EDITORIAL 10 - VICTOR GOMES PEREIRA


 

Eu acho que!

A propósito do tráfico de estupefacientes

Victor Gomes Pereira

22.11.2012

A nocividade das drogas é indiscutível, e a necessidade do combate aos narcotraficantes não pode estar e nem deverá estar em causa. Igualmente não existem dúvidas em como um Estado isoladamente não consegue combater o tráfico de estupefacientes. Assim, a colaboração revela-se necessária, sobretudo quando se trata de um Estado com enormes carências, que não dispõe de meios para fazer face às operações cada vez mais sofisticadas dos traficantes de droga.

Estes têm-se dotado de meios tecnológicos que mesmo os Estados mais desenvolvidos dificilmente conseguem acompanhar. Portanto, só a mobilização de meios humanos e materiais substanciais poderá permitir a Estados como a Guiné-Bissau fazer face à utilização do seu território terrestre e marítimo para operações de passagem da droga para mercados de consumo, ou seja para a Europa e a América do Norte.

Ora, não existindo programas adequados de apoio na implementação do programa nacional de combate ao narcotráfico, muito dificilmente se pode esperar avanços significativos no combate ao flagelo. O nosso Estado com parcos meios ao seu dispor, tem feito o possível, embora se lhe deva reconhecer limites, porque os parceiros do país cortaram apoios e colaboração às autoridades nacionais de combate ao tráfico de drogas, particularmente à nossa polícia judiciária.

A Guiné-Bissau não produz nem consome droga. Neste último caso, uma população que supostamente vive com menos de um dólar por dia, naturalmente não tem rendimento suficiente para adquirir drogas. Não sendo consumidor nem produtor, só aparece metido no assunto da droga por causa da utilização do seu território para operações de tráfico.

Ora aqueles que utilizam o território nacional para esse fim provêm do continente americano ou europeu, e servem-se do território guineense para introduzir a droga nos países de origem. Se esses traficantes não são identificados nos territórios de origem da produção, nem nos de destino onde é consumido, como poderia a Guiné-Bissau identificá-los no seu território se não tem apoios, e nem recebe informações sobre a atividade dos narcotraficantes.

No meio disso tudo, é de suspeitar que alguém queira distrair a opinião pública sobre a atividade dos narcotraficantes, e sobre os seus verdadeiros colaboradores. Há pessoas que se escudam nas suas qualidades de funcionários internacionais para fazer centrar a atenção do mundo sobre um país que é apenas vítima do tráfico.

Ademais, dirigentes de alguns países procuram também desviar a atenção do mundo sobre as atividades de tráfico nos seus territórios, quer em termos de consumo, quer em termos produção, para centrá-la na Guiné-Bissau.

Por isso acho que devemos estar todos determinados em continuar a fazer o que está ao nosso alcance, e aberto a discutir programas e formas de combate à droga com quem está interessado em trabalhar de forma séria, não nos coibindo de denunciar aqueles que, para fins particulares, tentam manipular a opinião pública nacional e internacional, associando abusivamente o nome do nosso país ao fenómeno.

Por outro lado, desafiamos os autores de declarações sobre a intensificação do tráfico de drogas no país, a também apresentar provas da sua colaboração com as autoridades no sentido de identificar e travar operações de narcotráfico em território nacional.

A Guiné-Bissau é um Estado soberano. A sua independência foi conquistada à custa de muito sacrifício, forjada numa luta de independência exemplar. Tem um passado histórico glorioso de que se orgulha. A sua situação atual, apesar de indesejável, em nenhum momento vai conduzir os guineenses a perderem a confiança em si mesmos. Nenhum Estado se estabilizou de um dia para o outro.

Nenhum outro Estado que fez o mesmo percurso que a Guiné-Bissau se estabilizou facilmente. Outros países precisaram de guerras civis de longos anos para se reencontrar com o caminho da paz e da estabilidade, e mesmo assim ainda não se consolidaram na íntegra.

Não é segredo para ninguém que o país tem problemas, alguns deles graves por resolver. Carrega a responsabilidade da luta pela sua independência e a de Cabo Verde. Com os seus parcos recursos, assume os encargos da maior parte dos antigos combatentes desses dois países, incluindo ainda combatentes que lutaram também para a libertação e estabilização de outras duas gigantescas ex-colónias do jugo colonial português - Angola e Moçambique.  

Portanto, a dimensão histórica da Guiné-Bissau ultrapassa as suas fronteiras, por isso carrega fardos seus e dos outros também. Hoje é fácil, e a mesquinhez presta-se a que se tente escamotear a verdade histórica do envolvimento dos combatentes guineenses da liberdade da pátria, nos teatros de guerra da maior parte dos PALOP, em nome da solidariedade internacionalista na luta contra o inimigo comum, que constituía o serôdio colonialismo português.

Por outro lado, o país carrega ainda o peso de um passado de 500 anos de administração militar implantada por um colonialismo feroz que deixou marcas indeléveis na sua história, marcado sobretudo pela militarização do poder e por um cavado analfabetismo mantido e fomentado.

Não obstante as vicissitudes, o guineense não se vai resignar. A Guiné-Bissau não é o único país do mundo com problemas. Cada país tem os seus problemas, sejam mais ou menos graves, mas todos têm problemas. Mas daí a aceitarmos a colocação do país em regime de tutela – NUNCA.

