COMENTÁRIO AO TEXTO DE JOÃO GALVÃO BORGES

 

 

 

Por: Fernando Casimiro (Didinho)

 

didinho@sapo.pt

 

07.07.2007

 

Caros amigos,

 

Pela constatação dos vários encaminhamentos/comentários que têm vindo parar à minha caixa de correio, chego à conclusão de que a extraordinária reflexão do João Galvão foi muito bem recebida e encaixa-se plena e perfeitamente na lógica da clarividência e objectividade de um artigo de opinião, que, por ser um testemunho de Memória pessoal da nossa época e, por conseguinte, da nossa vivência, legitima-nos a um pronunciamento/parecer, fruto dessa vivência e convivência, que atrevo-me a afirmar ser de unanimidade na concordância dos factos expostos, tal é o alcance e o grau de satisfação que o próprio gesto de repassar o texto traduz por si só.

 

Digamos que este despertar de Consciências e de Memórias, para além de servir como tal, deve ser visto e tido como um desafio à contribuição/participação no assento de registos do muito que há para registar no inevitável percurso histórico entre a Guiné-Bissau e Cabo-Verde, ou se preferirem, entre guineenses e cabo-verdianos.

 

A reflexão do João Galvão, é igualmente, para mim, uma chamada de atenção, não só a Cabo-Verde e aos cabo-verdianos, apesar de, ele próprio, fazer alusão aos irmãos cabo-verdianos neste texto, mas também e explorando  uma análise inversa, aos próprios guineenses e à Guiné-Bissau, pois factos da nossa vivência e convivência demonstram que também há, existe, uma abordagem mesquinha em relação aos cabo-verdianos e seus descendentes, por exemplo, quando certas conveniências, principalmente na abordagem de identidades, atingem o extremo do preconceito racial em relação aos cabo-verdianos descendentes, que no entanto são guineenses assumidos e de pleno direito, tal como o próprio João Galvão.

 

Creio ser importante tirarmos ilações desta conflitualidade que mais não é que uma questão de EGO, como refere o próprio João Galvão.

 

Devemos ter em conta, ainda que fora do contexto dos nossos dias, a motivação histórica, geográfica e genética que fez com que Amilcar Cabral sonhasse com a unidade da Guiné e de Cabo-Verde.

 

Hoje, perante os factos, qualquer um acha que as pretensões de Cabral não passavam de utopia, mas, Cabral estudou as realidades dos dois povos e soube uni-los para o desafio de uma causa comum, com contrariedades, é certo, mas com resultados práticos e positivos.

 

Mais do que falar dos propósitos do projecto da unidade da Guiné e de Cabo-Verde, na sua vertente política, importa sublinhar e elevar os factores que fazem com que Amilcar Cabral seja referência identitária quer da Guiné, quer de Cabo-Verde, uma referência identitária relacionada com a luta de libertação nacional, é certo, mas, acima de tudo e num contexto mais amplo, suportada pelos laços de sangue que unem os dois povos tal como proporcionado pela escravatura e mais tarde, cimentada pela vivência evolutiva do período colonial e da própria luta de libertação nacional.

 

Estou ciente de que a pretensão de Cabral vale-nos hoje para um estudo e compreensão das nossas origens e, consequentemente, para a necessidade de um tratamento privilegiado e recíproco entre os nossos povos e países.

 

Estou certo de que o texto do João Galvão irá mexer com consciências, ajudando a melhorar o relacionamento entre guineenses e cabo-verdianos, um relacionamento entre irmãos, reforça-se, de primeiro grau!

 


 

Comentário de Dulce Borges

08.07.2007

 

 

Obrigada Didinho por estas leituras revigorantes disponibilizadas no teu site. A do artigo do Armindo, que tive a felicidade de reencontrar na Praia em Janeiro deste ano e com quem pude comentar sobre a celebração do 25 de Maio ‘Dia de África’, mas isso é outra conversa; de todos os comentários e sobretudo do texto do João Galvão! Para mim, uma intrinsecamente guineense (de  origem cabo-verdiana, se quiserem) foi como mel, sobretudo e certamente por me encontrar tão longe.

