EDITORIAL 2 - VICTOR GOMES PEREIRA
 

 

Victor Gomes Pereira

08.08.2012

A recente reunião do Comité África da Internacional Socialista realizada em Cabo Verde, cujo conteúdo defende cegamente a recolocação dos governantes depostos como condição ao retorno à normalidade constitucional na Guiné-Bissau, teve a decência de, pelo menos, não permitir que o presidente do PAIGC assinasse o comunicado final.

Mas nem por isso deixaremos de alertar a opinião pública de que o governo de transição continuará a ter pela frente, e por mais algum tempo, a feroz oposição da CPLP, acolitados por dirigentes angolanos, portugueses e cabo-verdianos à testa do pelotão da frente, através do insondável propósito de defender a democracia guineense.

O plano atrás do qual se resguardam estas intenções tem apenas a ver, com a tentativa do bloqueio total das nossas instituições nos areópagos internacionais, com o intuito de provocar uma outra guerra civil. Com esse fim atingido, poder-se-ia justificar a imposição do regresso à situação do status quo antes do 12 de Abril, que garantiria a continuação das traficâncias consubstanciadas, nos ainda obscuros interesses angolanos, portugueses e cabo-verdianos no País.

O esquema montado, não só teria a cobertura das excelentes relações bilaterais existentes, como também seria chapeado pela CPLP, uma comunidade apenas linguística, mas que assanhadamente se tem vindo a notabilizar-se num frenesim absurdo, extravasando os limites da sua competência, caindo até no caricato de fazer ditames nos assuntos internos guineenses.

É preciso lembrar às pessoas de que a CPLP, criada há 16 anos, infelizmente nunca passou disso, de uma Comunidade do Paleio, onde falar a língua portuguesa, ainda não passa de uma longínqua realidade, uma miragem, porque a verdade nua e crua, e é bom que seja dita, é esta: 99% dos povos integrantes desta comunidade, não falam uma língua comum, e não têm a língua portuguesa como sua primeira língua.

A CPLP que se tem empenhado de forma quase insolente, atingindo proporções a roçarem o cómico, a tentar fazer passar a ideia aos menos avisados, de que é o único com direito nesta matéria, concorrendo de forma desmesurada com a CEDEAO, que tem mandato do Conselho de Segurança das Nações Unidas, esquece-se que de forma serena, e num clima de total transparência e confiança de que plenamente usufruía, poderia também contribuir construtiva e decisivamente na solução deste problema.

Mas não. Preferiu deixar-se toldar pelas teorias astuciosas e belicistas de apenas alguns Estados, indo ao ponto de substituir-se às legítimas instituições de transição nas decisões sobre a nossa representatividade externa, como se as soluções para a Guiné-Bissau, tivessem que passar fatalmente pela injunção do retorno dos governantes expulsos.

A estratégia subjacente aos desmandos desta organização no seu afã de desorganizar os ainda frágeis pilares sob que assentam os consensos nacionais à volta das instituições de transição, passa pelos noticiários plantados nos media internacionais lusófonos, e não medem a meios para garantir que os mesmos propalem a ideia de instabilidade no nosso país.

Sejamos sinceros, apesar de não fazer escola, a ideia vai fazendo roído. E já granjeou recentemente alguma simpatia interna, através do apelo oportunista feito no mesmo sentido ao Presidente da República de Transição, pelos conhecidos profissionais da intriga da fação trotskista do PAIGC, que afinal, há ainda menos de três meses apusera a sua assinatura nos instrumentos jurídicos que materializaram as instituições de transição.

Apesar das tergiversações demonstradas por estas formações aquando das negociações para a instauração da transição, já se adivinhava este regresso expedito, porque infelizmente a base da teoria conspirativa que os anima, não pôde deixar de estar aliada à estapafúrdia e contraproducente ideia de voltar ao antes do 12 de Abril como solução. Esta é a consagração da cumplicidade interna da estratégia que está a ser montada externamente pela CPLP e os seus apaniguados para nos levar à guerra.