A nossa história e o nosso percurso são suficientemente expressivos para não deixarmos que alguém se aproveite da nossa situação para tentar colocar o país sob tutela. A Guiné-Bissau não reconhece nenhuma ascendência moral a nenhum Estado sobre este aspeto. Todos os Estados, sem excepção, que clamam por soluções laboratoriais na Guiné-Bissau tiveram percursos idênticos ou piores, mas não foram colocados sob tutela de nenhum outro Estado ou organização.

Saliente-se que o Governo de Transição invoca justamente a seu favor o posicionamento da comunidade internacional, através da Resolução 1949 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, de 23 de Novembro de 2010, e o roteiro da União Europeia, e mais recentemente a resolução 2048 que dá poderes à CEDEAO para monitorizar uma transição pacífica.

 

O alto sentido moral que intrinsecamente envolve altos cargos de responsabilidade política não se compadece com atos de governação caracterizados por atitudes pouco escrupulosas, e a roçarem à barbárie. Por isso se entende, que o Governo de Transição tem o dever fundamental, de alinhar-se às teses de quem queira prevenir que altas instituições do Estado adulterem o sentido do voto popular, ao exercerem o poder legitimamente conquistado nas urnas contra os interesses fundamentais do povo que é suposto servir.

A situação atual e o percurso feito nestes escassos meses de transição são encorajadores para o futuro do país, e são o prelúdio de que é possível gerir um processo de transição tranquilo.

Porém não é conveniente desiludirmo-nos, porque existem riscos. E deve-se entender por riscos, a estratégia diabólica promovida pela CPLP, com Portugal, Angola e Cabo Verde num papel mais incisivo, alternando-se com os governantes depostos, através de uma poderosa máquina de propaganda comunicacional que diariamente se manifesta nos órgãos de comunicação social, tanto internos, como internacionais.

Não satisfeitos com os conteúdos de estímulo ao ódio entre os guineenses diariamente plantados na imprensa pela RTP e RDP, que não estão a dar os seus frutos, a CPLP e os seus acólitos, resolveram complementar essa maléfica estratégia com o apoio a ações militares de desestabilização em solo guineense, com a cumplicidade de países bem referenciados, como foi o caso da frustrada tentativa do assalto que se produziu a 21 de Outubro último.

Naturalmente que a ninguém passa despercebido que o grande objetivo destas ações visa apenas forçar a descredibilização das autoridades de transição, para que um processo negocial de inclusão imponha o retorno à ordem constitucional existente antes da insurreição de 12 de Abril.

Aliás, também não é estranha que na mesma linha se inspire a União Europeia, que por pressão de Portugal, como se a Guiné-Bissau ainda fosse sua coutada, ainda exige a todo custo, mesmo que para isso o país entre em colapso, a realização da segunda volta das eleições presidenciais, ao mesmo tempo que amiúde, vá alegando, sem fundamentos aceitáveis, que o nosso país alberga e patrocina, tráfico de estupefacientes.

A União Europeia esquece-se deliberadamente de explicar ao mundo que ao albergar na sua representação local em Bissau, personalidades em fuga, alegadamente envolvidas em atividades criminosas, e que depois de apoiar e proteger as suas evasões para fora do país, os mesmos regressam para semear o pânico através de ações terroristas, como foi o caso do dia 21 de Outubro. Sublinhe-se que a União Europeia ainda persiste nessa prática, porque se encontram entrincheirados nas suas instalações locais, um número indeterminado de personalidades alegadamente implicadas em ações de sabotagens e terrorismo.

Qual é a moral desta União Europeia que ao não outorgar um agrément de exportação para os mercados europeus dos nossos produtos haliêuticos, ainda assim permite que navios seus de pesca nas nossas águas territoriais exportem, do alto mar, produtos marinhos nacionais com o rótulo made in europa.

Para complicar ainda mais esta onda de tentativas de destabilização contra o nosso país, ainda no final da semana passada, à noite, foram surpreendidos elementos armados com pistolas-metralhadoras numa atitude suspeita à volta do quartel da Amura. Imagine-se que depois de apuramento de informações preliminares, alegadamente os indivíduos em causa, além de estarem na posse de, nada mais, nada menos do que 12.000 munições, ainda pertencem ao corpo de guarda-costas do senhor Mutaboba, o representante especial do secretário-geral das Nações Unidas, que em boa hora já não goza da confiança das novas autoridades, e por isso mesmo já foi pedida a sua substituição.     

É nesta ordem de ideias que o país está determinado em trabalhar com a CEDEAO e com os parceiros verdadeiramente interessados em colaborar, para que a esta transição seja um sucesso. As dificuldades existem, mas não há nada que não seja transponível.

O país tem uma tradição secular de resistência, e não deixará de se inspirar nela para ir buscar forças para enfrentar os desafios que se lhe colocam, e ser capaz de encontrar soluções internas duradouras. É nesse sentido que todos devemos trabalhar com este governo, de forma a federar todos os filhos e amigos da Guiné-Bissau que com ele queiram cooperar.

Depois de mais cinco meses de governação, certamente, países há que se desiludiram, e desiludiram, porque pensavam e esperavam que o país fosse transformar-se em cinzas. Porém a realidade mostra o contrário – há paz, e há segurança. Enfim, a vida continuou depois do golpe, e o país também com todos seus filhos.

Muito obrigado!

Até daqui a quinze dias.

Bissau, 22 de Novembro de 2012

Victor Pereira

Jornalista

 

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