Prof. Doutor Mamadu Lamarana Bari

Contacto: mlbarry1@gmail.com

 

EDITORIAL EDUCAÇÃO no. 5

 26.04.2010

 

A língua é o que nos liga ao mundo dos outros, das pessoas à nossa volta, e nos põe no centro da sua comunicação universal[i]

 

Em comentários que me tinham sido dirigidos no Editorial anterior há-os que por sugestão haviam me sugerido falar sobre o Sistema Educacional da Guiné-Bissau. Naquele momento deparei-me com uma frase célebre do grande poeta, compositor e músico brasileiro Vinicius de Moraes Filhos melhor nao te-los....mas se nao te-los como sabe-los parafraseando estas palavras perguntei-me a mim mesmo num tom desafiador como saber do Sistema de Educação na Guiné-Bissau  e falar dele se não se tem registros estatísticos dignos de nota?  

Felizmente esta minha angústia pode ser atenuada com o recebimento de duas sinopses relacionadas ao trabalho desenvolvido pelo Projeto ANDORINHA sobre o ensino da língua portuguesa na Guiné-Bissau. Entretanto dúvidas e desconfianças me arrebataram pensamento sobre a viabilidade deste projeto, ou seja, para mim poderia ser mais um ralo na banheira de recursos provenientes dos contribuintes não importando suas origens pátrias não fosse reais propósitos que este o mesmo ostenta. Por que a língua portuguesa se é mais do que sabido que pouco menos 10% da população guineense fazem o uso desta língua do seu dia a dia? Por que se preocupar com a língua neste momento que o país deu sinal do seu desaparecimento por estar convivendo com práticas institucionais de um Estado falhado? Até o criol corre o risco de desaparecer se,... que o demo seja surdo, mudo e amarrado... está repreendido em nome do Senhor,  a Guiné for anexada por forças internacionais em nome da Paz e da tranqüilidade na Região. Eis que de repente os meus delírios do afrontado foram tomados pelos esclarecimentos tipo “quem não se comunica se trumbica...” como dizia o saudoso animador da TV Globo, Abelardo Barbosa, que era conhecido por Chacrinha. Nesta base de idéias vieram em minha mente obras raras de poetas da língua portuguesa e musical, “A minha Pátria é a Lingua Portuguesa “ e a ”Língua”, respectivamente,  de Fernando Pessoa e de Caetano Veloso chamando a atenção sobre a importância que a língua tem na comunicação.

“... A língua tem o poder de criar uma nova paisagem sintática, de reinventar, reordenar, renomear.  A língua é o que nos liga ao mundo dos outros, das pessoas à nossa volta, e nos põe no centro da sua comunicação universal. Pela palavra podemos criar, podemos nascer, podemos remexer, podemos ferir, podemos matar. Tal e qual como um lavrador semeia a terra, tal e qual como a chuva traz a vida, tal e qual como a enxurrada traz a fúria das águas “.

Laura Esquivel, Malinche "A LÍNGUA É MINHA PÁTRIA, E EU NÃO TENHO PÁTRIA, TENHO MÁTRIA, E QUERO FRÁTRIA"

 

Fernando Pessoa o gênio da arte de falar deixa-nos a sua viva impressão sobre aquela que consolida o já unificado (um País, uma Nação) - a Língua Portuguesa

Não chóro por nada que a vida traga ou leve. Há porém paginas de prosa me teem feito chorar. Lembro-me, como do que estou vendo, da noute em que, ainda creança, li pela primeira vez numa selecta, o passo celebre de Vieira sobre o Rei Salomão, "Fabricou Salomão um palacio..." E fui lendo, até ao fim, tremulo, confuso; depois rompi em lagrimas felizes, como nenhuma felicidade real me fará chorar, como nenhuma tristeza da vida me fará imitar. Aquelle movimento hieratico da nossa clara lingua majestosa, aquelle exprimir das idéas nas palavras inevitaveis, correr de agua porque ha declive, aquelle assombro vocalico em que os sons são cores ideaes - tudo isso me toldou de instincto como uma grande emoção politica. E, disse, chorei; hoje, relembrando, ainda chóro. Não é - não - a saudade da infancia, de que não tenho saudades: é a saudade da emoção d'aquelle momento, a magua de não poder já ler pela primeira vez aquella grande certeza symphonica.

Não tenho sentimento nenhum politico ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriotico. Minha patria é a lingua portuguesa. Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incommodassem pessoalmente, Mas odeio, com odio verdadeiro, com o unico odio que sinto, não quem escreve mal portuguez, não quem não sabe syntaxe, não quem escreve em orthographia simplificada, mas a pagina mal escripta, como pessoa própria, a syntaxe errada, como gente em que se bata, a orthographia sem ípsilon, como escarro directo que me enoja independentemente de quem o cuspisse.