O João tinha aliás a incumbência de escrever um texto sobre a juventude dos anos 60 em Bissau e as peripécias no Liceu Honório Barreto. Ele é também a pessoa certa para falar dessa memória colectiva tão bela e nostálgica e mesmo romântica, mas do que é feita a saudade? Espero que ele o João, tenha perseverado nessa reconstrução tão necessária à nossa alma mas devo dizer que este texto a propósito do artigo do Armindo no ‘Expresso das Ilhas’, quase que o iliba de ‘responsabilidades’ nessa área. Quero aqui parabenizar o Armindo e o João por terem abordado de maneira tão isenta essa análise e esse período de nossas vidas. Não só expressam bem o que não pode ser considerado do imaginário de guineenses de origem caboverdiana – uma espécie de denominador comum ou mínimo múltiplo comum conforme o ângulo, entre guineenses ou cabo-verdianos.

O mérito desses textos é dar expressão a sentimentos impressos na individualidade de cada um de todos nós guineenses. Como bem diz o Armindo a Historia em Cabo Verde é feita de presente futuro!! Mas não terá sido sempre assim?

Incito o João a ir mais longe na análise que faz – a de Homem Cabo-verdiano propalado pela cúpula do Partido face à eliminação da própria noção de Homem Guineense, uma eliminação física e, pior, indo mais fundo nas próprias politicas de formação das novas gerações.  Uma lavagem. O ponto de convergência, de culminação concreta e descarada dessa estratégia, no processo de discussão das Constituições, de Cabo Verde e da Guiné-Bissau.

Deixo aqui o repto.

Abraço amigo a todos, Dulce      

   


 

A propósito de "5 de Julho, Mandjacos & Intelectuais"

 

Texto da autoria de João Galvão Borges

 

            Com vossa permissão,


           Que o teor de minha reacção ao artigo do Sr. Eng.º Armindo Ferreira – 5 de Julho, Mandjacos & Intelectuais – publicado no Expresso das Ilhas a 13.06.07, me situe de forma inequívoca.  Não posso ser indiferente ao artigo do  Eng° Armindo Ferreira. Sou até, se ele mo permitir, solidário! E por duas razões!


          A primeira confere-me legitimidade: sou filho de emigrantes Cabo-verdianos que se radicaram na Guiné-Bissau em princípios dos anos 30 do século passado.


          A segunda também me confere legitimidade: enquanto Guineense sinto-me ferido e triste por saber que meus conterrâneos são expatriados de Cabo-Verde por terem cometido o "hediondo crime" de se furtarem à vigilância das autoridades para procurarem uma vida melhor, para procurarem o ancestral "pão-nosso de cada dia..." que lhes é "recusado" em solo pátrio.... Ninguém abandona sua Pátria se não for, por dispares razoes, coagido. E o Povo Cabo-verdiano, emigrante por excelência, sabe-o bem.

          Mar ê morada di sôdadi, êl ta lêvano pa terra longe!... E a Guiné-Bissau já foi terra longe!..., que o digam, entre saudosos e presentes, os, Manuel 'Djinha', Antero 'Bubu', Armando 'Tina', Manuel 'Tuboca', 'Tita Gote', 'Joãozinho Burgo', Sérgio Centeio, João 'Coronel', 'Beirona', César Alves, 'Nhanduco', Mário Lima 'Pobre', 'Mexicano', João Capristano, Alberto Borges, 'Chamano', 'Agustôn', 'Antoninho Griga', Silva 'Matador' 'Dja Bô N'Gli', Pedro Moreira, Anselmo Mariano, Quirino Spencer, Aristides Pereira, Pedro Duarte, 'Toi' Cabral, Aguinaldo Almeida, 'Tcheca', Nicolau Dias, Zeferino Macedo, Armando 'Bufalo Bill' e os de "bôa pena" como Henrique Ribeiro, Pedro Andrade, Pedro Delgado, 'Admnistrador' Garcia, Marcelino Moreira, vindos do Seminário de São Nicolau em Cabo-Verde!, e o ex- Banco Nacional Ultramarino servido massivamente por "Insulares", e muitos, mas mesmo muitos outros que escapam à protecção de minha memória. Que a memória, a verdadeira, não se perca!...