A irresponsabilidade que estas posições acarretam só encontram paralelo na alavancada birra do retorno à ordem constitucional nas pessoas que não têm agenda própria, ou que foram completamente ultrapassados pelos acontecimentos vividos nas negociações que conduziram à atual fórmula de transição.

É claro que o aliado de peso, o PAIGC, ainda está adormecido pela hipnose causada pelo golpe de Estado, e por ainda não conseguir distanciar-se da agenda pessoal do seu Presidente, em quem, e apesar de terem conseguido enfiar a “súmbia”, qual barrete, não conseguiram que vestisse a alma de um “simples africano”.

Também não é caso para admirar, porque, enquanto a formação independentista briga há anos para se reencontrar com uma verdadeira agenda nacional, lutas intestinas trocaram-lhe as voltas, e impuseram-lhe uma liderança com uma agenda neocolonial. É natural, portanto esta aparente irredutibilidade que não abona em nada uma visão correta que é necessária para esta ocasião.

Por isso, não se podia esperar que o PAIGC reagisse à altura das suas responsabilidades aos acontecimentos supervenientes a este levantamento militar. Mas nem por isso, ficará ilibado das responsabilidades históricas de não ter tomado as rédeas deste processo para conduzi-lo como seria mais indicado, e como foi proposto pelas instâncias regionais encarregues pelo Conselho de Segurança de mediar este imbróglio. Acontece, porém, que o timming peca por ser tardio. O povo e o país não podem andar a reboque dos caprichos calculistas de políticos que se deixaram ultrapassar pelos acontecimentos e que andam a brincar aos governos.

Em vez disso, fiel à sua veia conspirativa, e igual a si mesmo, o PAIGC não se coibiu de se furtar num primeiro momento, para depois, através de delegados e aliados de circunstância, manifestar, ainda que de forma sibilina, as suas verdadeiras intenções, para, num registo estratégico digno do embuste em que se embrenhou, destruir tudo o que foi acordado e instituído, para instalar o antes do 12 de Abril, ainda que isso possa desembocar uma crise que viesse a desencadear um conflito armado.

Na realidade, o que em desespero de causa propugna a CPLP e companhia, nas suas pretensas intenções de restauração da democracia na Guiné-Bissau, é substituir-se à força de intervenção da CEDEAO, trazendo uma outra força que servisse à medida, os interesses angolanos, portugueses e cabo-verdianos através do seu procônsul.

Infelizmente, essa fórmula já foi experimentada, e deu no que deu. E a prova disso é o dia 29 de Março último, o dia em que o general António Indjai, ao sentir-se ameaçado pela missão militar angolana, e em jeito de grito de socorro sugeriu ao Presidente interino que convocasse uma reunião, onde, depois de desmontar o estratagema angolano, anunciou as suas pretensões para a resolução pacífica do problema.

Diante de uma assembleia repleta de ilustres representantes das nossas soberanas instituições, onde a única intervenção do primeiro-ministro pontuou pela ausência de autoridade, e pela afirmação irresponsável e desastrosa, de que o problema seria resolvido volvido dias por emissários enviados pelo presidente angolano, o CEMGFA não teve outra alternativa senão pré-anunciar o golpe de Estado.

Com este mote, tornava-se cristalina, de que a missão militar angolana não estava cá para servir os interesses da reforma das nossas forças de segurança e de defesa, o que aliás foi plenamente ilustrado pelo poderio militar anunciado e ostentado aquando da sua retirada.

E hoje, notícias fidedignas confirmam, um plano urdido pelas autoridades depostas conjuntamente com as forças angolanas que se preparavam, para neutralizar as nossas forças armadas através de um esquema de invasão orientado a partir de Conakri, que numa réplica da “baía dos porcos”, poderia vir a tornar-se num atoleiro para as tropas de José Eduardo dos Santos.

