Consciência Nacional ou Alienação Nacional?

(Ponto de Vista)

 

 

 

 

 

Por: Rui Jorge  da Conceição Gomes Semedo *

 

rjogos18@yahoo.com.br

Rui Jorge Semedo

03.12.2008

 

 

“Sempre que os militares entram na política tornam-se inevitavelmente piores do que os maus políticos”.

F. Delfim da Silva

 

Antes de abordar o tema que propus analisar, apraz-me muito rapidamente tecer comentários sobre a citação acima exposta; pois, pelo menos no caso da Guiné-Bissau, a afirmação é irrefutável – basta observar as transformações ocorridas a partir do 14 de Novembro de 1980 e outras subsequentes alterações violentas para entender a dinâmica da referida afirmação.

O contexto democrático do Estado de direito, faculta à sociedade civil o poderoso instrumento de “participação e contestação” para apoiar ou reivindicar as atitudes das instituições. Não obstante, com a recente perturbação da ordem democrática tivemos a oportunidade de ver alguns segmentos da sociedade civil a manifestar publicamente contra o vandalismo das armas e a favor da Paz. Pelas ruas da cidade, aqui e acolá, uns e outros, afirmam que a atitude da sociedade civil se deve à horrorosa experiência de Junho de 98 ou que é apenas o tradicional gesto guineense de solidarizar com a vítima. No entanto, independentemente de como cada indivíduo ou grupo vai interpretar o gesto, na nossa leitura, concluímos que, para além da sociedade civil guineense não estar mais disposta a viver sob a turbulência da violência, ela está-se a despertar para assumir o seu lugar natural que a democracia lhe reserve. Provas foram demonstradas nas urnas e devem rigorosamente ser respeitadas.

Como ainda não se tornaram públicos os factos materiais do ataque à residência do Presidente da República, General João Bernardo Vieira, a nossa leitura cingirá em alguns comportamentos que merecem ser observados. Aliás, para não ser tautológico, acho que os leitores ainda recordam do meu artigo – Fantasma da Residência Presidencial – onde procurei indicar possíveis cenários e os riscos da presença do Presidente na Rua Angola. Entretanto, após termos sido atordoados quase a madrugada inteira com os estrondos dos disparos, ao amanhecer, preocupados em saber o que se estava a passar e seus motivos, a nossa surpresa foi a “arrogante e irresponsável” declaração do Ministro da Administração Interna, Cipriano Cassamá, que afirmava mais ou menos isto: “se não soubéssemos do caso, hoje não estaríamos aqui a falar do Presidente da República”. Ou seja, o Ministro Cipriano Cassamá disse literalmente que a segurança do Estado tinha conhecimento de que ia haver assalto à residência do Presidente. O certo é que não fizeram nada para impedir que os tiros fossem travados e, muito menos, estavam preocupados com a segurança da população vizinha que corria risco de vida, caso houvesse a intensificação dos disparos de armas pesadas por mais tempo. Da parte do Chefe do Estado-Maior, General Baptista Tagme Na Waie, houve quase que “escamoteamento da verdade”, ao dizer que são grupos de bandidos. Pois bem, pelo que todos nós sabemos e observamos, nas Forças Armadas existem várias facções e a luta interna pelo controlo do poder é permanente nesta instituição. Aliás, a própria ascensão na hierarquia militar do General Na Waie é o resultado da referida disputa. Desta forma, não procede a classificação de que aqueles revoltosos são bandidos. No mínimo (caso o ocorrido não seja uma armação), o acto deve ser visto como manifestação de uma das facções, supostamente descontente com o resultado eleitoral, com pretensões de alterar o cenário político e colocar no poder alguém que lhes desperte confiança.