 

          Não há movimento migratório sem subjacente necessidade. A necessidade é o móbil e o "carburante" de qualquer fluxo migratório. Não acredito que em tempos de "fartura", as naus portuguesas deixariam os portos de Lisboa e de Sagres para darem "Novos mundos ao Mundo"!...

          E ainda sobre esse tema, não fosse a "Phytophtora infestas", um fungo que dizimou a cultura da batata na Irlanda em fins (creio!) do século XVII, os "Mayflower" e congéneres não tomariam certamente rumo para as Américas!...

          Posso também afirmar-vos que, ver um camponês Guineense deixar sua terra, para um país com solos de morfologia, textura, estrutura, topografia e aptidão cultural diferentes, para um país de pluviometria periclitante; vai ao de lá do credível! é quase ficção!...

           Para vos poupar, tempo e paciência, procurei ser inciso, conciso, sendo exaustivo.
          Congratulo-me que na terra de meus Pais se possa, de forma responsável, veicular um vasto espectrum de correntes de pensamento e pronunciar vozes discordantes. Bravo, e que dure!

           Vivi a Guiné colonial, vivi a Guiné pré e pós independência pelo que me permito pronunciar sobre alguns aspectos de minha vivência no Pais.

          Até 14 de Novembro de 1980 era, na Guiné-Bissau, politicamente pouco aconselhável e susceptível de consequências falar do Homem Guineense. Pela ideologia vigente o Homem Guineense e o Homem Cabo-verdiano não eram senão duas cotilédones de uma única variedade de  semente – Unidade Guiné Cabo-Verde! Falar portanto do Homem Guineense dissociado do Homem Cabo-verdiano denunciava uma certa "afeição" pela FLING (Frente de Libertação Nacional da Guiné), o que não era naturalmente de se aplaudir...

          Em contrapartida chegavam-nos das Ilhas ecos de homéricos discursos sobre a identidade do Homem Cabo-verdiano. Como compreender? De um lado se nutria de elogios o Ego do Povo das Ilhas e de outro procurava-se (com certa subtileza mas não sem empenho) temperar o Ego do Povo Guineense. Porquê e com que intenção?

           Creio hoje compreender, e bem, o móbil desse desfasamento. Questão de EGO!

          Durante a Luta Armada de Libertação Nacional, a Guiné-Bissau era considerada o Vietname das colónias portuguesas em guerra, o que era obviamente uma referência extremamente elogiosa para qualquer Povo que luta pela sua liberdade.

          Por alguma razão o 25 de Abril em Portugal foi conduzido pelos militares vindos da frente da Guiné.

          Ora essa exaltação e esse enaltecimento estão, convenhamos, por conta da tenacidade, da coragem, do heroísmo do guerrilheiro Guineense, do combatente Guineense, do Homem Guineense (permitam-me poder, quanto a este singular exemplo, finalmente falar do Homem Guineense, sem receio e sem modéstia), que se bateu, em seu solo, pela Liberdade de duas Pátrias!... Porém não posso, não devo e muito menos quero, deixar de mencionar, reconhecer e enaltecer as valiosas, contribuição e participação da diáspora de Nacionalistas Cabo-verdianos a essa nobre causa.  

          Entretanto o palco das violentas operações de guerra foi a Guiné; dai que, logicamente, o preço de sangue vertido e de todas as nefastas consequências de uma guerra foram suportados pelo Povo Guineense. Essa irrefutável realidade histórica é extremamente mal vivida por essa diáspora de Nacionalistas Cabo-verdianos que participaram na Luta Armada de Libertação Nacional, em solo Guineense.

          Essa diáspora gostaria de poder falar de UMA Luta Armada de Libertação Nacional NA Guiné e EM Cabo-Verde e não DA Luta Armada de Libertação Nacional DA Guiné E Cabo-Verde, em solo Guineense.  Como disse, questão de EGO!

