EDITORIAL 8 - VICTOR GOMES PEREIRA


 

Eu acho que!

A inclusão é inevitável e necessária

Victor Gomes Pereira

05.11.2012

Se existe um ponto na agenda política atual que preocupa os guineenses de boa vontade, e sobre o qual todos estão em perfeita sintonia, é a inevitabilidade da questão da inclusão, mesmo sabendo que ela constitui simultaneamente um pomo de discórdia, porquanto as modalidades em que ela deve assentar divergem consoante os diversos pontos de vista e de interesses.

A bondade de uma governação inclusiva é indiscutível, mais ainda na situação em que o país se encontra. Se até aqui era necessário avançar sem esperar pela direção do PAIGC, que voluntariamente se colocou fora do processo, algum abrandamento terá que ser feito pelos responsáveis de transição, não apenas para acomodar outras diversas correntes a fim de atenuar as clivagens que não têm permitido o país avançar, mas também para uma reorientação estrutural e estratégica que permita melhorar a performance do processo.

Digo bem melhorar e não modificar. Porque esta modalidade assentaria em pressupostos que não estão previstos no Acordo e no Pacto Político que selaram e consolidaram a paz e a estabilidade ao longo da primeira metade de transição, algo nunca antes conseguido com nenhum governo de mandato eleitoral. E por consequência significaria o inevitável regresso à estaca zero, que é precisamente o que pretendem alguns independentistas, para melhor servir os seus interesses e não os do povo guineense, como aliás tem sido sua prática ao longo dos últimos 39 anos da existência deste Estado.

O nível da dinâmica do processo, nomeadamente o pouco envolvimento da comunidade internacional financiadora das eleições, indica que a transição deverá prolongar-se por algum tempo. Ora, esse prolongamento não se pode fazer sem também tomar em conta a nova realidade, que é a disponibilidade do PAIGC em integrar o processo e viabilizar a aprovação de alguns diplomas importantes para a conclusão do processo, e até reforçar a legitimidade do atual poder.

O Partido que se pretende que seja incluído está suficientemente representado nas estruturas de transição, a começar pela Presidência da República, pelo Governo e pela própria ANP, onde mantém os seus lugares na Mesa. A verdade é que o PAIGC e a CPLP não reconhecem os militantes do PAIGC que estão nas estruturas de transição.

Mas como poderia o futuro de um país depender da solução de uma crise interna de um partido cujos militantes se encontram desavindos?

A ser de admitir a hipótese de inclusão tal como pretendida pela CPLP e uma fação da direção do PAIGC, qual seria o destino dos atuais militantes desse partido que estão nas estruturas de transição?

Seriam demitidos e substituídos por outros camaradas do mesmo partido?

Ou seriam mantidos e os da oposição afastados?

E se amanhã houver mudanças na direção do partido, vamos também voltar a modificar as estruturas de transição?

E se tivermos que aplicar à risca o retorno ao status quo ante, não deveríamos recuar um pouco para trás, devolvendo o poder àqueles que também foram vítimas de golpes de Estado, mas que em nome do patriotismo e da preservação da paz, souberam fazer cedências?

Na minha modesta perspetiva, e face ao entendimento geral de que a ninguém interessa que o país entre em guerra, na presente fase da transição, a inevitável inclusão deve ser vista essencialmente na perspetiva de uma remodelação governamental.

Qualquer mexida no governo serve para prosseguir certos interesses, nomeadamente sancionar governantes com menor desempenho, premiar os melhores, acomodar interesses partidários e eleitoralistas, e sobretudo, aproveitar novas oportunidades para melhorar a eficácia da ação governativa, e porque não aproveitar a disponibilidade do PAIGC para acelerar o regresso dos parceiros internacionais.

Como não há bela sem senão, este cenário comporta riscos. Dado que uma eventual remodelação deveria ser focalizada na inclusão do PAIGC, também aqui torna-se prudente questionar a grandeza da dificuldade em gerir a eventualidade de um inevitável disfuncionamento do governo por causa de membros com agendas pessoais e partidárias incompatíveis com o que se pretende com a remodelação. Desde logo, por causa da evidência de um partido em queda livre, esfrangalhado por interesses repartidos em pelo menos 10 candidaturas para a sua presidência em congresso próximo.

O Papel da CPLP

 

A Guiné-Bissau é membro efetivo da CPLP, organização na qual participou na sua criação, e mantém-se fiel aos ideais que presidiram à sua criação. Trata-se de uma organização de tipo clássico, onde os Estados membros agem em coordenação, e não em subordinação. A sua vocação é meramente linguística e cultural, sem componente política, por isso sem vocação para resolução de litígios de natureza eminentemente políticas, como é o caso, sobretudo quando existe uma organização sub-regional com vocação para o efeito, de que é membro efetivo o Estado onde existe o conflito, no caso, a Guiné-Bissau.

Em nenhum momento o tratado constitutivo atribui a componente política à CPLP e competência para mediar litígios sem o acordo ad hoc dos Estados membros em situação de conflito. E como se isso não bastasse, a primeira reação da CPLP foi a de requerer a autorização do uso da força para repor a ordem constitucional como se estivesse mandatada pelo Governo da Guiné-Bissau para o efeito.