E também afinal todo o material bélico apresentado pelos angolanos para formação das forças de defesa e segurança guineenses, foi adquirido na África do Sul pelo ex-primeiro-ministro. Afinal o golpe de Estado não passou de contra-golpe.

O pano de fundo que serviu toda esta situação foi amplamente repertoriada através de um documento fundamentado e entregue no verão de 2011, muito antes do Golpe de Estado pelo Coletivo da Oposição Democrática guineense num encontro mantido em Lisboa entre um grupo de opositores mandatado para o efeito e o Secretário-geral do Partido Social Democrata no poder.

Apesar dos esforços empreendidos pela oposição democrática guineense, percebe-se agora o silêncio ensurdecedor do presidente da República e do primeiro-ministro portugueses, que sempre se pronunciaram de forma lacónica nesta matéria, limitando-se na maior parte das vezes em declarações evasivas de princípio, para não pôr em risco a aliança do fio da navalha em que se encontra a frágil coligação com o CDS que neste momento governa um Portugal a braços em crescendo, com um enorme endividamento externo.

O que também se percebe através das aleivosias de Paulo Portas nas suas falácias patéticas contra a Guiné-Bissau. A tal ponto que não consegue disfarçar o velho desiderato de algum sector político-militar luso desejoso de um ajuste de contas com os movimentos emancipalistas das ex-colónias, com particular destaque para a Guiné-Bissau – pedra de toque para o desabamento do Portugal, de Minho a Timor.

Estratégia, aliás, experimentada pelos vários governos portugueses para fragilizar ainda mais os alicerces do Estado guineense, desde que infelizmente, os mesmos começaram a desabar com a guerra do 7 de Junho de 98. Segundo uma deputada portuguesa junto ao parlamento europeu, a estocada fatal teria sido dada com a contribuição de 700.000 Euros, para compra ilegal de armamento destinado a financiar a manutenção do regime corrupto deposto, não fosse este golpe de Estado acontecer.

A recente declaração da Secretária de Estado norte-americana em Dacar sobre um alegado aumento de tráfico de droga e de um decréscimo do ritmo da nossa economia são indiciativos do clima de hesitações que paira sobre uma certa comunidade internacional na gestão da solução guineense. O que também pode significar uma tentativa de assimilar a questão da instabilidade a uma estratégia que justifique uma intervenção mais abrangente e mais ao gosto das pretensões da CPLP.  

A propósito do acréscimo e do consumo de tráfico de droga. Três observações se me afiguram pertinentes:

Em lugar de estarem por aí a apontar sistematicamente o dedo à Guiné-Bissau vejam em primeiro lugar para os vossos umbigos. E a este propósito as evidências são flagrantes. Por exemplo, quem atravessa a Rua Augusta, em Lisboa, é abordado com todo o descaramento, e com a polícia a fechar os olhos, pelos ciganos ali instalados, que fazem livremente desse lugar o seu entreposto de comércio da droga;

Também há países que apontam o dedo com severidade à Guiné-Bissau sobre a questão do tráfico de droga, quando os mesmos têm vizinhos que são potências em matéria do tráfico, e a realidade intramuros não é a mais desejável, quando se vê confrontada com a sua juventude a degradar-se por força de tamanho consumo.

E o Norte de Portugal que vem sendo frequentemente apontado como um grande centro de branqueamento de capitais provenientes do tráfico de droga da Galiza na vizinha Espanha.

A droga que pode passar pela Guiné não depende da nossa vontade, mas sim das nossas fragilidades fronteiriças. O grande problema reside na existência de um mercado consumidor que o absorve completamente, e que por acaso se situa no hemisfério norte do planeta Terra.

Até daqui a quinze dias.

Muito Obrigado

Bissau, 8 de Agosto de 2012

Victor Gomes Pereira

 

"EDITORIAL" - VICTOR GOMES PEREIRA  29.07.2012

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