           Tendo em conta a Luta Armada de Libertação Nacional e a especificidade de seu contexto, gostaria de pedir se pronunciem com frieza, serenidade e sobretudo HONESTIDADE sobre um "tema-questao" quasi tabu!

          QUEM OUSA DIZER, sem ferir susceptibilidades e sensibilidades diferentes, QUE A ESTRATIFICACAO HIERARQUICA em todas, repito, em todas as instâncias DO ENTAO SUPRANACIONAL PARTIDO, a indicar: Comissão Permanente do Bureau Politico do Conselho Executivo de Luta, Conselho Executivo de Luta e Conselho Superior de Luta REFLECTIA (com justiça e isenção )  AS CONTRAPARTIDAS  (da Guiné-Bissau, de Cabo-Verde, de seus respectivos Povos)   à LUTA ARMADA DE LIBERTACAO NACIONAL. O silêncio tem respondido esta questão incomodativa...!

          Quantos Cabo-verdianos foram fuzilados em Cabo-Verde por terem servido o exército colonial e por se terem oposto em armas aos Movimentos de Libertação Nacional das ex-colónias? Se nenhum, como compreender e/ou aceitar que, pelas mesmas razoes, medidas diametralmente opostas foram preconizadas e implementadas na Guiné-Bissau sob a égide do mesmo Partido?

          Fuzilaram, entre outros, Baticâm Ferreira, iminente autoridade tradicional, PUBLICAMENTE, em Canchungo, em sua terra natal !!!...Que barbaridade e que monstruosa cegueira politica. E também, que estranha forma de promover a Reconciliação Nacional!...

Não fui o único a compreender os dizeres do Eng° Armindo Ferreira. Convenhamos porém, que uma redacção estruturada, cuidada, elaborada e sobretudo fundamentada pode incomodar certos leitores quando inadvertidos!... E para substanciar, duvido que todo o Espartano compreendesse seu conterrâneo Ateniense e que todo o Ateniense compreendesse seu conterrâneo Espartano. Mas, como não passei pelas Termópilas, a resposta a quem de direito!...

          Há-os que se fundamentam para argumentarem. Há-os porém que só fazem ECO e, porque "apodos" de ideias, precisam incessantemente de "promotores de ideias..." Concordo que é extremamente difícil ser-se indulgente e tolerante face a verborreias irresponsáveis e incongruentes. Coragem!

           E, por tudo quanto disse;

          Não será que os cidadãos Guineenses MERECEM da Nação Cabo-verdiana, do seu Povo e do seu Estado, e que não seja por pudor, por RESPEITO a um PASSADO demasiadamente recente para ser olvidado,  mas por RESPEITO à MEMORIA desse PASSADO, por RESPEITO da MEMORIA desse PASSADO, um tratamento efectivamente preferencial, mais consentâneo e coerente com esse PASSADO e sobretudo com essa MEMORIA?!...

          Quanto sangue Guineense, estoicamente, generosamente vertido para que a LIBERDADE fosse Também extensiva a Cabo-Verde, beneficiasse Também seu Povo, então IRMAO!!!. Ainda oiço os cânticos de "dus curpu um corçon!....

          Esse tratamento preferencial, que não chocaria o mais exigente dos racionais de Lineu, só poderia a meu ver, enobrecer a Nação Cabo-verdiana e seu Povo. Questão de bom senso!

          Seria entretanto bom saber quais os interesses subjacentes a essa nutrida amnésia e quem os interessados em fragilizar e/ou definitivamente desactivar essa MEMORIA.

 

          Meus irmãos Cabo-verdianos,

          Peço-vos com sinceridade e com humildade que doravante, em nome desse PASSADO, em nome dessa MEMORIA, e até pelo sangue que nos corre nas veias..., tratem melhor nosso irmão "Mandjacos". E sobejam-vos razões...!

           Antecipo-me ao 5 de Julho, vossa Festa Nacional, para vos desejar Saúde, Paz e Progresso.

           Com modéstia,

 

         João António Galvão dos Reis Borges

 

 

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