Quando aconteceu o golpe de Estado, o país esperava apoio dos Governos dos Estados irmãos da CPLP, no quadro da solidariedade e compreensão que deve animar o relacionamento entre Estados que partilham laços históricos e culturais.

A solidariedade, traço característico e particular da sociedade africana, que os países africanos, e de tradição africana, como é o caso do Brasil, levam como contributo para enriquecer a CPLP, ficou fortemente abalada.

E o mais grave é quando se trata de uma organização que alberga países que têm um percurso histórico comum com a Guiné-Bissau, e conhecem bem as dificuldades de estabilizar países que foram forçados a recorrer às armas para se tornarem independentes, sobretudo quando essa estabilização tem que ser feita enfrentando fortes forças de bloqueio provenientes do estrangeiro. 

Por outro lado, esses países amigos deliberadamente esquecem-se que o país ainda carrega o fardo de ter um passado de 500 anos de administração militar implantada por um colonialismo serôdio e feroz que deixou marcas indeléveis na sua história, marcada sobretudo pela militarização do poder e por um cavado analfabetismo mantido e fomentado.

E no meio desse doloroso processo de estabilização, a Guiné-Bissau, em vez da solidariedade da CPLP, organização que supostamente integra países que melhor conhecem os seus problemas, recebeu como presente a maior guerra diplomática que alguma vez a organização fez contra um dos seus Estados membros.

E esta atitude se torna ainda mais lamentável quando a memória recente nos leva para a inegável ajuda que valorosos combatentes da liberdade da pátria e da luta de libertação Nacional da Guiné-Bissau prestaram em sacrifícios consentidos durante a luta contra o colonialismo português, para que hoje todos os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, incluindo Timor, fossem também livres e independentes.

Não é compreensível para o Governo e para o povo guineense que seja apenas a democracia a motivação da CPLP durante todo este processo. A democracia tem que ser aferida em todas as vertentes, quer no acesso ao poder, quer no seu exercício. Não se pode compreender que depois de tantas atrocidades cometidas no país, e que ainda continuam a ser cometidas a mando das autoridades depostas, pondo em causa a legitimidade de exercício democrático, a CPLP só agora acorde, e da pior maneira para se preocupar com a situação da democracia na Guiné-Bissau.

Ficou evidente que se dependesse da CPLP, sobretudo de alguns países membros, que tanto apelaram ao bloqueio deste Governo, o país estaria a viver a pior situação de penúria de sempre. E mais incompreensível ainda é o facto de a CPLP, depois de tudo o que fez contra o Governo e contra o povo da Guiné-Bissau ainda pretenda a inclusão da sua posição na solução da crise, apresentando propostas que visam reverter tudo o que o Governo, com os seus vizinhos, conseguiram até aqui, apesar dos bloqueios que tiveram que enfrentar.

A CPLP reivindica que a sua posição seja tomada em consideração, no quadro da implementação da famosa teoria de harmonização de posições. Mas que posições são essas? O tratado constitutivo da CPLP confere-lhe algum mandato para reivindicar alguma posição sobre o conflito num dos Estados membros? O que se sabe desde o golpe é que a CPLP tem advogado o regresso ao status quo ante, ainda que seja para recorrer ao uso da força.

Tudo o que a CPLP fez até aqui tem sido nesse sentido, e foi por causa disso que tudo fez para que sejam as autoridades depostas a discursarem na Assembleia Geral da ONU em nome da Guiné-Bissau, mesmo sabendo das eventuais implicações disso na estabilidade do país e na vida das populações com as quais diz estar preocupada.

A Guiné-Bissau é membro da CPLP, e também da Francofonia, organização com a mesma natureza, mas esta última não reivindica a inclusão da sua posição na resolução da crise guineense, e nem na da crise maliana, como comparativamente se podia esperar. E nem podia reivindicar, por não ser sua vocação, e nem ter mandato nesse sentido.

É profundamente lamentável a situação de desvio escandaloso aos objetivos da CPLP, o facto de autoatribuir-se, a título ad hoc, uma missão que não lhe compete. A organização demonstrou não ter conseguido resistir à tentação de confundir a sua missão, tal como prevista no seu tratado constitutivo e no seu direito derivado, com pretensões geoestratégicas de alguns dos Estados membros.

Pela forma como a crise foi abordada pela CPLP, é evidente que esta perdeu condições para assumir um papel de primeira linha no processo de transição. E pelo comportamento abusivo de alguns Estados membros, também se tornou evidente que a presidência moçambicana também não terá pernas para andar neste processo. Mormente quando assumiu o mesmo tom abusivo e espalhafatoso dos colegas que o antecederam.

E quando assim é, nada mais do que a CPLP e os seus dirigentes assumirem o falhanço da sua opção e a sua falta de condições para servir de mediador. Uma mea culpa daria mais prestígio à CPLP, e talvez terá condições para desempenhar o seu papel, contribuindo de outra maneira, de forma como entender pertinente, mas não como mediador.

Muito obrigado

Até daqui a quinze dias

Bissau, 05 de Novembro de 2012

Victor Pereira

Jornalista

 

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