muito ouro, pode-se ganhar 2 ou 3 vezes mais do que médicos na costa Leste, mas há menos interesse em investigação).

 

Há 2 semanas, estive em Lahey Clinic para um seminário em pulmonologia de intervenção e tive oportunidade de falar, discutir casos com figuras proeminentes da nossa Medicina: Atul Mehta (ex-Director da secção de Broncologia da Cleveland Clinic em Cleveland e actual Director da nova Cleveland Clinic em Abhu Dhabi), Eric Edell (Director de pneumologia na Mayo Clinic), David Kopperman (Director do Serviço de pulmonologia de intervenção no Johns Hopkins) e Sheppard (Director do Departamento de Broncoscopia na Universidade de Virginia; este, por coincidência, durante a nossa conversa a caminho do hotel, fiquei a saber que esteve na Gâmbia por 2 vezes; talvez numa outra oportunidade vos possa relatar as impressões dele sobre o estado de saúde no nosso cantinho).

 

É deste tipo de meetings, reuniões, que necessitamos na Guiné (melhorar, melhorar, melhorar a nossa qualidade como clínicos), saber o que outros colegas de profissão fazem em situações clínicas diversas.

 

Mais uma vez, parabéns ao Didinho e a todos os colaboradores, comentaristas do Contributo por nos informarem e elucidarem sobre várias facetas da nossa Guiné (por vezes, inicialmente, é difícil aceitarmos a realidade, porque amamos a nossa Terra, mas acabamos por reconhecer que há verdade no que dizem e só temos que aceitar e tentar corrigir os erros.

 

Djoca!

 

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