Sim, porque a orthographia também é gente. A palavra é completa vista e ouvida. E a gala da transliteração greco-romana veste-m'a do seu vero manto régio, pelo qual é senhora e rainha.

Maria Aliete Galhoz e Teresa Sobral Cunha; ed. de Jacinto do Prado Coelho, Lisboa, Ática, 1982 vol. I, p. 16-17.


E no dizer cantado do Caetano Veloso o que está por trás das letras....


Gosta de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões
Gosto de ser e de estar
E quero me dedicar a criar confusões de prosódia
E uma profusão de paródias
Que encurtem dores
E furtem cores como camaleões
Gosto do Pessoa na pessoa
Da rosa no Rosa
E sei que a poesia está para a prosa
Assim como o amor está para a amizade
E quem há de negar que esta lhe é superior?
E deixe os Portugais morrerem à míngua
"Minha pátria é minha língua"
Fala Mangueira! Fala!

Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó
O que quer
O que pode esta língua?

Vamos atentar para a sintaxe dos paulistas
E o falso inglês relax dos surfistas
Sejamos imperialistas! Cadê? Sejamos imperialistas!
Vamos na velô da dicção choo-choo de Carmem Miranda
E que o Chico Buarque de Holanda nos resgate
E – xeque-mate – explique-nos Luanda
Ouçamos com atenção os deles e os delas da TV Globo
Sejamos o lobo do lobo do homem
Lobo do lobo do lobo do homem
Adoro nomes
Nomes em ã
De coisas como rã e ímã
Ímã ímã ímã ímã ímã ímã ímã ímã
Nomes de nomes
Como Scarlet Moon de Chevalier, Glauco Mattoso e Arrigo Barnabé
e Maria da Fé


Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó
O que quer
O que pode esta língua?

Se você tem uma idéia incrível é melhor fazer uma canção
Está provado que só é possível filosofar em alemão
Blitz quer dizer corisco
Hollywood quer dizer Azevedo
E o Recôncavo, e o Recôncavo, e o Recôncavo meu medo
A língua é minha pátria
E eu não tenho pátria, tenho mátria
E quero frátria
Poesia concreta, prosa caótica
Ótica futura
Samba-rap, chic-left com banana
(– Será que ele está no Pão de Açúcar?
– Tá craude brô
– Você e tu
– Lhe amo
– Qué queu te faço, nego?
– Bote ligeiro!
– Ma’de brinquinho, Ricardo!? Teu tio vai ficar desesperado!
– Ó Tavinho, põe camisola pra dentro, assim mais pareces um espantalho!
– I like to spend some time in Mozambique
– Arigatô, arigatô!)

Nós canto-falamos como quem inveja negros
Que sofrem horrores no Gueto do Harlem
Livros, discos, vídeos à mancheia
E deixa que digam, que pensem, que falem

Língua - Caetano Veloso


Meus caros compatriotas é com esta pequena nota introdutória sobre este atributo considerado o maior dom da palavra, que eu quero apresentar neste Editorial no. 05 o Projeto ANDORINHA-CANCHUNGO, na pessoa de seus dirigentes senhores Eduardo Gomes, Antonio Alberto e Marcolino Elias. Posto isso, penso que estaria, em parte, atendendo, com satisfação o apelo do meu compatriota de Londres.

Meus caros compatriotas e leitores apesar de longa a exposição, mas vale a pena um pouco de paciência para uma leitura proveitosa do texto que passo a transcrever, bem como os anexos em forma de link. “Tudo vale apena se a alma não é pequena” (Fernando Pessoa).

 

Em 23/04/10, Andorinha em Canchungo<andorinha.em.canchungo@gmail.com> escreveu:

ANDORINHA – 2 ANOS DE PROMOÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA E DA CULTURA EM LÍNGUA PORTUGUESA NA GUINÉ-BISSAU

Em Canchungo, a 24 de Abril de 2008, Marcolino Elias Vasconcelos, professor – sobretudo de Língua Portuguesa – no Liceu Regional Hô Chi Minh, e António Alberto Alves, sociólogo e voluntário, iniciaram o programa Andorinha na Rádio Comunitária Uler A Baand, que tem como objectivo a promoção da Língua Portuguesa e da Cultura em Língua Portuguesa e desde então mantém a sua periodicidade semanal, todas as quintas-feiras entre as 20.3h e 21.3h na frequência de 103 MHz. De imediato, para responder a diversas solicitações de apoio educativo, jovens estudantes tomaram a iniciativa de se organizarem em bankada*, para ouvirem o programa Andorinha e “praticarem a oralidade e ultrapassarem o receio de falarem em português”! Ao longo desse ano, constituíram-se bankadas nos bairros da cidade de Canchungo (Betame, Pindai, Catchobar, Tchada, Djaraf, rua de Calquisse, Bairo Nobo) e em algumas tabanka (Cajegute, Canhobe, Tame). Complementarmente, foi constituída a bankada central Andorinha, que concentra as suas actividades no Centro de Desenvolvimento Educativo de Canchungo e que tem organizado algumas iniciativas: sessões de vídeo, acções de sensibilização em escolas, feira do livro. [*Bankada é um grupo informal mas estruturado, sobretudo de jovens, que se juntam num local na rua, para ouvirem rádio – neste caso, o programa Andorinha e para praticarem a oralidade em Língua Portuguesa.]