Neste infeliz acontecimento, um facto a que quase não foi dada a merecida importância, foi a perda de vida à paulada, do jovem Castro Mendonça, Segurança Presidencial formado na Líbia, e o ferimento com bala do Chefe da Casa Civil. O jovem Castro Mendonça foi mais um que morreu entre tantos outros, sem honra e nem glória. Quem prestou homenagem a este jovem? Ninguém! Nem na imprensa ou nas manifestações populares recebeu a merecida atenção. Ao falar deste jovem, lembro-me de outro jovem, do Pedro Morais da Costa (PM), que morreu no anonimato ainda nas primeiras horas do levantamento militar de 7 de Junho de 1998 juntamente com o Embaixador Eugénio Spain, com o capitão Rachid Saiegh e o sargento Bobo Só. Ao ser barbaramente assassinado, o jovem PM tinha deixado a namorada grávida. A criança depois nasceu “sem o direito de conhecer o pai” e, hoje aos 10 anos de idade nunca recebeu qualquer apoio por parte do Estado guineense que grosseiramente tirou a vida do seu jovem pai e o colocou na rua da amargura. E quantas outras crianças vivem desse pesadelo? Quantas famílias foram estupidamente colocadas neste eterno estado de sofrimento? Que assistência o Estado guineense tem prestado às vitimas do 7 de Junho? Todavia, sabemos que ao assumir a tutela do Ministério das Finanças, o ex-ministro Victor Mandinga pagou os prejuízos da guerra a algumas pessoas, inclusive a ele mesmo, e ao Presidente da República. Ou seja, alguns responsáveis pela guerra receberam “gratificações pela tragédia” que provocaram à sociedade! Isso é fantástico e, ao mesmo tempo triste. É triste porque estenderam a mão e receberam biliões sem ter peso na consciência do mal que fizeram.

Como mencionamos no começo, a manifestação popular que está a acontecer quase por todo o país, demonstra em certo ponto, um sinal positivo em relação à consciência da cidadania que a sociedade tem vindo a ganhar. No entanto, além da “violência armada militar”, sabemos que a nossa sociedade tem vivido permanentemente sob a “violência do magro salário, de meses de salário atrasado, da subida de preços dos géneros alimentícios, da corrupção pública dos responsáveis políticos e administrativos, da epidemia de cólera, de mulheres que ainda morrem no parto, de alta taxa mortalidade infantil, do atraso no inicio do ano escolar na rede pública, da falta de emprego, da falta de controlo sanitário dos produtos nos mercados etc., etc.”. Então, por que não uma gigantesca manifestação popular para parar o país pelo tempo que for necessário, e dizer BASTA A VIOLÊNCIA do movimento contra a Guiné-Bissau? Por que não fazer a marcha contra a incompetência governativa, contra a corrupção e contra os traidores do bem-estar dos guineenses?

Neste sentido, os movimentos sociais, entre os quais, a União Nacional dos Trabalhadores da Guiné (UNTG), Confederação de Sindicatos Independentes (CSI) e o Movimento de Sociedade Civil para Paz Democracia e Desenvolvimento (MSCPDD), precisam ser mais actuantes e, sobretudo, em defesa dos propósitos estatutários que defendem. Hoje não constitui dúvida alguma que, principalmente, a UNTG está a perder ou quase perdeu a força que tinha junto à massa trabalhadora. Sua acção em defesa dos interesses da classe trabalhadora é cada vez menos articulada, tanto do ponto de vista ideológico, quanto da estratégia funcional. Por seu torno, o MSCPDD e tantos outros que aqui não mencionamos estão a enfrentar o mesmo fracasso de não defender o papel a eles confiados. Só quando há turbulência armada ou política é que sentimos os responsáveis a emitir as famosas notas de repúdio. É verdade que precisamos dessas notas, mas, precisamos de outras atitudes mais enérgicas para fazer o poder acordar. Por que até hoje o MSCPDD e outros grupos não reagem sobre o atraso da abertura do ano escolar? O nosso mercado está infestado de produtos vencidos, de arroz de má qualidade que causam problemas à saúde pública e nunca sentimos a pressão dos movimentos e organizações sociais, porquê? Ou seja, a “cultura de deixar passar” venceu a nossa responsabilidade pública. A Procuradoria-Geral da República que era para estar à frente dos interesses da sociedade, tem comportamento igual ao mês de Setembro na Guiné, faz mais trovão do que chuva. 

Podemos estar errados na opinião que emitimos, no entanto, não temos dúvidas de que em nenhum lugar do mundo a tarefa de gerir um país é fácil, isso que fique claro. A certeza que temos é de que o que ajuda ou contribui para que o Governo e seus Parceiros consigam minimamente responder os desafios de governar é o seu comprometimento e responsabilidade com a coisa pública. Não existem milagres para que um país seja próspero, existe sim, o uso competente do “saber-fazer”, do “deixar-fazer os que sabem” e, principalmente, da “racionalidade institucional”. No momento, não queremos acreditar no que se veicula pelos becos da cidade: que a maioria dos Movimentos sociais, Sindicatos, Associações e ONG´s funcionam apenas para garantir a mordomia de seus administradores. 

 

*Mestrando em Ciência Política na Universidade Federal de São Carlos, SP, Brasil


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