Desta vez chegaremos ao final do ciclo democrático?

(Ponto de Vista)

 

“Quando o machado entrou na floresta, as arvores lamentaram. Ah! É um dos nossos”.

 

Sabedoria popular

 

 

Por: Rui Jorge  da Conceição Gomes Semedo *

 

rjogos18@yahoo.com.br

 

30.07.2009

 

Rui Jorge Semedo

 

Mais uma vez, a eleição do passado 26 de julho como as anteriores, igualmente ganhou o selo de reconhecimento da comunidade internacional dado o tradicional caráter cívico que os atores da democracia na Guiné: partidos políticos, candidatos aos cargos e eleitores, sempre demonstraram nos processos eleitorais (de campanha a escrutínio). Aliás, o fato importante a se registar nesse pleito é o pronto reconhecimento dos resultados tanto na primeira volta quanto na segunda por parte dos principais candidatos. Na primeira volta o candidato derrotado Henrique Rosa deu lição de que ele é democrata de alto nível, e antes da divulgação oficial, reconheceu que os resultados alcançados lhe colocavam fora da disputa à Presidência da República e agradeceu seus eleitores pela confiança e felicitou os adversários que transitaram a fase seguinte. Foi inédito o referido comportamento, pois, pelo histórico das eleições no País, nenhum potencial vencedor teve até então a ousadia e o “Fair Play” democrático para reconhecer os resultados. E agora na segunda volta voltou-se a repetir o fato e o imprevisível Koumba Ialá de imediato assumiu democraticamente a vitória de seu adversário político, Malam Bacai Sanhá. Ou seja, antes da divulgação oficial do resultado definitivo pela Comissão Nacional das Eleições (CNE). Isso é a democracia, isso é a maturidade política e comportamento que precisamos para edificar nossas instituições que hoje estão arruinadas pelo vandalismo político-militar.  

Quando todos assumem compromisso com as regras do jogo democrático, ninguém perde nada e o País sai a ganhar. Não existem dúvidas de que o objetivo de todos os candidatos seja os menos fortes ou os mais fortes é lutar por uma Guiné-Bissau com capacidades para responder aos desafios do desenvolvimento. Obviamente que entre os concorrentes ao cargo de presidente da República um apenas pode ser selecionado para no período de cinco anos servir como moderador das instituições democráticas nas suas constantes lutas para aperfeiçoar e servir a sociedade da melhor maneira possível. Aqueles que não foram selecionados pelo povo, também devem indiretamente continuar a participar positivamente, usando suas influências internas e externas para captar mecanismos necessários e ajudar a desenvolver o País. Nenhum país consegue encontrar saída para seus problemas sem parcerias entre suas elites, seja ela, política, intelectual, econômica, militar e outros grupos sociais. Só a partir da parceria interna é que vamos nos organizar para construir a imagem externa e poder atrair o investimento e, consequentemente, o desenvolvimento e o bem-estar dos cidadãos.

Tem que existir o comprometimento com a continuidade do processo eleitoral por parte dos principais atores políticos, pois a eleição é apenas o começo de um ciclo que termina com a realização da outra, sendo que devem ser respeitados rigorosamente os preceitos que garantem a ordem e estabilidade. Senão, não vale a pena a eleição ser justa, livre e transparente, seis meses ou um ano depois derrubar os eleitos por meios violentos que são contrários aos interesses da nação. Com a divulgação oficial provisória dos resultados pela CNE que colocou Malam Bacai Sanhá como vencedor com 63,31% dos votos contra 36, 69% de Koumba Ialá se cumpriu apenas a parte menos difícil do processo. Agora será iniciada a mais complexa e longa fase que exige uma grande capacidade de articulação política. E esse papel cabe, principalmente, ao presidente da República, Executivo na pessoa do primeiro-ministro, Legislativo e Judiciário, que em conjunto devem criar o equilíbrio necessário à governabilidade. Cada um tem que assumir com responsabilidade o compromisso com todas as instituições do País. Principalmente, com as Forças Armadas precisa-se estabelecer uma política clara e concreta, que não só deve estabelecer regras, como também indicar caminhos para a sua renovação e comprometimento com a defesa e paz nacional. Até hoje apenas brincamos em conivência com a União Européia (UE), as Nações Unidas (ONU), Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa (CPLP) e Comunidade dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) de fazer reforma na instituição militar, por isso, sucede-se constantemente atentados à democracia. No entanto, o presidente Malam Bacai Sanhá precisa, por um lado, sentar-se com o chefe do Estado-Maior que ele vai escolher, para definir o que tem que ser feito nos próximos cinco anos no setor. E esse diálogo deve ser amplo na instituição militar (de oficiais a soldados), porque acredito que tal como a classe política, os militares também ainda não conseguem entender os benefícios de submissão ao poder constitucional civil. Por outro, apresentar plano concreto do que precisa ser feito a curto e médio prazo aos referidos parceiros multilaterais supracitados, e exigir uma colaboração séria e honesta que os guineenses merecem.      

Penso que é hora de concluirmos de que não é apenas a realização de eleições que vai resolver nossos problemas, tanto que já realizamos mais do que deveríamos em pouco tempo sem atingir o propósito desejável, porém, é necessário associar eleições a mudança de postura e mentalidade como homens públicos. Os recursos que nos últimos anos foram desnecessariamente gastos com realizações de eleições antecipadas poderiam ser aplicados na reestruturação do sistema de ensino, na melhoria da rede pública de saúde e saneamento básico e na segurança pública. Nos últimos tempos inúmeras pessoas foram assassinadas e outras espancadas na rua ou no interior da própria residência por homens mascarados e com fardas militares, supostamente, a mando do poder. Ou seja, a impressão que se tem é a de que hoje na Guiné-Bissau o estado de insegurança é generalizado, e a vida do cidadão está ameaçada não importa o lugar onde estiver. Pior é que todos são alvos da violência institucional, do presidente da República ao cidadão comum, muito embora, ainda se finja não perceber a gravidade da situação criada pelo excesso obsessivo pelo poder e suas mordomias.  

Outra coisa que se espera do presidente eleito Malam Bacai é a sintonia com o Executivo, visto que existe uma fingida boa relação entre os dois líderes. Implicitamente percebe-se a hipocrisia que reina, basta observar a imagem quando o primeiro-ministro, Cadogo Jr., se dirigiu à residência do presidente Malam Bacai para cumprimentá-lo pela vitória alcançada, além de fria a recepção, as faces dos dois expressavam serenidades que por si só falam. Isso é na verdade grande defeito de nossos políticos, eles confundem adversário político com inimigo. Pois, na democracia não existe inimigo, mas adversários que procuram nas suas diferenças ideológicas soluções para os problemas que a política impõe. E o País já perdeu bastante tempo com atitudes infantis dos responsáveis políticos que sempre procuram sustentar seus séquitos de bajuladores com atitudes inadequadas ao princípio democrático. Como se costuma dizer: os homens brigam, mas as instituições fazem parcerias para crescer, e é disso que a Guiné-Bissau precisa e espera do presidente eleito e do primeiro-ministro.  

 

* Cientista Político, São Carlos - SP, Brasil


ESPAÇO PARA COMENTÁRIOS AOS DIVERSOS ARTIGOS DO NÔ DJUNTA MON -- PARTICIPE!

PROJECTO GUINÉ-BISSAU: CONTRIBUTO - LOGOTIPO

VAMOS CONTINUAR A TRABALHAR!

Projecto Guiné-Bissau: CONTRIBUTO

www.didinho.org