Esta iniciativa Andorinha surge como pioneira num país onde a utilização da Língua Portuguesa é muito baixa e a sua riqueza parte da própria motivação de jovens estudantes se organizarem em autoformação. [ver descrição em anexo]

Complementarmente, neste ano lectivo de 2009-2010, estamos a realizar o projecto Andorinha – Promoção da Língua Portuguesa e da Cultura em Língua Portuguesa – um intercâmbio de escolas portuguesas e escolas no sector de Canchungo, Região de Cacheu, Guiné-Bissau. Tem como objectivo a montagem de um projecto bilateral de troca de experiências e intercâmbio entre um estabelecimento de ensino de Portugal e de um congénere na Região de Cacheu (Guiné-Bissau), que poderá proporcionar múltiplas vantagens recíprocas – e despoletar diversas acções de cooperação. Com efeito, a troca de correspondência escolar entre directores, professores e alunos, certamente aumentará o domínio da escrita em Língua Portuguesa entre os guineenses e promoverá o conhecimento sobre a Guiné-Bissau entre os portugueses. [ver descrição em anexo]

Neste sentido, as iniciativas Andorinha passarão a promover o uso oral e escrito da Língua Portuguesa no quotidiano dos jovens e estudantes guineenses.

Em Canchungo e na Região de Cacheu, a designação de “Andorinha” é já sinónimo de promoção da Língua Portuguesa e da Cultura em Língua Portuguesa. O próximo passo será o da constituição de uma associação, nomeadamente a partir da organização da bankada central Andorinha, para conferir personalidade jurídica a estas iniciativas. Entretanto, solicitamos a adesão à CONGAI – Confederação das Organizações não Governamentais e Associações Intervenientes ao Sul do Rio Cacheu, o que foi prontamente aceite.

De salientar, que esta é uma iniciativa concebida e protagonizada por jovens alunos e professores guineenses, às expensas de trabalho voluntário e esforço e empenho de cada um – sem qualquer apoio de instituições responsáveis pela promoção da Língua Portuguesa...

[Para mais informações e imagens, ver www.andorinhaemcanchungo.blogspot.com]

De 20 a 25 de Abril de 2010 pretendemos comemorar o segundo aniversário do surgimento das iniciativas Andorinha, com a realização de um conjunto de eventos, onde se destaca a 2.ª Feira do Livro, a 2.ª Festa Andorinha e uma sessão de vídeo sobre a Revolução dos Cravos em Portugal.

Na esperança que estas iniciativas possam ser valorizadas e ficando ao dispôr para qualquer esclarecimento que acharem conveniente, apresentamos os nossos melhores cumprimentos

Marcolino Elias Vasconcelos – 00 245 6625332

António Alberto Alves – 00 245 6726963

Eduardo Gomes (Presidente das bankada Andorinha) – 00 245 6824282

Andorinha | Caixa Postal nº 1 | Canchungo | Guiné-Bissau
www.andorinhaemcanchungo.blogspot.com

 

Mamadu Lamarana Bari

<mlbarry1@gmail.com>

23 de abril de 2010 12:03

Para: Andorinha em Canchungo <andorinha.em.canchungo@gmail.com>

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Prezados Eduardo Gomes, Antonio Alberto e Marcolino Elias
MD. Dirigentes do Projeto ANDORINHA

Apraz-me comunicá-los da minha satisfação em receber essa valiosa
contribuição sobre o trabalho que estão desenvolvendo em prol do
ensino da Língua Portuguesa na Guiné. A Língua é um valioso
instrumento de comunicação entre pessoas, raças e povos. Através dela
forma-se uma Nação. Não é por acaso que o Grande Poeta da Língua
Portuguesa, Fernando Pessoa, enaltece "... a Língua é minha Pátria".
Parabéns a todos por este trabalho. Não tenham dúvida que este assunto
irá constar do próximo Editorial da Educação do Site Didinho.Org.

Um bem Haja,

Mamadu Lamarana Bari

 


[i] Malinche Laura Esquivel

 

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