Cólera: Cerimónias Tradicionais ou Descaso de Governação?   

(ponto de vista)

 

 

Quem faz sofrer o próximo, faz mal a si próprio. Quem ajuda a outro ajuda a si próprio.

Tolstói

 

 

 

 

 

 

 

Por: Rui Jorge  da Conceição Gomes Semedo *

 

rjogos18@yahoo.com.br

Rui Jorge Semedo

15.09.2008

 

  

A partir dos finais da década de 80 aos dias de hoje o nosso país tem sido frequentemente importunado por um vizinho avassalador chamado cólera. Percebe-se que irresponsavelmente entre as autoridades e parte da sociedade civil esse flagelo se naturalizou ao ponto de ser associado à época da chuva como se entre essas duas coisas existisse uma relação de determinação. O problema da crónica presença da epidemia de cólera no nosso país é fundamentalmente estrutural-organizativo, reflexo de práticas e acções corruptas de má governação.  

A Guiné, e especificamente, a capital Bissau não tem uma política adequada de saneamento básico (rede de esgotos, fornecimento de água potável, urbanização e sistema de colecta e tratamento de lixo). Salvo infra-estruturas que herdamos da colonização e que hoje não suportam mais a cidade, dada a explosão populacional motivada pelo fenómeno do êxodo rural nos meados da década de 80 em que alguns novos bairros surgiram e cresceram desorganizadamente. Mudança que instituições responsáveis, especificamente, a Câmara Municipal de Bissau, Ministérios das Obras-Públicas, do Meio Ambiente e da Saúde não foram capazes de gerir. A forma como os bairros estão organizados é, sem dúvida, convidativa para alojar doenças como a cólera, malária, diarreia etc. pois as regras técnicas de construção e urbanização nunca foram respeitadas. Resultado disso, é a casa de banho de um que fica quase em cima da varanda do outro, é o esgoto de um que passa em frente à porta do outro ou desagua próximo a um poço onde uma grande parte dos moradores costuma apanhar água para os serviços domésticos. Perante todo esse cenário, e para uma sociedade ainda com dificuldades de aperfeiçoar a cultura de reciclagem e de tratamento de lixo, as doenças apenas dão graças a Deus pela oportunidade.      

Por isso e outros, apesar de não ser especialista em saúde pública, atrevo-me a dizer que precisamos procurar outras origens das frequentes presenças da cólera na Guiné-Bissau que não sejam apenas a “chuva ou cerimónias tradicionais”, muito embora reconheçamos que as mesmas contribuem na sua proliferação. Por isso, azáfama a pertinência de colocarmos algumas indagações que levem à compreensão de como essa doença chega e se prolifera, e de que forma precisamos elaborar mecanismos para a sua erradicação. Como por exemplo; O que origina a cólera no nosso país? Porque em todas as épocas chuvosas a nossa sociedade é invadida por surto de cólera? O que devemos fazer para afastar a cólera da Guiné-Bissau? Que cuidados a sociedade precisa ter permanentemente?     

De acordo com especialistas, a proliferação dessa epidemia tem uma forte ligação com a realização de cerimónias tradicionais secularmente realizadas por (nossos) diferentes grupos étnicos. Não obstante, segundo o governo, essas práticas precisam ser suspensas até que a epidemia esteja sob controlo. Esta medida não é refutável se partirmos das informações de técnicos de saúde que comprovam a tal possibilidade. Mas, no entanto, é questionável tendo em consideração que existem lugares públicos supostamente com maiores incidências de transmissões de doenças a funcionar, que são os mercados de Bandim, Caracol e de Tambarina, para não citar as péssimas condições sanitárias do Matadouro Municipal de Bissau, restaurantes e bares espalhados por toda a parte e que estão a funcionar sem que haja um controle responsável e rigoroso por parte da vigilância sanitária. A propósito, sobre o caso do Matadouro Municipal de Bissau que, lamentavelmente, repito lamentavelmente, é uma tristeza não só pelas condições de trabalho dos seus profissionais, as condições sanitárias assustam qualquer cidadão preocupado com a qualidade de saúde dos guineenses. Nem água há neste espaço que era para ser nobre, e escuso abordar a forma nojenta como as carnes são tratadas, transportadas e vendidas nos mercados, aliás, a grande parte da sociedade guineense conhece essa realidade. Ainda sobre a “aglomeração versus cólera”, brevemente teremos no país o início da campanha eleitoral com vista à realização das legislativas de Novembro próximo. Pela tradição, a nossa campanha política inclui além de comícios, comes e bebes. Momento em que habitualmente são sacrificadas dezenas de vacas para engordar a barriga do eleitorado faminto. Será que o governo proibirá a campanha eleitoral caso permaneça a epidemia?   

A aglomeração de pessoas pode ser vista por diferentes profissionais sob diversas formas de acordo com a sua actuação e interesse. Pois, para um economista uma aglomeração não é nada mais que um mercado para maximizar negócios, para um jornalista pode ser um meio para adquirir notícias, para um sociólogo pode ser um meio de interacção social e de luta de classes, para um político é um potencial mercado eleitoral e, finalmente, para um profissional de saúde é um foco de disseminação de doenças, no geral, todas as visões seguem um raciocínio lógico. No entanto, sem refutar a tese dos profissionais de saúde continuarei a insistir de que, se pegarmos os dados estatísticos dos casos que já deram entrada nos postos de saúde de todo o país até hoje, que já somam 5.140 casos e 112 óbitos, constataremos que os casos provenientes das cerimónias tradicionais são menores do que de outras proveniências. Por isso, defendo e defenderei que o governo assuma a sua responsabilidade e crie mecanismos para erradicar essa doença, por que não é proibir o convívio social que vai resolver a questão que todos nós sabemos onde está o problema. Obviamente, preferimos reconhecer que as medidas anunciadas pelo governo apresentam um carácter mais preventivo do que um elemento solucionador do caso. Pois, a medida que o governo está a usar não é nova. Ao longo dos anos que a nossa sociedade permanentemente fora forçada a conviver com essa epidemia, o governo sempre usou a mesma técnica de suspender as cerimónias tradicionais, de retardar a abertura das aulas etc. etc. e a cólera sempre continua presente entre nós. Podemos manter a medida cautelar, mas precisamos de atitudes mais eficazes e concretas para não permitir a frequente presença dessa epidemia.

Há rumores que dizem que essa doença costuma vir de países vizinhos e, se isso é realmente verdade, temos que analisar a forma de acesso ao nosso território nos períodos em que habitualmente costumam aparecer os casos. Conforme diz o velho ditado popular – amigo, amigo negócios à parte – porém, não podemos continuar a sacrificar vidas nas nossas populações e gastar dinheiro em nome do cumprimento dos acordos. É nossa obrigação cumprir os acordos e manter laços de boa vizinhança, mas sem colocar os guineenses em risco do perigo mortal.

Esta reflexão não estaria completa se não ressaltarmos o gesto solidário de algumas pessoas e empresas que estão a apoiar os pacientes com cólera através de doações de dinheiro, géneros alimentícios e materiais sanitários, muito embora saibamos que o mais bonito e importante é o Estado através de seus órgãos conseguir encontrar mecanismos para afastar a doença. As doações apenas resolvem os problemas pontuais, e isso acreditamos nós, não é o desejo dos nossos incansáveis profissionais de saúde, médicos e enfermeiros, nem dos serventes e motoristas e, muito menos, dos que directamente sofrem com a epidemia.  

 

*Mestrando em Ciência Política na Universidade Federal de São Carlos, SP, Brasil


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