Prof. Joaquim Tavares

J.TAVARES, MD, FCCP, FAASM

joaquim.tavares15@gmail.com

21.05.2010

DIABETES

 

Nota: para os valores da glucose, lípidos, vou usar o sistema americano (mg/dL); em muitos países, usam mg/L ou outras combinações. Para a pressão arterial, também uso o sistema americano: mm/Hg (ex: 130/70 o que equivale, noutros sistemas, a 13/7).

Em conversas com amigos e colegas médicos na Guiné e Diáspora, fiquei com alguma ideia da relativamente alta prevalência da Diabetes na Nossa Terra. São muitas as razões para este facto: aumento da obesidade, falta de exercício físico (caminhar, correr, etc.) e dieta com muito açúcar, gorduras, etc.

Por isso, achei oportuno fazer um resumo sobre o diagnóstico, tratamento e complicações da Diabetes, na esperança de que alguns colegas médicos na Guiné possam acrescentar algo, relatando as suas experiências no tratamento de Guineenses com Diabetes.

Para este trabalho, vou utilizar o MKSAP (programa de auto-avaliação de conhecimento médico -Medical knowledge Self-Assessment Program), que é o program que 99% dos médicos americanos usam na preparação para o exame de Medicina Interna.

DIAGNÓSTICO E CLASSIFICAÇÃO DA DIABETES MELLITUS

 

A Diabetes é uma doença metabólica crónica que se caracteriza pela elevação do nível de glucose (açúcar) no sangue, resultante de uma produção inadequada de Insulina ou acção inadequada da insulina.

A Insulina estimula a captura de glucose (açúcar) pelos tecidos periféricos, como os músculos e também suprime a produção de glucose (principalmente pelo fígado).

Outra das acções da Insulina, é a de prevenir a degradação de lípidos (gordura) nos adipocitos (células produtoras de gorduras) e prevenir a degradação muscular (proteolisis).

Face ao exposto, os leitores podem chegar à conclusão de que: demasiada insulina não é bom para o sistema e escassez de insulina também é muito mau: como tudo na vida, tem que haver equilíbrio.

As duas principais formas de Diabetes são:

a) Tipo 1: diagnosticado muito cedo na vida e geralmente resulta da destruição das células Beta do pâncreas (pode ser Auto-imune -1A ou idiopática-1B). Afecta mais crianças não obesas, adolescentes e pré-adultos. Os sintomas são de: fadiga, poliuria (grande volume de urina), polidipsia (ingestão de excessiva quantidade de água), visão nublada, perda de peso e desidratação.

b) Tipo 2: forma mais comum! Resulta da resistência à acção da insulina e em parte da deficiência relativa da insulina. Constitui 90 a 95% de todas as formas da diabetes a nível global. Geralmente afecta pessoas com mais de 40 anos de idade, e na maioria dos casos, obesas.

Pacientes com diabetes tipo 2 têm outras características específicas e que chamamos de Síndroma Metabólico:

1 - Obesidade abdominal (circunferência da cintura mais de 102 cm no homem e mais de 88 cm na mulher).

2 -Triglicéridos mais de 150 mg/dL.

3 - HDL colesterol menos de 40 mg/dL no homem e menos de 50 mg/dL na mulher.

4 - Pressão arterial sistólica mais de 13 (130 no sistema americano) e diastólica mais de 8.5(85 no sistema americano).

Outras formas não tão comuns de diabetes, são:

c) - Diabetes gestacional: semelhante ao tipo 2

d) - Outros tipos relacionados com infeções, corticosteroides, sindromas genéticos, etc.

 

Critérios para Diagnóstico da Diabetes e Pré-diabetes

 

Normal: Glucose em Jejum menos de 100 mg/dL ou 2 horas depois da ingestão de 75 gramas de glucose e menos de 140 mg/dL.

Pré-diabetes: (metabolismo deficiente da glucose):Glucose em Jejum entre 100-125mg/dL; ou 2 horas depois da ingestão de 75 gramas de glucose, entre 140-199 mg/dL.

Diabetes: Glucose em jejum igual ou mais de 126 mg/dL; Glucose a qualquer hora (random) igual ou mais de 200 mg/dL (com sintomas); ou 2 horas depois da ingestão de 75 gramas, igual ou mais de 200mg/dL.

Outra análise sanguínea muito importante no tratamento da Diabetes é a Hemoglobina Glicosilada (HhA1C) que reflecte o valor da glucose num período de 3 meses (para mim, é como um detector de mentiras: alguns doentes não seguem a dieta e medicamentos que recomendamos e só 3 a 5 dias antes de virem ao consultório, começam a tomar os medicamentos e seguir uma dieta rigorosa; quando medimos a glucose, está normal, mas a HbA1c está elevada! Apanhado com” a boca na botija”.

O valor normal da HbA1c é geralmente entre 4% a 6%.

 

Critérios para o diagnÓstico dA Diabetes Gestacional

 

Deve ser feito de manhã, depois de 8 a 14 horas de jejum à noite e nos 3 dias antecedendo o teste, nenhuma restrição na dieta. 

Passo 1: Ingestão de 50 gramas de glucose 

Glucose depois de 1 hora: se for mais de 140 mg/dl, seguir em frente para o passo 2.

 

Passo 2: Ingestão de 100 gramas de glucose

Glucose basal: 95mg/dL

1 hora: 180mg/dL

2 horas: 155mg/dL

3 horas: 140mg/dL

O diagnóstico é feito se 2 ou mais dos 4 valores (basal, 1, 2, 3 horas ) forem positivos.

Embora não haja evidência na literatura a mostrar benefícios  em fazer análises em massa para saber quem tem diabetes, algumas sociedades médicas publicam recomendações nesse sentido:

Aqui vão as recomendações da Sociedade Americana de Diabetes:

1- Considerar  exame de Glucose sanguínea a cada 3 anos em indivíduos com mais de 45 anos de idade.

2 - Considerar o mesmo exame em indivíduos com menos de 45 anos se tiverem um BMI (índice de massa corporal) mais de 25 (a maioria das calculadoras ou dicionários indicam fórmulas ou cálculos do BMI quando temos o peso e a altura) e os factores de risco abaixo mencionados:

a - Inactividade física;

b - Familiares de primeiro grau com diabetes;

c - História de diabetes gestacional ou quem teve um bebé com mais de 4.1 quilos;

d - Hipertensão (mais de 14/9);

e - HDL colesterol (o” bom” colesterol”) menos de 35 mg/dL;

f - Triglicéridos mais de 250 mg/dl;

g - Sindrome de ovário policístico (polycystic ovarian syndrome - PCS);

h - Acanthosis nigricans (hiperpigmentação localizada - mais no pescoço);

i - História de doença vascular.

 

TRATAMENTO DA DIABETES MELLITUS

 

Como para qualquer programa de tratamento, temos que ter objectivos que nos dizem que o médico e o paciente estão no bom caminho. O mesmo é verdadeiro para a Diabetes. Quais os objectivos (Targets para pessoas não grávidas)?

1 - Hemoglobina glicolisada(HbA1C) menos de 7%

2 - Glucose sanguínea antes de comer: entre 70 a 130mg/dL

3 - Glucose sanguínea depois de comer: menos de 180mg/dL

4 - Pressao arterial: menos de 130/80

5 - LDL-colesterol:menos de 100mg/dL (para doentes cardiovasculares: menos de 70mg/dL)

6 - HDL colesterol: mais de 40 mg/dL no homem, mais de 50 mg/dL na mulher

7 -Trigliceridos:menos de 150mg/dL

 

Educação e auto tratamento da Diabetes

A parte mais crítica e importante no sucesso do tratamento da Diabetes: um profissional de saúde (enfermeira, médica, técnico de diabetes, nutricionista) que desenha uma estratégia própria para cada doente e um doente com vontade de controlar a diabetes.

 

Agentes orais para o tratamento da Diabetes: Hoje em dia há dezenas de produtos orais para o tratamento da Diabetes e médicos/doentes têm muito por onde escolher; muitas vezes, fazemos a escolha errada.

Antes de falar da estratégia recomendada pela Sociedade Americana de Diabetes, vou mencionar os vários tipos de agentes orais e tipos de insulina ao dispor dos médicos e utentes aqui nos Estados Unidos.

 

Orais:

1 - SULFONILUREIAS (gliburide, glipizida, glimepiride);

2 - Glinidas (repaglinide, nateglinide);

3 - Biguanidinas (Metformina);

4 - Inibitores da alfa glucosidase (acarbose, miglitol);

5 - Tiazolidinedionas (rosiglitazona, pioglitazona);

6 - Amilinomimeticos (pramlintide);

7 - Moduladores da incretina (GLP-1 miméticos, exenatida);

8 - DPP-IV inibidores (sitagliptina);

9 - Sequestradores do ácidos biliares (colesevelam).

 

Tipos de Insulina

1 - Acção ultra rápida (lispro, aspartato, glulisina) - actua em 10-15minutos e fica no sistema até 3 - 5 horas;

2 - Acção rápida (regular) - actua em 30 minutos e fica no sistema até 4 - 8 horas;

3 - Acção intermédia (NPH) - actua em 1-3 horas e fica no sistema ate 10-18 horas;

4 - Acção lenta (glargina, detemir) - actuam em 2 - 3 horas e ficam no sistema por 24 horas;

5 - Misturas (exemplo: 70% NPH/30% regular) - actua em 30 minutos e fica no sistema por 10 - 18 horas.

 

Estratégia de Tratamento

 

 Validação bem documentada

Passo 1: diagnóstico de Diabetes [modificação do estilo de vida (dieta, evitar álcool, exercício, etc.) e metformina]

Passo 2: se a Diabetes não for controlada com o Passo 1, temos 2 opções:

Opção 1: Modificação do estilo de vida+Metformina+Insulina basal (1 injecção de garglina à noite  ou detemir - acção lenta)

Opção 2: Modificação do estilo de vida+Metformina+Sulfonilureia (glipizida, glimepirida; evitar gliburida);

Passo 3: se a Diabetes ainda não for controlada com o Passo 2:

Modificação do estilo de vida+Metformina+tratamento Intensivo com Insulina (3 a 4 injecções de insulina por dia.

COMPLICAÇÕES DA DIABETES

 

Aqui vamos falar só das complicações crónicas da Diabetes, do seu tratamento e não das complicações agudas que resultam na admissão nas unidades de cuidados intensivos(Ketoacidosis diabética, sindroma hiperosmolar hiperglicémico e hipoglicemia grave).

 

a - Retinopatia diabética

A maioria dos casos de cegueira “legal” nos Estados Unidos é devida à retinopatia diabética. É caracterizada por microaneurismas, hemorragias,”manchas em algodão (infartes da retina),proliferação de vasos sanguíneos anormais.

Se o edema macular ou retinopatia proliferativa estiverem presentes, recomenda-se tratamento com fotocoagulação (laser).

Em alguns casos, pode-se tentar um inibidor da proteína kinase C (ruboxistaurina).

Mas o melhor tratamento é um controle rigoroso do açúcar (glucose), dos lípidos e da pressão arterial.

 

b - Nefropatia diabética (rins)

Recomenda-se monitorização anual da albumina urinária e da creatinina sanguínea.

Controle agressivo da pressão arterial com um agente inibidor da enzima da angiotensin de conversão (ACE inibitor) ou bloqueadores dos receptores da Angiotensina – II (ARB’s) retarda a progressão da deterioração da função renal.

Mesmo para indivíduos sem pressão alta, se tiverem albumina  na urina, o uso do ACE inibitor ou do ARB pode retardar a deterioração da função renal.

 

c - Neuropatia diabética

Implica o envolvimento da parte sensorial (perda de sensação, dores, radiculopatias da coluna), motora e autonómica (impotência no homem, gastroparesis -“estômago preguiçoso -,”bexiga preguiçosa”.

Não há medicamentos específicos para tratar a neuropatia diabética, excepto o controle rigoroso do nível de glucose no sangue. Em alguns casos, pode-se tentar antidepressivos(amitriptilina), medicamentos usados para epilepsia (gabapentina,fenitoina ou carbamazepina).

 

d - O Pé Diabético (diabetic foot)

O profissional de saúde deve examinar os pés de todos os pacientes com diabetes, por causa da alta frequência de úlcera, infecção e ultimamente, amputação. Visita anual com o Podiatra para exame dos pés.

 

Espero que esta pequena exposição tenha ajudado e convido os médicos na Guiné a compartilharem as suas experiências no tratamento de Diabéticos e dificuldades enfrentadas na obtenção de medicamentos, aparelhos de monitorização, etc.

Para que o controle da Diabetes tenha sucesso num país como a Guiné, é preciso uma grande ajuda por parte do aparelho estatal, não só na importação/por que não produção de medicamentos, mas também na legislação (fazer com que  empresas/empresários paguem pelo seguro médico ou tenham centros de saúde nas empresas). SEM SAÚDE, A PRODUTIVIDADE SOFRE!

 

Peço a vossa atenção para a próxima edição “Biografia de Médicos Guineenses” na qual falarei do nosso colega médico a trabalhar na Guiné, com sacrifício, mas com sucesso, devido à sua perseverança: Dr. Elísio Bento de Carvalho.

 

Obrigado! Thanks! Gracias! Merci! Grazie! Danke! Arigato! Spasibo! Xie xie!

PROJECTO GUINÉ-BISSAU: CONTRIBUTO - LOGOTIPO

VAMOS CONTINUAR A TRABALHAR!

Associação Guiné-Bissau CONTRIBUTO

associacaocontributo@gmail.com

www.didinho.org